REGULAÇÃO DAS REDES SOCIAIS

Eliéser Ribeiro, cientista social, mestre em Sociologia, especialista em Análise de Dados, cientista de Dados, professor universitário por 10 anos, gestor público, diretor acadêmico, consultor de empresas e agora Head de IA da Provider IT

Professor Eliéser Ribeiro explica do que se trata esse tema complexo e multifacetado

DA REDAÇÃO – Internet e as redes sociais são temas que provocam discussões sobre o seu devido uso. Tomemos como exemplos duas frases notórias. “Ao dar às pessoas o poder de partilhar, estamos tornando o mundo mais transparente”, disse Mark Zuckerberg. Mas Umberto Eco cravou: “O drama da Internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”. E a discussão se torna mais ríspida no Brasil quando o assunto é regulação das redes sociais. E para entender essa situação, o DIÁRIO entrevistou o professor Eliéser Ribeiro, cientista social, mestre em Sociologia, especialista em Análise de Dados, cientista de Dados, professor universitário por 10 anos, gestor público, diretor acadêmico, consultor de empresas e agora Head de IA da Provider IT.

É através das redes sociais que divulgamos informações e propagamos ideias, cujo conteúdo pode ser de entretenimento, educativo, informativo, dentre outros. Mas como tudo nesta vida, tem o seu lado nocivo, como os discursos de ódio e propagação das fake news. E justamente esses fatores causam preocupações nos usuários da rede. Em abril de 2023, foram divulgados os resultados de uma pesquisa realizada pela Atlas Intel onde foi revelado que 78% dos brasileiros entendem que deve existir uma lei para estabelecer regras claras ao funcionamento das redes sociais no país. Ao todo, foram entrevistadas 1600 pessoas de forma virtual, entre os dias 15 e 17 de abril. Segundo os números, 94% da população enxerga o ambiente das redes como inseguro para os jovens. “Os participantes favoráveis à regulação acreditam que a lei deve estabelecer normas para identificação de conteúdos violentos, garantia de privacidade dos usuários e proteção de crianças e adolescentes, dentre outros itens”, atestou o relatório.

Ainda a respeito da internet e redes sociais, em uma entrevista para a Folha de São Paulo em 11 de novembro de 2000, o escritor português José Saramago pontuou: “…ocorre que vivemos, creio que é bastante claro, em uma cultura da frivolidade. Sabemos que 90% ou mais das mensagens que circulam pela Internet não têm importância nenhuma, ainda que a vida também seja feita de banalidades”. Mas mostrou a favor da internet. “Ela é evidentemente um instrumento verdadeiramente extraordinário. A bondade da Internet depende do uso que se faça dela. Se é para satisfazer uma necessidade de conhecimento, de saber, a Internet torna-se algo absolutamente precioso. Mas, se as pessoas se convertem em maníacos pela Internet, há aí uma perversão do instrumento. O benéfico vira prejudicial”.

Sendo assim, a dicotomia persiste. E sobre o seu uso, professor Eliéser Ribeiro nos ensina. E a respeito da regulação, ele deixa sua opinião: “A regulação das redes sociais não é sinônimo de censura. Enquanto a censura implica na restrição arbitrária e injustificada da liberdade de expressão, a regulação busca estabelecer um ambiente online mais seguro e responsável”.

E mais uma vez citando Saramago: “Nada há que seja verdadeiramente livre nem suficientemente democrático. Não tenhamos ilusões, a internet não veio para salvar o mundo”.

Eis a entrevista

Professor, o que é regulação das redes sociais?

A regulação das redes sociais no Brasil é um tema complexo e multifacetado. Seu objetivo é responsabilizar plataformas por conteúdos danosos e manipulação da opinião pública. A legislação busca restringir a propagação de informações falsas e discursos de ódio, exigindo transparência nos algoritmos. Visa criar um ambiente digital mais seguro, reduzindo influências prejudiciais e polarização. Ainda é incerto o impacto total das redes sociais, mas é essencial que operem sob regulamentações claras, evitando ser um território sem leis.

A primeira lei brasileira que visou regulamentar a internet foi o Marco Civil da Internet, também conhecido como Lei 12.965/2014. Poderia nos explicar do que se trata?

O Marco Civil da Internet é a legislação fundamental para a governança da internet no Brasil. Ele estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no país. Foca em neutralidade da rede, privacidade, liberdade de expressão e proteção de dados. Diferente da legislação específica sobre redes sociais, que visa regular conteúdos e algoritmos para prevenir danos sociais, o Marco Civil é mais abrangente, estabelecendo a estrutura legal básica para a internet como um todo no Brasil.

Hoje podemos dizer que a legislação sobre a internet no Brasil ainda é frouxa? Quem fiscaliza as redes sociais no país?

Eu não diria frouxa, ela é uma relevante iniciativa. A legislação brasileira sobre a internet, incluindo o Marco Civil, está em constante evolução, mas ainda enfrenta desafios para abranger todas as nuances do ambiente digital. A fiscalização das redes sociais no Brasil hoje é realizada por órgãos como a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) e o Ministério Público, que monitoram a conformidade com as leis de privacidade e uso da internet. Contudo, esses órgãos enfrentam limitações de ferramentas jurídicas para uma fiscalização efetiva.

O, então, ministro da Justiça Flávio Dino defende regulamentação supranacional sobre uso das redes sociais. Você concorda com ele?

Concordo com o Ministro da Justiça Flávio Dino sobre a necessidade de uma regulamentação supranacional das redes sociais. Em um mundo cada vez mais interconectado, onde as fronteiras digitais ultrapassam as geográficas, uma abordagem global é essencial para garantir a eficácia das leis, promover a equidade e proteger os usuários de abusos e manipulações em uma escala internacional.

Por que regulamentar as redes sociais só agora?

A necessidade de regulamentar as redes sociais tornou-se mais urgente nos últimos anos devido ao agravamento de problemas como bolhas informacionais, polarização intensa e a proliferação de discursos falsos e de ódio. Esses desafios não são exclusivos do Brasil; são questões globais enfrentadas por muitos países. À medida que as redes sociais se tornaram mais influentes na sociedade, os impactos negativos dessas plataformas se tornaram mais evidentes, exigindo uma resposta regulatória mais robusta e imediata.

A internet nos mostrou um novo cenário, dividido entre mobilização e polarização? Como chegamos a esse ponto?

A internet revelou um cenário de mobilização intensa e polarização acentuada. A polarização, embora não seja um fenômeno novo – remontando à Revolução Francesa com a formação de direita e esquerda – intensificou-se na era digital. Conforme destaca o cientista político Felipe Nunes, a sociedade está “calcificada”, com indivíduos cada vez mais distantes, a ponto de rejeitarem relacionamentos com amigos e familiares em eventos sociais. Esse distanciamento, que transcende o debate racional e adentra o campo dos afetos, afeta negativamente famílias, amizades e organizações, refletindo uma falta de reconhecimento e aceitação do outro.

Chegamos a este ponto de polarização intensa em grande parte devido ao papel das redes sociais. Elas não apenas organizam e alimentam discursos, mas também os fortalecem, criando câmaras de ressonância onde as opiniões são constantemente reforçadas. Isso leva as pessoas a acreditarem firmemente em suas perspectivas, muitas vezes sem exposição a visões divergentes. Além disso, o anonimato oferecido pelas redes sociais encoraja indivíduos a expressarem opiniões que normalmente não compartilhariam em ambientes sociais presenciais, exacerbando a polarização e o distanciamento nas relações interpessoais.

Como você avalia os debates a respeito do Projeto de Lei das Fake News (2630/2020)?

A discussão em torno do Projeto de Lei das Fake News (2630/2020) é crucial e necessária, especialmente em um cenário onde a “calcificação” social impede um diálogo construtivo e aberto. É preocupante perceber que, em meio a esses debates, existe um lado que parece defender o direito de disseminar informações falsas sem enfrentar regulamentações. Isso levanta uma questão importante: será que os leitores consideram normal e aceitável que se propague mentiras sem consequências? É um reflexo triste de como a polarização pode distorcer a percepção sobre o que é ético e verdadeiro na nossa sociedade.

Regulação das redes sociais é censura?

A regulação das redes sociais não é sinônimo de censura. Enquanto a censura implica na restrição arbitrária e injustificada da liberdade de expressão, a regulação busca estabelecer um ambiente online mais seguro e responsável. O objetivo da regulação é combater a disseminação de desinformação, discursos de ódio e conteúdos ilegais, protegendo os direitos dos usuários sem comprometer a liberdade de expressão. É um equilíbrio delicado entre manter a liberdade na internet e proteger a sociedade de danos potenciais causados pelo uso indevido das redes sociais.

Defender posições políticas que visam eliminar ou prejudicar o outro não se enquadra na categoria de liberdade de opinião, mas sim em crime. Assim como a sociedade condena unanimemente a pedofilia, o racismo e a homofobia, reconhecendo-os como atitudes criminosas e prejudiciais, a mesma lógica deve ser aplicada ao nazismo. Ser nazista não é uma questão de opinião, mas uma apologia a ideologias de ódio e violência, que historicamente levaram a crimes contra a humanidade. Portanto, não é aceitável e deve ser tratado com a mesma severidade legal e moral.

Já existe uma perspectiva de quais são os mecanismos possíveis a serem adotados para tentar regulamentar ou criar regras que façam com que redes sociais não sejam esse palco de absurdos?

Diversas estratégias estão sendo exploradas para regular as redes sociais e reduzir a propagação de conteúdo prejudicial. Estas incluem a transparência algorítmica, responsabilizando plataformas por conteúdos nocivos, e parcerias para verificação de fatos. Além disso, enfatiza-se a educação digital e a conscientização pública, reforço das leis de privacidade e proteção de dados, e a promoção de um diálogo construtivo. Essas abordagens buscam equilibrar a liberdade de expressão com a proteção contra abusos nas redes sociais globalmente.

Uma ideia compartilhada pelo ministro do STF Luiz Roberto Barroso é que um órgão externo independente com representantes do governo, das companhias, da sociedade civil monitore o comportamento das plataformas. Isso seria algo viável e evitaria ‘conflito de interesses’?

A proposta do Ministro do STF Luiz Roberto Barroso de criar um órgão externo independente, com representantes do governo, das companhias e da sociedade civil para monitorar as plataformas de redes sociais, é uma ideia promissora. Essa abordagem pode ser viável e eficaz na prevenção de conflitos de interesses, pois combina diversas perspectivas e interesses. É essencial estabelecer mecanismos sociais de controle sobre estas plataformas para assegurar que elas sirvam ao bem comum e não se tornem “antissociais” (risos).

É importante salientar que em qualquer democracia, os veículos de comunicação são regulamentados e estão sujeitos a regras. Por que essa discussão está distorcida no Brasil?

A discussão sobre a regulação das redes sociais no Brasil é frequentemente mal interpretada. Em democracias, a regulação de meios de comunicação é padrão para garantir responsabilidade e veracidade. O seu jornal por exemplo, não pode publicar o que ele quiser, existem códigos e normas que regulamentam isso. Contudo, no contexto das redes sociais, muitos confundem regulação com censura, especialmente sob polarização política. A complexidade das tecnologias digitais adiciona confusão, enquanto desinformação e narrativas manipuladas exacerbam resistência à regulação. Equilibrar liberdade de expressão e proteção contra abusos online é um desafio, necessitando de um diálogo informado que distinga regulação responsável de supressão da liberdade.

Como os algoritmos mudam nossa percepção do mundo?

A influência dos algoritmos das redes sociais na nossa percepção do mundo é profunda e diversificada. A minha opinião é de que tinham que ser debatido nas escolas em primeiro lugar. Primeiramente, eles criam “câmaras de ressonância” e “bolhas de informação”, mostrando conteúdos alinhados às nossas interações passadas, o que reforça nossas crenças e limita a exposição a opiniões divergentes. Esses algoritmos também contribuem para a polarização, destacando conteúdos que geram reações fortes. Além disso, tendem a priorizar informações sensacionalistas ou falsas, ampliando a desinformação. A exposição constante a esses conteúdos pode distorcer nossa percepção da realidade e impactar negativamente nossa saúde mental e bem-estar. Os algoritmos também influenciam nossas decisões e comportamentos, desde o consumo até as opiniões políticas. Essa manipulação da informação que recebemos tem implicações significativas para a sociedade e a democracia, moldando como percebemos e interagimos com o mundo ao nosso redor.

No Brasil, os problemas não são só os algoritmos. Há também aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram, que não são plataformas com algoritmos. O problema está apenas nos algoritmos ou nas plataformas sociais como um todo?

Os problemas no Brasil não se limitam aos algoritmos das redes sociais, estendendo-se também a aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram. Embora esses aplicativos não construam um feed de notícias como outras plataformas, eles são também construídos por algum tipo de algoritmos. A necessidade de regulamentação também se aplica a eles, pois são frequentemente utilizados para a formação de grupos, incluindo atividades criminosas. Fazendo parte do sistema informacional moderno, esses aplicativos demandam legislação específica para garantir um uso seguro e responsável.

Hoje, existe a inteligência artificial (IA) generativa. Muitas pessoas estão preocupadas com essa mistura de IA generativa e mídia social, especialmente em casos de eleições. Ainda há algo a ser feito a respeito disso ou é tarde demais?

No Brasil, ainda não enfrentamos uma eleição onde a inteligência artificial (IA) generativa tenha sido utilizada de forma significativa. Contudo, meu ponto de vista é cauteloso e tende ao negativo quanto ao potencial uso dessa tecnologia em futuras eleições. A IA generativa, especialmente quando combinada com as mídias sociais, tem o potencial de ser uma ferramenta poderosa, mas também pode ser usada de maneira prejudicial. Há uma forte possibilidade de que essa tecnologia seja empregada para criar desinformação e conteúdos manipulativos, impactando negativamente o processo eleitoral e a democracia. Portanto, é crucial estar atento e preparado para esses desafios, buscando formas de regulamentar e monitorar o uso da IA generativa em contextos políticos.

Redes sociais e Fake News. Como fazer o uso responsável das mídias?

As redes sociais são ferramentas indispensáveis na era atual, mas o combate constante às fake news é essencial. É crucial usar essas plataformas com responsabilidade, mantendo vigilância contínua contra a disseminação de informações falsas.

Por fim, quais os lados positivos e negativos das mídias sociais?

As mídias sociais têm lados positivos, como a conexão global facilitada, a democratização da informação e a capacidade de mobilização social. Elas oferecem plataformas para expressão criativa e compartilhamento de conhecimento. Eu uso intensamente o YouTube, por exemplo, para aprender muita coisa. É uma forma de acessar o conhecimento muito direta. Por outro lado, os aspectos negativos incluem a disseminação de desinformação, a polarização e o impacto na saúde mental, como ansiedade e depressão. Além disso, contribuem para a criação de bolhas de opinião e câmaras de ressonância, reforçando visões unilaterais e limitando a exposição a perspectivas diversas.