Franklin dos Santos Moura*
- Introdução
Há algum tempo e ainda nos dias de hoje, os sintomas e o quadro de depressão eram vistos restritamente sob a ótica clínica, e não se analisava a possível relação desse quadro com as relações sociais, seja em casa ou no trabalho ou nos demais canais ou grupos de socialização.
Por outro lado, desperta a atenção a crescente ocorrência e divulgação de pessoas atingidas pela depressão, indo de celebridades até pessoas cada vez mais próximas de cada um de nós. O que está acontecendo?
Essa inquietante pergunta, somada a observação das estradas que percorro e dos grupos físicos e virtuais que interajo, culminou nas reflexões a seguir, as quais mui respeitosamente intitulei “Os duelos dos nossos dias”, onde o objetivo é provocar um contra ataque e uma gradativa retomada de territórios perdidos nessa histórica batalha.
- A depressão inicia quando encontra espaço
Não faz muito tempo, os meios de comunicação foram tomados pela epidemia “Baleia Azul”, e escolas, igrejas, psicólogos, psiquiatras (e outros) falaram resumidamente de formas técnicas, formais e informais que os atingidos pela epidemia possuíam em comum “um enorme vazio”.
Logo, a sensação de poder ‘pertencer’ e ‘ser importante’ a algum grupo levou muitos e muitos jovens a experimentar a dor e infelizmente (alguns) a morte.
Abordando de uma maneira mais ampla, e explorando outro vazio do homo sapiens, quantas e quantas gerações viram algum parente próximo ou até dentro de casa se destruir através da bebida alcoólica?
Agravando um pouco mais, com o avanço da indústria alucinógena (ilícita), as drogas ganharam um cardápio diversificado e acessível economicamente, onde passaram a concorrer fortemente com o álcool e ao menos as últimas duas gerações estão sangrando ao ver jovens, adultos e idosos preenchendo seus “vazios” com momentos de êxtase, logo em seguida sucedidos de um vazio maior ainda.
Mas o início do quadro depressivo ainda tem outro forte repositor de espaços vazios. Dessa vez, o avanço e a comunhão da indústria tecnológica e do consumismo conseguiram alcançar os públicos que num primeiro momento se esquivaram do álcool e das drogas. O vício dos hábitos eletrônicos e a imensidão de séries de TV consubstanciam uma simbiose entre o ser humano e o mundo (ou realidade) digital que ainda não sabemos a consequência de longo prazo.
No curto prazo, percebe-se a compulsão pela necessidade de estar conectado e a ansiedade de permanecer ‘on line’ e em dia com ‘as séries ou filmes do momento’, o que não ocorrendo resulta num turbilhão de distúrbios que vão da agressividade, isolamento, alimentação desregulada e infelizmente até a conjunção com os elementos anteriores, ou seja, a droga e o álcool.
Obviamente que não poderia deixar de citar o vazio criado pelos traumas de gestação ou de infância/adolescência, que em muitos casos temos a figura de uma vítima indefesa e passiva que carrega feridas com difícil cicatrização, mas o objetivo das reflexões é chamar a atenção para as situações onde o ‘ser’ promove seu próprio desvio e não quando é atropelado pela ação de outra pessoa, embora seja igualmente importante falar disso quando temos em comum o ‘quadro depressivo’ produzido.
Por que esse vazio, me pergunto? Certamente renomados autores como Domenico de Masi ou o brasileiro Christian Barbosa falariam do nível de aproveitamento do ‘Ócio’ e ‘Gestão do Tempo’, o que certamente seria outro trabalho para reflexão. Sem adentrar em suas obras, mas concluindo esse tópico, podemos resumir que os vazios produzidos pela frágil gestão do ócio e do tempo, acometidos de um ambiente depressivo, são preenchidos de diversas formas destrutivas, representadas pelo álcool, drogas, e vícios digitais/eletrônicos.
- O mundo está contra mim e não posso mudá-lo.
Até aqui se discutiu onde nasce/surge o vazio preenchido pela depressão e suas consequências. Porém, é oportuno destacar um momento decisivo e derradeiro na vida da pessoa em quadro depressivo: “o momento da desistência”. Parece uma conspiração global onde tudo está dando errado. Quem trabalha encontra dificuldades diárias na manutenção do emprego e quem está desempregado assim continua, ambos numa angústia constante. Quem está casado oscila entre a dúvida de prosseguir ou jogar tudo para o alto, e quem está solteiro(a) não dá muito crédito a instituição ‘família’, mesmo lá no fundo tendo o desejo de construir algo que lhe preencha. Quem tem amigos (conceito indefinido) moldura uma fantasia para pertencer ao grupo e quem não se socializa, se torna um andarilho solitário em numerosas comunidades virtuais.
Essa dualidade ocorre em muitas e muitas outras situações, e depois de um agravamento extremo, o ‘ser deprimido’ simplesmente abraça a derrota, onde a decisão de desistir não atinge somente a pessoa deprimida, mas todos aqueles ao seu redor.
Até aqui, pelas breves reflexões, temos quatro palavras, comportamentais ou existenciais, que juntas permitem identificar a linha do tempo da jornada dessa caminhada em direção ao abismo nos dias atuais: “Vazio-Depressão-Dependência-Desistência – VDDD”.
- Combatendo o VDDD
É importante deixar claro desde agora que não se pretende esgotar a plenitude desse amplo e complexo assunto, mas sim lançar sementes de reflexões, como já dito alhures. Para ilustrar a ideia de combater o VDDD, faz-se necessário uma premissa abrangendo duas importantes armas nessa batalha: ‘vigilância’ e ‘atitude’. Arriscaria dizer que toda saída passar por pelo menos esses dois posicionamentos, ou seja, vigiar para prevenir e agir para corrigir.
Quando se pensa na primeira etapa da jornada depressiva, ou seja, o VAZIO-V, entende-se, que a saída (ou a não entrada) passa pela Gestão do Tempo. Devemos vigiar a nós mesmos e as pessoas ao nosso redor e situações de isolamento, baixa estima, sedentarismo social (e outros) podem indicar que a pessoa esteja abrindo espaço para um quadro depressivo. A atitude passa por buscar objetividade e produtividade nas 24 horas dadas em cada dia. A atitude envolve definir metas exequíveis, sem deixar de lado o descanso, o lazer, a privacidade, abrangendo as dimensões espiritual, físico e emocional.
Quando a vigilância e atitudes não são suficientes, inevitavelmente se chega a segunda etapa, ou seja, a DEPRESSÃO-D, e o vazio da primeira etapa começa a ser preenchido por ações nocivas. A vigilância deve monitorar o uso contínuo de álcool, compulsão por comida, compulsão por compras, compulsão por vida digital e até mesmo a entrada na região das drogas ilícitas. Consoante ao monitoramento, as atitudes abrangem o diálogo, o resgate, a alteração da rotina pessoal ou familiar, pois esses sinais podem ser um pedido de socorro não somente de quem está entrando no quadro depressivo, mas de uma família ou grupo desestruturado.
E seguindo, caso não se logre êxito na vigilância e atitudes do quadro depressivo, a pessoa chega a terceira etapa, ou seja, a DEPENDÊNCIA-D, e aqui o que se percebe é a caracterização dos vícios. Diferente das duas etapas anteriores onde um trabalho preventivo em ambiente familiar poderia resolver, nessa etapa, uma vez identificada pela vigilância a dependência de comida, álcool, vida digital, compras (etc), a atitude passa inevitavelmente pelo tratamento clínico, dado o risco e a vulnerabilidade da pessoa nesse estágio. Não posso deixar de dizer que o melhor remédio para o vício são injeções de virtudes, mas se até esse momento tais injeções não ocorreram, é hora de não hesitar em pedir ajuda.
Por fim, se a vigilância e atitudes não ocorreram ou não foram suficientes para frear o avanço do quadro depressivo, a vítima chega a perigosa etapa de DESISTÊNCIA-D, e além de toda ajuda clínica, a vigilância deve buscar, a todo momento, perceber comportamentos fora do comum, indo de um simples isolamento até mensagens enigmáticas em redes sociais. Quando a pessoa desiste de si, infelizmente sacrifica a própria vida, motivo pelo qual os jornais (antes discretos) vem divulgando com maior intensidade a ocorrência de suicídios, e as redes sociais por sua vez estabelecem uma corrente de frases saudosas, homenagens e um mar de tristezas, tudo ineficaz, pois não há uma quinta fase, não há o que salvar ou resgatar após o fim.
Por isso, como se repetiu em todo esse tópico, não importando a etapa, devemos ter VIGILÂNCIA e ATITUDE.
- Considerações Finais
Esse breve relato ou ensaio teve por objetivo apresentar algumas reflexões sobre ‘o duelo dos nossos dias, especificamente a depressão’. Muito há por se debater sobre esse tema que atinge a todas as esferas e camadas sociais e organizacionais.
Como resultado, simplificamos esse duelo em quatro etapas para possibilitar o entendimento do tema. São elas: (i) Vazio; (ii) Depressão; (iii) Dependência; (iv) Desistência.
Acredito que tenha restado cristalino o aspecto temporal, pois não se vai da etapa Vazio à Desistência num piscar de olhos, o que nos remete a principal provocação ou reflexão que é o contínuo comportamento de Vigilância e Atitude.
Devemos ficar atentos aos sinais, mas só isso não basta caso uma atitude preventiva ou corretiva não seja tempestivamente aplicada.
Assim, espero que, em meio a reflexões e provocações, nossa militância aumente de forma concreta e efetiva nesse combate a Depressão, que é um dos efeitos colaterais de tantos avanços galgados nas últimas décadas.
*FRANKLIN DOS SANTOS MOURA é Membro da Loja Maçônica Prof. Hermínio Blackman 1761, de Vila Velha, Membro Fundador da AcadGOB-ES; Membro Efetivo da Academia de Letras de Vila Velha – ES e Membro Correspondente da Academia Maçônica de Letras do Leste de Minas – AMLM