O conceito de família, diante das mudanças na sociedade, modificou-se e evoluiu de maneira muito aparente. Antigamente, a classificação dos filhos era em legítimos, legitimados e ilegítimos, baseado no critério de terem sido gerados dentro ou fora do casamento. Assim, os chamados ilegítimos sofriam diversas discriminações não tendo o direito de serem reconhecidos.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a distinção entre a prole passou a ser proibida em qualquer aspecto, não devendo constar no registro da criança qualquer menção à condição de filho “legítimo” ou “ilegítimo”. Hoje, nas certidões de nascimento, sequer se menciona o fato dos pais serem, ou não, casados.
Todavia, em que pese o grande esforço do legislador em promover a igualdade entre a filiação e a inclusão social dos filhos havidos fora do casamento, um grande problema ainda não foi solucionado através de lei: O abandono afetivo.
É inegável que a ausência do afeto causa diversos danos aos filhos, variando de acordo com a complexidade e características individuais sofridas por cada indivíduo, bem como o sofrimento vivido constantemente pelo abandono. No momento atual, sob o fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana, diversos filhos afetivamente abandonados buscam o Poder Judiciário no intento de serem indenizados civilmente por seus pais, alegando, em suma, o dano psíquico ocasionado pela abstenção da afetividade, na ausência de convívio no desenvolvimento e formação da criança.
A valorização jurídica do abandono afetivo e a aplicabilidade da responsabilidade civil são cabíveis desde que esteja devidamente comprovado o dano causado aos direitos de personalidade da criança. Entretanto, é Importante destacar que uma possível condenação nesse tipo de ação não afastará as memórias e cicatrizes causadas pela ausência da afetividade, e há um risco amplo de aumentar a distância entre as partes, cessando qualquer possibilidade de afeto.
Circunstâncias adversas podem acarretar este abandono, e, por vezes, surge no pensamento em alguns pais, que a mera manutenção de assistência pecuniária, ou seja, o pagamento pensão alimentícia é satisfatório para o filho, ou ainda, que essa assistência é suficiente para eximir-se da sua própria responsabilidade no dever de cuidado.
Sob o fundamento do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como no princípio da afetividade e proteção integral da criança, tais vítimas do abandono afetivo têm ingressado judicialmente com o intuito de serem ressarcidas civilmente por seus genitores pelo dano psíquico causado pela privação do afeto e ausência do convívio familiar em sua formação.
No que diz respeito a reparação civil por abandono afetivo, o bem jurídico a ser tutelado, inicialmente, é a integridade psíquica e emocional do menor, em um segundo momento é o desenvolvimento de sua personalidade sem traumas, angústias e frustrações dentre outras relacionadas aos atos de abandono.
Cumpre destacar o dever de indenizar em casos que houver um dano psíquico ensejador de dano moral, a ser demonstrado por prova psicanalítica. O desrespeito ao dever de convivência é muito claro, eis que o art. 1.634 do Código Civil impõe como atributos do poder familiar a direção da criação dos filhos e o dever de ter os filhos em sua companhia. Além disso, o art. 229 da Constituição Federal é cristalino ao estabelecer que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Violado esse dever e sendo causado o dano ao filho, estará configurado o ato ilícito, nos exatos termos do que estabelece o artigo 186 do Código Civil em vigor.
É inteiramente possível verificar que em alguns casos é necessário o uso de medicamentos para controle da patologia emocional ocasionada ao menor, pois, a ausência deste cuidado, em certos casos, ocasionará abalos psicológicos, sentimentos de desprezos, acústicas irreparáveis, de modo que tais atos prejudicarão o desenvolvimento e crescimento, no mínimo, saudável do menor diante da sua formação de personalidade.
No entanto, a reparação diante da responsabilidade civil por abandono afetivo vem ocasionando controvérsia na jurisprudência e na doutrina, pois, muitos entendem que a reparação civil não geraria a aproximação dos pais para com seus filhos, tendo em vista que inexiste o dever e obrigação jurídica de amar.
De todo modo, sendo comprovado o comprometimento da saúde psicológica, psíquica, da criança diante da negativa de laço paterno e, sendo estabelecida a efetiva correlação entre o afastamento paterno e o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos na criança, é inteiramente passível a discussão de reparação civil pelo abandono afetivo quando comprovada efetivamente a responsabilidade civil, e a visível violação dos princípios básicos atrelados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente e demais legislações.
É na família que os valores morais são transmitidos, o afeto é compartilhado e há troca de experiências entre as gerações. Conclui-se isto no sentido que convivência social não é sinônima de convivência familiar, e aquela de nada pode substituir esta. Assim, mesmo com a manutenção material do genitor para com seu filho, pode restar configurado um abandono afetivo e, desta forma, ser responsabilizado civilmente por danos morais.
Aldair Oliveira – Advogado
Pós Graduado em Direito Civil e processual civil.
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