Ildecir A.Lessa
Advogado
Os pré-socráticos foram os primeiros pensadores que, nas cidades gregas da Ásia Menor por volta do Séc. VI a.C, procuraram desenvolver formas de explicação da realidade natural do ser humano, do mundo que os cercava, independentemente do apelo a divindade e as forças naturais. O tempo foi ficando distante, mais ainda hoje, na modernidade, perguntamos: Quem somos? Por que acreditamos no que acreditamos? Como viver? Os problemas essenciais da existência e da realização humanas não respeitam fronteiras acadêmicas e convenções catalográficas. O saber especializado avança, o mistério e a perplexidade se adensam. A racionalidade orienta mas não move; a ciência ilumina mas não sacia; o progresso tecnológico acelera o tempo abre o leque mas não delibera rumos nem escolhe os fins.
O universo subjetivo no qual vivemos imersos é tão real quanto ao mundo objetivo no qual trabalhamos e agimos. A relação mais íntima, traiçoeira e definidora de um ser humano é a que ele trava consigo mesmo. O eterno retorno é uma ideia misteriosa de Nietzsche que, com ela, conseguiu dificultar a vida a não poucos filósofos: pensar que, um dia, tudo o que se viveu se há de repetir outra vez e que essa repetição se há de repetir ainda uma e outra vez, até o infinito! O mito do eterno retorno diz-nos, pela negativa, que esta vida, que há de desaparecer de uma vez por todas para nunca mais voltar… (Kundera). Nessa trilha, cada indivíduo é um microcosmos, um todo complexo de forças contraditórias e apenas parcialmente ciente de si mesmo.
A existência desagrega e nulifica a realidade de fato e afirma-se sobre ela como poder absoluto. A liberdade é a possibilidade permanente daquela nulificação do mundo que é a própria estrutura da existência. “Estou condenado, a existir para sempre para além da minha essência, para além dos móbiles e dos motivos do meu ato: eu estou condenado a ser livre” (Sartre). Parece que estamos perpetuamente ameaçados de nulificação da nossa escolha atual, perpetuamente ameaçados de escolhermos ser, e portanto tornamo-nos, diferentes do que somos. Tudo o que acontece no mundo reporta-se à liberdade e à responsabilidade da escolha originária; por isso, nada daquilo que acontece ao homem pode ser dito inumano. Não existem casos acidentais: um acontecimento social que se me depara subitamente e me arrasta não é exterior a mim; se sou mobilizado para uma guerra, esta é a minha guerra, a minha imagem, e eu mereço-a. Há uma distinção entre o cidadão que é um indivíduo que buscar seu próprio bem, através do bem-estar da cidade e o indivíduo que tende a ser morno, cético ou mesmo prudente quanto a causa comum, ao bem comum ou mesmo à sociedade justa. O indivíduo busca a sua autorrealização através de meios que o permitam tal realização, além disso, a individualização chegou para ficar com todas as suas implicações que decorrem de tal fato (Bauman). O dia de cada um de nós é como o círculo do fuso horário. Terminado o sono de vigília, fazemos ao levantarmos, os mesmos atos de automatismo. Pegamos as chaves, caminhamos a pé ou de carro, passamos pelas mesmas ruas, cometemos diversos atos repetitivos durante esse círculo diário, que vivemos. O objetivo, procurando descanso no subjetivo. Deflagrada nova operação da Lava Jato, efetuadas prisões. Corrupção continua entre nossos governantes. Vídeos e mais vídeos são construídos ao longo do dia, lançados na redes sociais, dando conta das mazelas humanas. Esse é o quadro da grande odisseia humana. Às vezes, chegam bem perto, de cada um de nós, as grandes tragédias. Morreu fulano, meu amigo de escola ou de infância. Alguém muito próximo, caiu numa dificuldade sem volta, etc. Mas, no mundo material, temos que produzir, alcançar resultados, sucessos, realizações sem limites, para não sairmos de cena. Se a doença chegar, aí de nós! Se a perda financeira agravar, aí de nós! Mas temos de sobreviver…A leitura de um texto como este é a ocasião de um encontro.
Espero que o leitor desses devaneios, possa de algum modo ajudar a construir, outros textos dessa grande jornada humana, na busca de saídas de sobrevivência.