José Mateus e Josina foram condenados por torturar três crianças. Uma delas não resistiu e veio a falecer. O casal chegou a ocultar o cadáver dessa criança. Meninos que sobreviveram à tortura encontraram dignidade morando com os tios
CARATINGA/SANTA BÁRBARA DO LESTE – No final do ano passado, foi publicada no site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a sentença condenatória de Josina Concebida Moysés, 38 anos, e José Mateus da Silva, 36. O processo tramitava na 1ª Vara Criminal, Execuções Penais e Cartas Precatórias criminais. Eles foram denunciados pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, como incursos nas sanções do art. 1º, II, §3º – última parte, e §4º, II, da Lei 9.455/97 (tortura), e art. 211 do Código Penal (ocultação de cadáver) e infração ao art. 1º, II, §3º – primeira parte, e §4º, II, por duas vezes, c/c art. 29, caput, 69 e 71 do Código Penal.
O CRIME
De acordo com a inicial acusatória que consta em sentença, entre os dias 1° e 2 de junho de 2014, no Córrego Barra Alegre, zona rural de Santa Bárbara do Leste, os denunciados submeteram crianças sob sua guarda e autoridade, com emprego de violência, a intenso sofrimento físico, como forma de aplicar castigo pessoal.
Neste período, Josina e José Mateus estavam em união estável e com eles residiam três crianças de seis, quatro e três anos de idade; filhos dela, que foram espancados, severa e reiteradamente.
Ainda de acordo com a acusação, em um desses episódios de espancamento, na manhã de 27 de junho de 2014, eles agrediram violentamente uma das crianças, a pretexto de repreendê-lo por ter urinado na cama durante a noite, ferindo-a com correia de couro para domesticar animais.
Após as agressões, eles deixaram a criança deitada, imóvel, sem qualquer assistência, até o dia seguinte, quando perceberam que ele havia falecido. Então, colocaram o cadáver no automóvel de José Mateus, levaram para um matagal ao lado da BR-116, distante da residência e o abandonaram. Em seguida, fizeram circular a notícia de que o menor estaria desaparecido.
Em razão do suposto desaparecimento da criança, a Polícia Militar foi à casa do casal no dia 29 de junho de 2014, onde encontraram as outras duas crianças deitadas em um quarto escuro, com feridas pelos corpos. O Conselho Tutelar foi acionado imediatamente para a retirada das crianças do local e Josina e José Mateus foram presos em flagrante.
Perícia médica realizada ainda naquele dia constatou uma das crianças apresentava impetigo (infecção bacteriana que atinge as camadas superficiais da pele) e lesões generalizadas e graves, inclusive em área genital, estado febril e toxemia, e necessitava de internação hospitalar para tratamento de urgência, além de apresentar lesões na face (crostas de necrose) e ranhuras já cicatrizadas em várias partes do corpo.
A outra criança, na mesma avaliação médica, apresentava queimaduras de primeiro e segundo graus na face provocadas por óleo vegetal quente, que teria ocorrido há mais de 10 dias, com áreas de necrose e em processo de granulação, e, também necessitava de internação hospitalar para tratamento especializado.
No dia 30 de junho de 2014 o corpo da criança de seis anos foi encontrado no local onde havia sido abandonado, e, periciado, foram identificadas inúmeras lesões, além de queimaduras de terceiro grau em toda a parte superior esquerda do corpo.
Foi apurado que as lesões sofridas pelos menores, inclusive as que causaram a morte de um deles, foram resultado da intensa violência física provocada pelo casal, a pretexto de repreenderem pelo simples fato de abrirem a porta da geladeira. As sessões de espancamento teriam ocorrido por diversas vezes, por cerca de 30 dias.
ALEGAÇÕES
De acordo com a sentença, interrogado, José Mateus declarou que nunca bateu em nenhum dos filhos de Josina e que as agressões teriam sido provocadas por ela. Já Josina alegou que as agressões foram praticadas unicamente pelo companheiro José Mateus, que “batia com frequência nos filhos, tendo, inclusive, jogado óleo quente no rosto de um deles”.
Os denunciados confessaram que colocaram o corpo de João Paulo próximo à BR 116, em um matagal, às margens da rodovia, tendo Josina afirmado que foi obrigada por José Mateus a ir com ele e dispensar o corpo. José Mateus disse que a ideia de dispensar o corpo de João Paulo foi de Josina, tendo ele somente conduzido o veículo até o local.
O juiz Consuelo Silveira Neto, em sua decisão, deixou claro que, embora os denunciados negassem que tenham agredido as três crianças, atribuindo a autoria das agressões um a outro, a prova testemunhal é coerente, porque, em contraposição à negativa dos acusados, há declarações firmes e coerentes de uma das vítimas, que narra com riqueza de detalhes a forma como as agressões sofridas por ele e pelos irmãos ocorreram e que eram praticadas por ambos os acusados.
DECISÃO
O Ministério Público arrolou seis testemunhas e duas vítimas. Acoplado à denúncia, veio o Inquérito Policial, incluindo boletim de ocorrência da Polícia Militar, perícia médica, exame de corpo de delito, relatório de necropsia, laudo de levantamento do local de encontro de cadáver e decisão convertendo a prisão em flagrante em preventiva.
Os autos foram remetidos à 2ª Promotoria de Justiça. A denúncia foi recebida no dia 31 de julho de 2014 e os denunciados apresentaram resposta à acusação, através de defensores públicos.
Em audiência de instrução com oitiva de testemunhas e interrogatórios, o Ministério Público pugnou pela condenação de José Mateus da Silva e Josina Concebida Moysés.
Diante do relato de testemunhas, a decisão de 18 de dezembro de 2014 deixa claro que não restam dúvidas que o casal submeteu as crianças a intenso sofrimento físico e mental, por diversas vezes, utilizando-se de pretexto de lhes educar e corrigir, ao longo de pelo menos trinta dias, resultando, na morte de um deles e lesão corporal gravíssima.
Assim, o magistrado entendeu que as condutas dos denunciados se enquadram perfeitamente na hipótese do crime de tortura, e não do delito de maus-tratos, previsto no art. 136 do Código Penal, como pretendido pela defesa da denunciada Josina e que seria impossível acolher os argumentos dos denunciados de que os castigos eram aplicados com função educativa, pois as provas demonstram que as agressões físicas e mentais praticadas, não tinham nenhum caráter educativo, dada a sua constância e crueldade.
José Mateus foi condenado a pena de 26 anos, oito meses e 10 dias de reclusão. Josina foi condenada a pena de 33 anos de reclusão. Ambos foram condenados por tortura e ocultação de cadáver.
Considerando-se o disposto no art. 387, §2º do Código de Processo Penal, foi fixado o regime fechado para início de cumprimento da pena. Atualmente, eles cumprem pena no presídio de Ponte Nova.
VIDA NOVA
A Reportagem esteve novamente na casa dos tios maternos das crianças, que receberam sua guarda provisória. A tia deles, Maria Aparecida de Oliveira Moisés, de 42 anos, foi quem acompanhou os meninos, junto com seu marido, José Maximiniano Moysés, desde que eles foram resgatados da casa onde moravam. José é irmão da mãe dos meninos.
O quarto dos meninos foi montado com doações de pessoas que se comoveram com a história e quiseram ajudar. Eles também estão recebendo assistência do Conselho Tutelar de Santa Bárbara do Leste, que acompanha o caso desde o início. Enquanto aguardam a decisão da justiça, os tios afirmam que as crianças estão vivendo uma vida nova.
De acordo com José Moysés, as crianças estão estudando, brincando e recebendo todo cuidado e carinho necessários. “Eles estão bem, graças a Deus. O período de dificuldades já passou, estão se adaptando. Tivemos ajuda no início e agora é só alegria. Estão dando alegria pra casa, fazendo bagunça (risos)”.
O tio ainda destaca que os garotos seguem com acompanhamento psicológico, realizado no Centro de Assistência à Saude (Casu), do Centro Universitário de Caratinga (Unec). Com a sentença, eles esperam um futuro feliz para as crianças.