José Celso da Cunha*
AS CONSTRUÇÕES DA GRÉCIA CONTINENTAL – Parte XI[1][2]
MICENAS: Encaixes Especiais na cantaria e a coluna do portão dos leões.
A região do Peloponeso, como toda a costa da Grécia e suas famosas ilhas, sempre estiveram sujeitas a abalos sísmicos e suas consequências nas construções, com fortes registros de sinistros de toda magnitude. Em decorrência disso, em sua história, sempre houve relatos e constatações de destruições de civilizações inteiras provocadas por terremotos e explosões de vulcões; o mais famoso deles que explodira a ilha de Santorini, por volta do XV século a.C., destruiu grande parte das construções na Ilha de Creta, encerrando um ciclo nas construções palacianas naquela ilha.
Dessa forma, os gregos, assim como posteriormente os romanos e anteriormente os egípcios, sempre conviveram com forças sísmicas e souberam, depois de muitos acidentes e processos construtivos diversos, enfrentar os desafios exigidos para garantir a estabilidade de suas estruturas ao longo dos tempos. Entendemos que os micênios também conheciam essa técnica que melhorava a estabilidade das construções, e a empregaram nas estruturas dos muros de entrada e, de forma especial, na estrutura do Portão dos Leões, na entrada de Micenas. A técnica consistia em criar condições para a dissipação de energia sísmica nas estruturas através do emprego de cantaria em pedra, assentada sem argamassa em que as superfícies de contato entre as camadas, horizontais e verticais, eram conformes, apesar de apenas apicoadas, permanecendo rugosas; além do emprego concomitante de encaixes ou dentes entre alguns blocos.
Esse princípio permitia que a segurança das paredes assim construídas ficasse mais eficaz do que a daquelas construídas com superfícies lisas, ou mesmo apenas de geometria não conforme entre as faces de contato, sem os dentes de travamento longitudinal. Nesse caso, há dois detalhes visando a melhorar ou mesmo a garantir a estabilidade da estrutura do Portão dos Leões. Um de cada lado, ainda que diferentes, têm a mesma função estabilizadora de evitar algum escorregamento longitudinal das pedras, em caso de movimentações ou acelerações sísmicas. Os detalhes aí introduzidos pelos construtores e que compõem a parte mais sensível do portal, ou seja, a sua abertura coroada pelo lintel, permitiram vida longa à estrutura apesar das condições adversas da região. Isso foi essencial, tendo em vista a importância do lintel nessa estrutura, não somente necessário para se garantir as condições mínimas de passagem sob a muralha, mas, sobretudo, dada a necessidade imperiosa de garantir a estabilidade da escultura dos leões, símbolo maior da grandeza da engenharia e da arquitetura de Micenas.
As pedras do arco de avanço adjacentes ao bloco triangular do baixo-relevo dos leões também tem a mesma função de auxiliar na estabilidade e no posicionamento da escultura. Tais elementos têm também a faculdade de coibir qualquer movimentação transversal que tenderia a permitir o tombamento da escultura. Certamente há em Micenas outros detalhes semelhantes empregados com o mesmo objetivo.
Em contraponto a esse detalhe especial desenvolvido aqui pelos micênios – por experiência própria ou pela informação do que já existia às margens do Rio Nilo, no Templo do Vale, de Quéfren, ou no Templo Mortuário de Miquerinos, no terceiro milênio a.C. –, há também detalhes dessa técnica empregada nas construções andinas, sem nenhuma ligação com esses conhecimentos do ocidente. Observa-se os construtores de Tiwanaco, na Bolívia, mestres na construção em pedra, utilizaram técnicas semelhantes na construção do muro do lado oeste da Pirâmide Akapana, por volta do século IV d.C., pertencente ao denominado Período Urbano de Tiwanaco. Certamente esses detalhes não passaram despercebidos pelos futuros grandes construtores andinos, sobretudo os incas, que não somente utilizariam essa técnica como também a aperfeiçoariam em suas construções monumentais, da Bolívia ao Equador, tornando estáveis suas obras apesar das adversidades geológicas desta cordilheira jovem da América do Sul.
No mesmo lado oeste da entrada de Micenas, um pouco à frente da muralha construída com pedras poliédricas, há uma parte remanescente de muro que também compõe o complexo da entrada em que os construtores lançaram mão da mesma técnica de travamento através de superfícies rugosas de contato, de dentes ou ressaltos nos blocos aparados, para travar movimentos longitudinais das fiadas assentadas. Há inúmeros outros detalhes semelhantes dispostos em outras estruturas pertencentes a essa civilização, disponíveis aos olhos mais atentos, como o mostrado nas fotos do muro do lado direito do corredor de acesso ao Tesouro de Atreu, monumento que será analisado nos próximos artigos.
A coluna do portal dos Leões.
Nos afrescos deixados primeiramente pelos minoicos em Creta e, posteriormente, pelos micênios, constantes nos vários sítios arqueológicos do Peloponeso, destacam-se colunas tronco-cônicas invertidas, assentadas sobre bases de pedra, sustentando um capitel quadrado, antecipando os estilos gregos do futuro, dos quais o dórico seria o seu maior representante. Pelos trabalhos de diversos pesquisadores – sobretudo naqueles desenvolvidos por Evans no início do Século XX, arqueólogo inglês já citado quando mostramos as construções da ilha de Creta –, concluiu-se que tais colunas eram feitas de madeira, e que por isso mesmo deixaram poucos vestígios físicos de sua existência. De qualquer forma, as colunas utilizadas por esses construtores permitem concluir que elas eram responsáveis pela sustentação vertical de muitos de seus palácios e propileus, com seus pórticos esbeltos e dotados de grande beleza plástica. Há uma representação simbólica dessas colunas, que não deixa dúvida quanto ao seu emprego e que está muito bem-retratada no maior símbolo de Micenas, indelével apesar desses anos. Trata-se da bela coluna protegida e apresentada pelos dois leões do portal de Micenas, seguramente fonte de inspiração para os construtores gregos que mais tarde concretizariam para o mundo a sua arquitetura inovadora, a beleza sóbria das fachadas dóricas dos templos destinados aos seus deuses.
[1] *José Celso da Cunha, engenheiro civil, doutor em Mecânica dos Solos-Estruturas pela ECP- Paris, escritor e ex-professor da Escola de Engenharia da UFMG. É membro da ABECE, do IBRACON, da Academia Caratinguense de Letras e membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni. E-mail: [email protected].
[1] **Com base na série do autor: “A História das Construções” ― www.autenticaeditora.com.br.
As fotografias das construções apresentadas neste artigo foram tiradas pelo autor, salvo onde indicado.