“Macaco” é ofensa sim
Diante da grande repercussão dos artigos publicados no mês passado, onde celebramos a Consciência Negra, decidimos dar continuidade por mais algum tempo a coluna NOSSA HISTÓRIA. Como frisei desde o primeiro artigo, não tenho formação acadêmica em História, nem mesmo em Sociologia. Porém, por ter consciência do espaço que ocupo na sociedade como homem preto, me sinto em dívida com meus ancestrais que deram seu sangue e suas vidas para que hoje eu pudesse ter liberdade. Além disso, acredito que só o conhecimento, estudo, debate e uma boa dose de empatia, podem diminuir o racismo e o preconceito tão presente ainda hoje em nosso dia a dia.
Porque chamar um negro de “macaco” é ofensa?
Desde o começo tenho repetido como mantra, que é impossível debater racismo sem o mínimo de interesse e conhecimento histórico. Este assunto não aceita achismos. Antes de explicar o porquê é ofensa chamar um negro de “macaco”, sabemos que infelizmente é uma prática mais comum que muitas pessoas pensam. Para ilustrar, voltemos ao mês de setembro deste ano no interior de São Paulo. Essa cidadã da foto, (se é que podemos chamá-la assim), tem por habito ofender várias pessoas negras onde mora com tais xingamentos. Sua última vítima foi um homem que estava acompanhado do filho. Transcrição de parte da matéria publicada na revista Isto é: “O auxiliar de serviços gerais Leandro Antônio Eusdacio Xavier, de 39 anos, denunciou uma mulher que o ofendeu com insultos racistas enquanto ele passava por uma rua do Jabaquara, em São Paulo, ao lado do filho, de 12 anos. De acordo com a Polícia Civil, um inquérito foi aberto para apurar o caso. Conforme Leandro, no sábado (12), ele foi buscar o filho de 12 anos na casa da ex-esposa para que passassem o fim de semana juntos, quando presenciou uma mulher proferindo ataques racistas contra pessoas na rua. Ele resolveu filmar a cena com celular na tentativa de fazê-la parar. No entanto, ele também virou alvo dos ataques. Na gravação, Leandro diz a mulher: “vai, continua xingando preto”, ao que ela responde: “É preto, macaco, e aí? Preto, macaco, chimpanzé. Posta que eu vou te processar e pegar dinheiro. Xingo o quanto quiser, tenho carta branca. Preto, macaco, chimpanzé, orangotango. Vai, posta”.
Infelizmente, bem diferente do que pensa e disse nosso vice-presidente General Mourão. Racismo no Brasil existe sim e muito. Não são casos isolados. Pessoas que negam a existência do racismo em nosso país, estão sendo racistas e talvez não se deem conta disso. Afinal, estão tão acostumadas com o racismo estrutural brasileiro, que não veem nada de anormal na condição de vida dos negros. Todos aqueles números que foram amplamente divulgados em relação à vida da população negra brasileira, para esses negacionistas do racismo, são absolutamente “normais”. Para essas pessoas, ter menos negros nas faculdades e mais nas penitenciárias, um negro ter quatro vezes mais risco de ser assassinado, um negro ter renda média metade de um branco é tudo “normal”. Afinal, qual problema?
Para entender porque xingar um negro de macaco é ofensa, precisamos voltar no tempo. Li diversos artigos do professor de História da Medicina/Ciência da Vida na Universidade de Melbourne na Austrália, James Bradley. Por se tratar de artigos bem grandes e complexos, vou tentar resumir de maneira objetiva: A teoria da seleção natural de Darwin, mostrou que os ancestrais mais próximos dos seres humanos foram os grandes macacos. E a ideia de que os homo sapiens descendiam de macacos se tornou rapidamente parte do teatro da evolução. Além disso, enquanto a maior parte dos evolucionistas acreditavam que todas as raças humanas descendiam do mesmo grupo, eles também notaram que a migração e a seleção natural e sexual tinham criado variedades humanas que – aos seus olhos –pareciam superiores aos africanos ou aborígenes. Ambos estes grupos tardios foram frequentemente representados como sendo os mais próximos evolutivamente dos originais, portanto, dos macacos.
Cada uma dessas maneiras de pensar o relacionamento entre humanos e macacos reforçou a conexão feita por europeus entre africanos e macacos. E fazendo parecer que pessoas de origem não-europeia eram mais como macacos do que como humanos, estas diferentes teorias foram usadas para justificar a escravidão nas fazendas das Américas e o colonialismo no resto do mundo.
Todas estas diferentes teorias científicas e religiosas trabalharam na mesma direção: para reforçar o direito europeu de controlar grandes porções do mundo.
O xingamento de macaco, na verdade, tem a ver com a maneira com a qual os europeus, eles mesmos, se diferenciaram, biológica e culturalmente, em um esforço de manter superioridade sobre outros povos. Portanto, quando alguém chama um negro de macaco, está tirando dele a condição de humano. Está em outras palavras, afirmando ser “superior” a ele. Posto isto. Ao chamar um negro de “macaco”, você está fazendo uma associação entre um humano e um não-humano. Essa associação é feita, principalmente, por causa da cor. Ao fazer essa associação, grosso modo, você está dizendo que um negro está um passo abaixo na escala da evolução. Afinal, você está chamando a pessoa de macaco. Portanto, você está dizendo que negros são animais. Animais têm menos direitos do que homens.
Claramente, o sistema educacional não faz o bastante para nos educar sobre ciência ou história da humanidade. Por que se fizesse, nós veríamos o desaparecimento do xingamento de macaco.
Rogério Silva
@rogeriosilva89fm