Como anda o seu ritmo de vida? Sem tempo para uma cerveja com os amigos? Não está conseguindo sentar-se à mesa para almoçar com a família? Não tem conseguido viajar, ir ao cinema ou assistir a uma partida de futebol? Essas perguntas foram surgindo na medida em que o cantor Luis Alfonso Rodriguez Lopez – o Luis Fonsi -, cantor e compositor porto-riquenho, cantava a música “Despacito” no programa do Faustão. Ao final do número, ele respondeu a um questionamento do apresentador dizendo que “É preciso levar a vida mais devagar”.
Vivemos numa correria sem fim. E não é apenas por conta do trabalho não, mas em função das muitas atividades que precisamos desenvolver em um mesmo dia: estudar, trabalhar, ler, escrever, ser pai e mãe, ser filho, usar redes sociais e o whatsapp, alimentar-se, comprar, aprender, ensinar… São muitas as atividades em um só dia. São coisas importantes? Sim, são. Como também são importantes ações como tomar banho, cuidar da saúde, hidratar-se, rir, divertir-se, descansar, conversar, respirar, rezar, passear, exercitar-se, enfim, uma infinidade de atividades que precisamos desenvolver nesse mundo moderno e corrido em que vivemos.
Porém, vai chegando um momento em que é preciso diminuir o ritmo. Não sei se por conta da proximidade dos sessenta anos, mas sinto que é preciso andar mais devagar em relação a algumas atividades… Acho que está na hora de riscar a pressa do meu cotidiano.
Mas a questão é um pouco mais complexa do que parece. Não se trata apenas de fazer as coisas mais devagar, ou abdicar de umas em favor de outras. Trata-se, na verdade, de iniciarmos uma profunda mudança no nosso estilo de vida, nos nossos objetivos, nas nossas prioridades. E isso só será alcançado, se fizermos uma profunda reflexão sobre como estamos lidando com o trabalho, com as atividades sociais, com a família, com as relações amorosas, com as mídias sociais, com o mundo que nos cerca, enfim.
O reconhecimento de que “algo está errado” já é perceptível, claramente, em muitas situações diferentes. Não apenas no campo individual – nunca fomos tão obesos, nunca fomos tão deprimidos, nunca fomos tão solitários, nunca tivemos tantos conflitos interpessoais -, mas também no âmbito coletivo, com a violência, a degradação, a miséria, bem como no âmbito internacional, com guerras e conflitos intermináveis.
Hoje, há um movimento denominado “Movimento Slow”. Movimento Devagar, numa tradução livre. Nasceu a partir de outro movimento, o “slow food”, ou coma devagar. Em oposição ao “fast food” idealizado pelos americanos, o “slow food” prega justamente o contrário. Preconiza que se coma devagar, que se prepare a comida, que se reúna a família e os amigos à mesa, que se saboreie os alimentos, que se aprecie a dádiva e o prazer de alimentar-se.
O denominado “fast food” apresenta muito mais malefícios do que parece. Não se trata apenas de comida de má qualidade. Trata-se de personificação de um estilo de vida, onde a pressa, a industrialização, a rapidez e a massificação se impõem como um estilo, uma postura diante da vida. Por que temos que comer rápido, em pé, normalmente sozinhos, uma comida insípida? Sem cor, sem sabor, sem amor? Porque é assim que se ganha dinheiro. Come-se rápido para que se volte rápido para o trabalho. Assim, alguém ganha mais dinheiro. Depois, adoecemos de obesidade, de diabetes, de elevados índices de colesterol. Assim, alguém ganha mais dinheiro, com remédios e hospitais. Sim, há uma lógica, uma perversa lógica ocultamente imposta a nós através de um simples hábito de lanchar em uma lanchonete. Alguém já viu algum banqueiro ou rentista comendo Hambúrguer? A elite financeira mundial, notadamente a americana, é ávida consumidora de cardápios frugais, normalmente dietas balanceadas, saborosamente consumidas e regadas a um bom vinho.
O movimento “slow”, mais amplo que o “slow food”, preconiza que vivamos em um ritmo mais adequado para o nosso bem-estar pessoal, social, comunitário e ambiental. Esse movimento contraria a lógica da massificação, da impessoalidade e da rapidez presentes no “fast food” e cruelmente imposto a todos, pela globalização.
Essa tendência “slow” tem se espalhado pela Europa, alargando-se a outras áreas de ação como a saúde, crianças e educação, turismo, preservação do patrimônio e das tradições, relacionamentos, conciliação da vida pessoal e profissional, lazer, vida familiar etc.
O Slow Movement é uma corrente moderna, baseada numa filosofia de vida que desafia a cultura da velocidade, do excesso e da quantidade sobre a qualidade. No mundo atual, frenético da pressa e da sobrecarga, essa filosofia defende que tentemos viver no ritmo certo, privilegiando a qualidade, o equilíbrio e o bem-estar, nas diferentes áreas da vida. Não é objetivo do slow movement negar o que tem sido conquistado até o presente momento. Ele reconhece as importantes virtudes do mundo ocidental nas conquistas dos direitos humanos, da equidade e qualidade de vida, porém, o Movimento Slow surge como a expressão de um modelo alternativo perante as crises do mundo atual e do atual modelo de desenvolvimento. Essas dificuldades são bem visíveis nas assimetrias e desequilíbrios que vivemos, quer no Norte, quer no Sul do Planeta, nas nossas relações pessoais, claramente deterioradas em função da multiplicidade de tarefas que nos impomos, onde não há tempo para tudo, e consequentemente, todos ficam insatisfeitos.
Sua ideia geral baseia-se na necessidade de abrandar e de dar mais valor ao essencial, à qualidade e ao que realmente é importante. Somente em uma sociedade que não seja demasiadamente rápida se consegue esse aprofundamento, essa qualidade de vida.
Viver num ritmo slow é procurar viver num ritmo equilibrado que seja bom para o corpo e bom para a mente, bom para os relacionamentos, para as sociedades e comunidades e para o planeta, é um modelo de equilíbrio para viver melhor sabendo quando é necessário abrandar ou acelerar, não deixando que o abrandamento se torne estagnação, nem deixando que a aceleração se torne maníaca. Não é por acaso que houve um altíssimo incremento na produtividade dos trabalhadores franceses e alemães quando esses países diminuíram a jornada semanal para trinta e cinco horas, em oposição aos americanos e ingleses que não fizeram o mesmo. Trabalhar menos, não significa produzir menos, mas sim, produzir melhor. Deixando mais espaço para os outros aspectos na nossa existência. Vivemos para sermos felizes, não para sermos escravos de nossas tarefas.
Viver mais devagar, observar nossos ritmos individuais, humanizar os relacionamentos e priorizar o que é prioritário. Consumir menos, ter menos coisas para cuidar, menos coisas para fazer, para, assim, cuidarmos melhor do que temos, e fazermos melhor o que fazemos.
Enfim, fazermos o que precisamos fazer, não aquilo que nos impelem a fazer, não o que nos obrigam a fazer, mas fazermos o que queremos fazer, e sempre que possível, fazermos tudo bem despacito!
* Eugênio Maria Gomes é professor e escritor. Pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Extensão do Unec, membro do Lions Itaúna, da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga e do MAC – Movimento Amigos de Caratinga. Membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni e presidente da AMLM – Academia Maçônica do Leste de Minas. Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG.