DIALOGANDO COM ELES

Comarca de Caratinga em parceria com psicólogo desenvolve grupo de reflexão voltado para agressores em contexto de violência doméstica

CARATINGA– Muitas pessoas não sabem, mas, o artigo 22 da Lei Maria da Penha, incisos VI e VII cita como medidas protetivas de urgência o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação, além de acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.

Inspirada nesta proposta, a Comarca de Caratinga, através da 2ª Vara Criminal e da Infância e da Juventude em parceria com o psicólogo Dionatan Carlos de Alvarenga, deu início nesta segunda-feira (10), ao grupo de reflexão “Dialogando com Eles”.

Conforme o juiz Marco Antonio de Oliveira Roberto, o projeto já era idealizado por ele há alguns anos, desde que assumiu a 2ª Vara. “Fazer um trabalho com os homens em situação de violência doméstica e aos quais é imputada a prática de tais atos. Isso faz parte de uma política pública prevista na Lei Maria da Penha, tendo por objetivo a conscientização, a educação do homem que se encontra nessa situação e desde 2020 é previsto no artigo 22, incisos VI e VII como medida protetiva de urgência em favor da mulher em estado de violência, como também para o próprio homem. Primeiro é feito um acolhimento, o projeto foi elaborado pelo Dionatan, psicólogo do Creas e que está atuando nos processos como perito da área de Psicologia. A metodologia será exposta para esses homens e será feito um direcionamento, de acordo com cada caso”.

De acordo com o juiz Marco, não se pode tratar os casos somente com viés punitivo, porque a violência doméstica pressupõe um conflito intrafamiliar. “Um conflito que já está numa fase avançada e somente a punição não resolve o problema, muito pelo contrário, pode acirrar esse conflito. É muito importante que o homem tenha consciência do seu papel e o objetivo do grupo, além da questão da educação que visa a erradicação da violência doméstica é justamente a assunção de responsabilidades”.

Para o início do projeto, Marco destaca que foram selecionados alguns homens, que deverão comparecer aos encontros. “São muitos processos, fizemos uma triagem. Eles são intimados, quando já há medidas protetivas em vigor, dentre elas a obrigação desse comparecimento. Então, são intimados para comparecimento à primeira sessão, de acordo com a normatização do CNJ, o recomendado são oito sessões, pode haver mais ou menos, de acordo com o caso. Mas, o comparecimento é obrigatório, o não comparecimento injustificado pode acarretar outras consequências. Mas, o objetivo nesse caso não é trabalhar com punição e sim com autorresponsabilização”.

O magistrado ainda faz uma reflexão de que o homem a quem se imputa a prática de violência doméstica também está nessa situação, muitas vezes pela formação sociocultural do Brasil, assim como de boa parte do mundo, baseada numa relação desigual e assimétrica de poder. “A primazia do homem, aquele sentimento de posse. Então, é preciso educar a população, conscientizar. E o homem que se encontra nessa situação em certa forma também está em situação de vulnerabilidade. Por isso é muito importante fazer um trabalho com eles, porque a Lei Maria da Penha visa a proteção da mulher em situação de violência, o eixo principal, mas, também o homem em que se imputa a prática de violência também precisa de um apoio, até mesmo para acabar com essa cultura que preza pela dominação, pela violência”.

O psicólogo Dionatan Carlos explica o porquê de dialogar com eles. “Há a necessidade de desmascarar um pouco essa ideologia que a gente tem que todo homem é agressor, que o homem que agride mulheres é um agressor por natureza, como se fosse parte da personalidade. E na verdade, dialogar com eles passa do pressuposto da compreensão do porquê da violência. À medida que dialogamos com eles descobrimos que essa violência pode não ser uma causa em si própria, não é uma recorrência do homem só porque ele gosta de bater em mulher, como se diz culturalmente. Na verdade, vamos descobrir aí, de acordo com algumas pesquisas, inclusive, que esse homem recorre à violência por uma questão de impulsividade, cultural, uma questão de aprendizado ao longo da vida”.

De acordo com Dionatan, muitos desses homens vivenciaram situações de violência no passado, na infância. “E é necessário abrirmos um espaço para que esses homens possam falar sobre isso e, à medida que eles vão falando, vamos propor dinâmicas aqui para que eles possam descobrir habilidades do diálogo, por exemplo, coisa que não é recorrente nesses casos. Na medida em que permitimos esses homens a falar sobre teores como masculinidade, o machismo, a autorresponsabilização sobre os atos que comete, a gente pensa na perspectiva de erradicação da violência doméstica na comarca de Caratinga”.

Dionatan Carlos explica quais serão os mecanismos e estratégias utilizados durante os grupos. “A partir da escuta desses homens, vamos partir para dinâmica de grupo, exibição de alguns vídeos sobre violência, questionar um pouco sobre essa masculinidade enquanto conceito, o que é ser macho culturalmente, como o homem se forma violento e não como ele nasce violento. A partir dessa perspectiva questionar padrões comportamentais violentos, permitindo a assunção de habilidades do diálogo. É fazer com que esse homem passe a conversar mais com a sua esposa, seja a atual, a futura, porque historicamente um relacionamento não dá certo, às vezes dá medida protetiva, daí um tempo esse homem se separa dessa mulher ou essa mulher separa dele, ele vai partir pra outro relacionamento, se ele chegar da mesma forma como saiu do primeiro, muito provavelmente via cometer as mesmas coisas. Mas, se permitimos essa acepção do insight, da elaboração do comportamento, de uma visão diferente de como agir num relacionamento, talvez ele passe a ter relacionamentos mais sadios daí pra frente”, finaliza.