Professor Amédis Germano analisa a situação do ex-presidente. Ele também lista, de acordo com seu entendimento, os erros cometidos pelo petista e traça um painel do cenário eleitoral
CARATINGA – No dia 24 de janeiro de 2018 mais uma vez o país prendeu suas atenções ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois ele estava sendo julgado pela 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre (RS). Ao final, três desembargadores votaram pela manutenção da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do triplex no Guarujá (SP). Os magistrados negaram o recurso da defesa de Lula contra sentença aplicada pelo juiz Sérgio Moro, em primeira instância pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Os desembargadores entenderam que a sentença do juiz Moro é válida. E também aumentaram a pena do ex-presidente de 9 anos e meio de prisão para 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado pelos crimes citados, acolhendo pedido do Ministério Público Federal (MPF).
Os desembargadores também concordaram em reduzir as penas previstas inicialmente para o ex-presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, e para o ex-diretor da área internacional da OAS, Agenor Franklin Magalhães Medeiros. José Aldemário, conhecido como Léo Pinheiro, foi condenado em primeira instância a 10 anos e 8 meses de prisão, mas teve a pena reduzida para três anos e seis meses. Já Agenor Franklin teve a pena reduzida para um ano e 10 meses. A princípio, ele tinha sido condenado pelo juiz federal Sérgio Moro a seis anos.
O CASO
Para o juiz federal Sérgio Moro, que condenou Lula em primeira instância, ficou provado nos autos que o ex-presidente e a ex-primeira-dama Marisa Letícia eram de fato os proprietários do imóvel e que as reformas executadas no triplex pela empresa OAS provam que o apartamento era destinado a Lula e faziam parte do pagamento de propina ao ex-presidente por ter beneficiado a empreiteira em contratos com a Petrobras.
No recurso apresentado ao TRF4, a defesa alegou que a análise de Moro foi “parcial e facciosa” e “descoberta de qualquer elemento probatório idôneo”. Os advogados afirmaram que um conjunto de equívocos justificava a nulidade da condenação. Para a defesa, o juiz teria falhado ao definir a pena com base apenas na “narrativa isolada” do ex-presidente da OAS José Adelmário Pinheiro Filho, conhecido como Léo Pinheiro, sobre o que os advogados consideram “um fantasioso caixa geral de propinas” e a suposta compra e reforma do imóvel.
A ENTREVISTA
Para entender o impacto dessa decisão sobre o cenário político, o DIÁRIO entrevistou o professor Amédis Germano dos Santos, que dentre tantas qualificações, é doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (2005), mestre em História da Ciência pela PUC-SP (2000), graduado em Ciências Políticas e Sociais (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1984). Atualmente é professor adjunto I do Instituto de Ciências, Engenharia e Tecnologia (ICET), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM/Campus Mucuri -Teófilo Otoni).
Amédis Germano comenta a decisão do TRF-4 e aponta, em sua visão, os erros cometidos pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de falar do cenário político atual.
Como fica o cenário eleitoral após a condenação do Lula?
Após a decisão unânime proferida pelos três desembargadores do TRF-4, as opções de ferramentas recursais de defesa do Lula ficam restritas a respostas técnico-jurídicas. Uma das possibilidades é o Embargo de Declaração, um recurso que serve apenas para esclarecimentos de pontos considerados omissos ou obscuros e também caso considerem que o acordão seja contraditório. Entretanto, isso não vai mudar o quadro decisório.
Uma eventual possibilidade estaria na apresentação de um Recurso Espacial a ser impetrado junto ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e Recurso Extraordinário no STF (Supremo Tribunal Federal) na tentativa de conseguir efeitos suspensivos no processo, porque nestes casos não há apreciação de fatos e provas. Uma outra possibilidade acaba de ser negada pelo STJ, o Habeas Corpus.
No campo das possibilidades políticas tudo poderá ocorrer. Afinal, STJ e STF têm ministros escolhidos pelo Executivo Federal. As ingerências políticas dos tribunais superiores, adicionadas ao ativismo jurídico tão em voga no Brasil poderá levar este julgamento a um desfecho imprevisível – infelizmente.
Pode haver uma debandada de aliados?
Houve em momentos passados, está havendo e está se agravando porque na verdade há fatos relevantes em jogo. Lembremos que quatro partidos já apresentaram seus candidatos: Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), Ciro Gomes (PDT-CE), Guilherme Boulos do MTST (PSOL-SP) e Marina Silva (Rede-AC). Há um quinto partido que espera a decisão do ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa para lança-lo pelo PSB. Destes partidos que apoiaram o PT por longos anos, apenas o PSOL ainda permanece inexpressivo nacionalmente – os demais farão muita falta.
Dependendo de como os advogados do Lula agirão frente aos Tribunais Superiores e dependendo da reação após os recursos a debandada poderá ser muito maior, deixando o PT abandonada à sua própria sorte, principalmente se continuar insistindo na tese de ameaças aos juízes e desembargadores envolvidos nos julgamentos. A posição da presidente do partido, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), de incendiar o país e pegar em armas em defesa do indefensável, poderá deixar o partido completamente órfão para a disputa de 2018, além é claro, de coloca-la em condições difíceis para uma disputa no Senado ou Câmara – já que ela está envolvida na Lava Jato.
Parece que o Lula vai adotar o discurso de “vítima”. Isso costuma funcionar?
Não só parece como já o fez. Ao negar tudo de tudo, Lula se autoproclamou a alma mais inocente da face da terra, mais honesto que Jesus Cristo e a partir de então começou a posar de vítima quando percebeu que seus esquemas começaram a aparecer. E mesmo antes da condenação lançou a si seus seguidores contra o sistema jurídico: atacou, juízes, desembargadores e ministros – mas a máscara da vitimização não está convencendo. E se continuar assim, a justiça poderá perder a paciência e recorrer à politização em detrimento do tecnicismo jurídico – isso será seu trágico e anunciado fim.
A vitimização pode fazer efeitos por uns momentos, mas não a vida toda. Não aceitar que cometeu erros retira dele a humildade que a sociedade esperava daquele a quem ela depositou suas esperanças; negar a ver justiça nas decisões que muitos têm como injustas só irá colocá-lo no patamar da arrogância.
Com o afastamento do Lula, como ficaria o PT e qual seria o Plano B do partido?
Apesar do partido afirmar que não existe Plano B, o afastamento do ex-presidente obriga que o partido se posicione de forma a substituí-lo no pleito que virá. Os nomes de peso da cúpula petista estão presos na Lava Jato ou no rol dos acusados de alguma santidade política prá lá que satânica. Ainda resta a possibilidade do nome do ex-governador da Bahia, Jaques Wagner, mas pesa contra ele acusações que ainda anão foram apuradas.
Como ainda estamos longe da eleição, a ausência do Lula poderá levar o partido a apoiar uma agremiação mais à esquerda – hipótese um pouco improvável, mas não descartável. Ainda persistindo a ausência do PT em um Segundo Turno, uma aliança de interesses ideológicos seria a mais provável – contra tudo que estiver mais à direita, não interessando quem. Confirmando esta última hipótese, resta saber em quem os petistas votarão porque transferência de votos já ficou provada que não funciona no Brasil; aqui o personalismo ainda é muito forte, não há uma cultura de participação política partidária, mas pessoal.
O PT governa Minas; como essa condenação afetaria os rumos do partido no Estado?
O governador do Estado, Fernando Pimentel (PT-MG), já tem problemas demais para resolver com o STJ, onde tornou-se réu por crime de corrupção passiva, quando foi ministro do Desenvolvimento Indústria e Comércio Exterior (MDIC) no governo de Dilma Rousseff. Pesa contra ele a acusação formalizada na Operação Acrônimo por recebimento de R$ 11 milhões em propinas para favorecer a Construtora Odebrecht em operação de créditos junto ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), para obras na Argentina no valor de R$ 1,5 bilhões e em Moçambique, no valor de R$ 180 milhões.
Por decisão da Corte Especial do STJ, composta por nove ministros, a acusação foi aceita, mas ele governa na indecisão. O Estado de Minas Gerais tem uma dívida muito grande com o Governo Federal e débitos enormes com o funcionalismo estadual. A decisão do TRF-4 contra Lula atinge todos os Estados e entes federativos governados pelos petistas. Neste contexto, é evidente que Minas será afetada mais que qualquer outro ente da federação. O embate político que sempre foi muito áspero em Minas tenderá a ficar mais acirrado ainda porque coloca em xeque dois partidos que polarizam o Estado: PT e PSDB, ambos arrasados pelas operações Mensalão, Acrônimo e Lava Jato.
O senhor acredita que os brasileiros levam em conta a questão da “Ficha Limpa” no momento de votar?
Por Ficha Limpa entende-se a Lei Complementar 135/2010, que foi o resultado da vontade popular que reuniu 1,6 milhão de assinaturas em busca de mecanismos legislativos que pudessem evitar a candidatura de pessoas não idôneas a cargos eletivos. Esta lei veio para atender ao § 9º do art. 14 da Constituição Federal que diz: “Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessão, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, […]”. Pela Ficha Limpa o candidato que for condenado em segunda instância, por um Tribunal Colegiado – caso do TRF-4 que confirmou a condenação do Lula – ficará impedido de concorrer a cargos eletivos.
Respondendo à pergunta, diria que muitos brasileiros esclarecidos seguirão os comandos da Ficha Limpa, que por obediência à lei, quer por questões morais e partidárias. Entretanto, temos que admitir que há no Brasil uma massa ignara, para as quais determinações legais não fazem parte de seu vocabulário, quer por ignorância, por servilismo político ou por venda de votos. Em suma, a Ficha Limpa vai valer mais para os registros no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que propriamente como baliza ético-moral. O enquadramento da Ficha Limpa deveria valer logo após o julgamento a partir da primeira instância; dependendo do caso em si, o espaço de tempo entre a primeira segunda instância pode demorar anos – e enquanto isso seguimos sendo governados por escórias de bandidos de todas as espécies.
Ainda é cedo para qualquer prognóstico, mas nas eleições presidenciais o senhor acredita que podemos ter alguma novidade ou será o “mais do mesmo”?
Novidades mesmo teremos no Legislativo – deputados e senadores – mormente nos Estados mais afetados por políticos inseridos nas operações comandadas pela Polícia Federal. Todos os políticos afetados nas operações conhecidas terão muita dificuldade de conseguir uma reeleição, pois sofrerão ataques externos (por adversários partidários) e ataques internos (dentro do partido, pelos novatos e aproveitadores de plantão).
Nos cargos do Executivo (Presidência e Governadores) o cenário que se nos apresenta é basicamente o “mais do mesmo”. Vejam que até o momento já se dizem candidatos as figuras carimbadas de Ciro Gomes (PDT), Lula (PT), Cristovam Buarque (PPS), Marina Silva (Rede), Henrique Meireles (PSD), Geraldo Alkmim (PSDB), César Maia (DEM), Álvaro Dias (Podemos), José Mª Eymael (PSDC), Levy Fidelix (PRTB), Fernando Collor (PTC), Jair Bolsonaro (PSL). Aqueles que podemos considerar novatos na disputa são apenas cinco, por enquanto: Manuela D’Ávila (PCdoB), João Amoêdo (Novo), Valéria Monteiro (PMN), Paulo Rabêlo (PSC) e Guilherme Boulos (PSOL).
Pelos resultados dos partidos nanicos nas urnas anteriores, estes cinco últimos não têm a menor chance. Enquanto encerro este texto, o Temer tem dito aos jornalistas mais próximos que ainda estuda a possibilidade de concorrer pelo MDB – Vade retro! Há também o ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa que viria pelo PSB – mas por ora é apenas especulação.
No caso de cargos aos governos estaduais ainda há sombras negras, mas certamente as velhas raposas não permitirão que novatos aproximem-se do galinheiro. Há que se esperar um pouco mais.
Em sua avaliação qual foi o maior erro do Lula?
Esta resposta é simples e curta: o Lula, por ele mesmo.
O Lula batalhou arduamente para conquistar o seu lugar no cenário político brasileiro – isso ninguém pode negar. Assumiu o governo com a casa arrumada pelo FHC em condições financeira muitíssimo melhor que deixaram-nas: Sarney, Itamar Franco e Fernando Collor. No governo de Itamar Franco ocorreu a transformação do Cruzeiro Real (CR$) para Real (R$), em 1º de julho de 1994, numa desvalorização de CR$ 2.750,00 para R$ 1, equiparando o Real ao Dólar (R$1 = U$1), o que culminou na estabilização econômica e acabou com a hiperinflação que acumulava até aquele dia o percentual de 815,60%.
Entre 1995 e 2003 FHC promoveu a maior estatização já feita no Brasil, arrecadando R$ 76,8 bilhões para os cofres públicos provenientes das vendas da: Vale Rio Doce, do Setor de Telecomunicações, do Setor Elétrico e outros. Em que pese as críticas bem fundamentadas contra as estatizações, elas já vinham ocorrendo a partir do Governo do Sarney, com a venda da Aracell e Aracruz Celulose dentre outras; no Governo Itamar venderam: CSN, Aço Minas, Cosipa, Embraer e subsidiárias da Petrobrás.
O primeiro mandato do Lula surpreendeu eleitores, empresários, banqueiros e a comunidade internacional, o que lhe rendeu um índice de aprovação recorde para um presidente e, consequentemente, uma reeleição. Ao entregar o governo para a Dilma em 2011, Lula já havia privatizado o Banco do Estado do Ceará e Banco do Estado do Maranhão, além de várias Concessões de Rodovias como: BR 381 BH/SP, BR 393 MG/RJ, BR 101 RJ/ES, BR 153 MG/SP/PR, BR 116 SP/PR e BR 116 PR/SC/RS; as concessões das Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio e as Linhas de Transmissão de Porto Velho (RO) e Araraquara (SP).
Estes dados acima são importantes porque deixam claro que ninguém pode culpar seus antecessores por privatizações; todos fizeram, inclusive o Temer.
Por que o erro do Lula foi ele mesmo?
Lula errou a partir do memento que abandonou seus companheiros de base ideológica e anos de batalhas políticas, a começar pela expulsão da senadora Heloísa Helena (PT-AL, 1999-2007) porque ela discordou do Projeto de Reforma da Previdência encaminhada por Lula em 2003. Por intransigências e outros fatores o PT perdeu: Chico de Oliveira, Hélio Bicudo, Plínio de Arruda Sampaio, Fernando Gabeira, Marina Silva, Cristovam Buarque, Marta Suplicy, Luiza Erundina, Randolfe Rodrigues, Chico Alencar, Ivan Valente, Eduardo Jorge, José Maria, Babá, Paulo Santiago, Soninha, Gilson Meneses, Weliton Prado, Toninho Wandscheer, Alessandro Molion, dentre outros.
Lula errou a partir do momento em que aliou-se às velhas raposas da carcomida república da corrupção: José Sarney, Fernando Collor, Henrique Meireles, Renan Calheiros, Paulo Maluf, Eunício Oliveira, Gedel Vieira Lima, Hélio Costa, Edson Lobão, Walfrido Mares Guia, Reinhold Stephanes, Miro Teixeira, Sérgio Cabral, Eliseu Padilha, Sarney Filho, Jader Barbalho, Romero Jucá, Henrique Alves, Gilberto Kassab, Cid Gomes, Guilherme Afif Domingos, Helder Barbalho, Garibaldi Alves, Mauro Lopes, Katia Abreu, etc.
Lula errou a partir do momento em que foi tomado pela amnésia e passou a desconhecer a si mesmo: não sabia de nada, não viu nada, não conhecia nada nem ninguém. Entretanto, o momento mais crucial de seu esquecimento foi quando depositou a culpa de todos os fatos sobre os ombros da Marisa.
Lula errou quando associou-se a todos os bandidos de todos os naipes partidários, de Norte a Sul do país, para dilapidar o patrimônio público em conluio com as empreiteiras e operadores do mercado de câmbio.
Lula errou quando sua nau trafegava pelo estreito da liberdade em Terra brasilis e, ouvindo o canto da sereia, abandonou sua rota traçada por anos para encantar-se com as ideias pseudo-socialistas bolivarianas, cubanas e ditatoriais africanas.
Lula agora erra ao partir para o confronto aberto com a justiça, cujos tribunais, estão plenos de togados escolhidos por ele ou sua infitética sombra apeada do poder por um Impeachment.