(Noé Neto)
Em um lugar muito distante, desconhecido por todos, havia uma comunidade bem peculiar. A comunidade foi criada ao redor de uma fábrica de farinha e todos os seus moradores tinham algum cargo dentro desta fábrica.
Havia ali aqueles que plantavam os mandiocais, aqueles que as colhiam, os responsáveis por lavá-las e os que as descascavam; tinha gente para picar, para moer, torrar, empacotar e vender a tão desejada farinha. Claro que diante de toda essa logística, em todos os setores existiam aqueles que chefiavam os demais integrantes do setor.
A comunidade era dividida em parte alta e parte baixa. Na parte alta, moravam os diretores de setores, os gerentes de vendas e também o diretor chefe, chamado por todos de CEO. Na parte baixa, viviam os responsáveis pela limpeza da fábrica, pelo plantio, pela colheita, enfim, os trabalhadores braçais. Já a fábrica, ficava na parte intermediária do lugarejo.
A localização foi escolhida a dedo por seu fundador, para lembrar que os da parte alta, tinham que descer de nível para se misturar aos da parte baixa, enquanto esses tinham que suar muito para subir até a parte alta.
Apesar de todas as diferenças as decisões na fábrica eram tomadas de forma democástica, (demo = demoníaca + cástica = sarcástica). De acordo com o estatuto diretor todos eram iguais perante a instituição e, portanto, as decisões eram sempre tomadas de acordo com a vontade da maioria. Não era bem o que se via.
Alguns episódios recentes chamaram a atenção dos fiscais que andam de olho nessa fábrica.
Por aqui todos sabem, apesar de muitos fingirem não saber, que o saco de 50 Kg de farinha, nunca tem 50 Kg. Se a farinha é de primeira linha, portanto é vendida mais cara, são entregues cerca de 45 Kg, uma diferença de 10% não é tão notada assim, apesar do consumidor dessa farinha ser da classe dita “intelectual” do vilarejo. Se a farinha é de qualidade inferior, vai atender a parte baixa, então um saco de 50 Kg não chega a ter 40 Kg. Afinal, o povo da parte baixa não tem voz nem inteligência suficientes para questionar a quantidade de farinha, eles entendem é de plantar e colher mandioca.
Acontece que o mercado mudou e começou a vender mais para a população da parte baixa que da parte alta, então a diretora da fábrica resolveu que a “quebra” no saco de farinha deveria ser a mesma, para a parte baixa e para a parte alta. Catástrofe! A parte alta não importava de ser lesada, mas tão lesada quanto a parte baixa? Isso era intolerável.
Teve gente da parte alta desviando helicópteros cheios de farinha para aliviar o mercado interno, tudo isso era bem visível, mas não era comentado. Enquanto isso a CEO, era criticada, massacrada por saudar a mandioca. O que vale uma mandioca? Por que ela não saúda a farinha que é tão mais importante?
Fato é que uma briga generalizada de setores foi fazendo com que a produção da fábrica reduzisse, as contas não foram quitadas, trabalhadores de todos os setores, incluindo os de chefia, foram demitidos, assim nem a presidente da fábrica resistiu e foi trocada por alguém de melhor perfil. No fundo, no fundo a luta interna era simplesmente pelo prazer de morar na parte alta, ainda que isso custasse o emprego, a saúde, a vida de muita gente da parte baixa.
A essa altura, a qualidade do produto ali fabricado já não era mais importante. Sem motivação real para fazer um trabalho que reerguesse a fábrica, ninguém mais percebia que na linha de produção os sacos de farinha antes diferenciados por cor, sendo saco branco a mais nobre farinha e o saco preto o farelo, agora já nem existiam mais. Todos os sacos eram pardos e por fim, toda farinha era do mesmo saco.
Prof. Msc Noé Comemorável.
Escola “Prof. Jairo Grossi”
Centro Universitário de Caratinga – UNEC
Escola Estadual Princesa Isabel