- Eugênio Maria Gomes
Confesso: eu e a representante da subordem de insetos, denominada “Blattaria”, não combinamos. Não é por menos que, assim como fiz em relação às minhas filhas, combinei com o meu filho João Victor que eu seria sempre o responsável por combater a “Mula-sem-cabeça”, a “Cobra-cega” e o “Saci Pererê”, enquanto ele ficaria por conta do simples, frágil e pequeno inseto, com o nome de Barata. Tem dado certo, até porque não tenho tido o desprazer de encontrar com o inseto e, muito menos, com aqueles personagens do nosso folclore.
Eu tenho alguns registros na memória acerca dos dissabores que a barata me causou. O primeiro deles aconteceu em um banheiro de rodoviária, no início dos anos oitenta. Eu era engenheiro de uma siderúrgica, em Juiz de Fora, e regularmente, ia ao Rio de Janeiro, para reuniões com a diretoria. Certa vez, ao usar o banheiro do terminal, assim que me acomodei no assento sanitário, vislumbrei a danada na porta, na mesma altura do meu rosto. Nossos olhares se cruzaram e permanecemos impassíveis, por algum tempo. A dor de barriga desapareceu como em um passe de mágica e, com o esfíncter travado, encostei o mais que pude na parede, enviando-lhe o meu firme desejo de que ela descesse, calmamente, e tomasse o rumo do corredor do banheiro. Parece que ela foi tocada pela força do meu pensamento porque, lentamente, ela foi descendo, descendo, até alcançar a base da porta e desaparecer da minha frente.
Depois de alguns instantes, ouvi um barulho de algo sendo amassado, seguido de uma frase dita em bom e alto som: “você já era, sua barata”. Relaxei, fiz o que me levara ao reservado e tomei o meu destino.
O segundo dos muitos dissabores causados pela barata, quase me levou a um desentendimento com minha esposa e aconteceu logo nos primeiros dias de casados. Estávamos em viagem para Recife, já em cumprimento à nossa “Lua de Mel”. Havíamos casado em Caratinga e estávamos retornando para casa. Em uma parada, naqueles hoteizinhos de beira de estrada, o tempo esquentou. No começo, por conta da energia própria de dois jovens, dormindo juntos, já com o consentimento social. Depois, por conta da tal barata. É que, logo após o primeiro relaxamento, fui ao banheiro e encontrei, me esperando na porta, a danada da barata. Ela parecia bem maior que o normal, mais envernizada do que de costume e com os bigodes em riste, apontados para mim. Voltei mais rapidamente do que fui e me deitei ao lado de minha esposa, assustado.
Descobri, naquele dia, que ela não tinha medo de barata. Que alegria! Apesar de cansada, ela se levantou, passou a mão em um chinelo e partiu em direção ao banheiro. Fechou a porta e, em seguida, ouviu-se um barulho do solado de borracha batendo no chão. Depois, o barulho da descarga. Foi tudo muito rápido, mas com tempo suficiente para passar o filme em minha mente, vendo aquela barata sendo esmagada pela chinelada e, em seguida, rodopiando no redemoinho de água do vaso sanitário, até sumir esgoto abaixo. Ela voltou, dei-lhe um beijo agradecido e retornei ao banheiro.
De fato, não visualizei o inseto na porta e nem em lugar algum onde a minha vista conseguia alcançar. Mas, não cheguei a sentar no vaso sanitário, já que a tal barata saiu detrás dele e passou rente ao meu pé. O susto foi grande e, sinceramente, não sei como foi que consegui sair do sanitário. Em pouco tempo estávamos discutindo, ela insistindo que a tinha matado e eu afirmando que ela estava lá. Depois de muita discussão ela confirmou que, realmente, não a tinha matado, já que a dita cuja tinha entrado no ralo. Acalmamo-nos e eu ouvi a sua promessa de que, doravante, ela não jogaria no vaso o inseto sem antes mostrá-lo devidamente inerte, morto.
Com a morte de inseto voltamos às nossas atividades e fizemos prevalecer o refrão da música de Alexandre Pires: “Ele vai dar uma chicotada na barata dela”.
- Eugênio Maria Gomes é professor e escritor.