Ao menos 70 corpos foram recuperados por moradores no Complexo da Penha, na Zona Norte do Rio, entre a noite de ontem e a manhã de hoje, um dia após a operação mais letal da história do Rio de Janeiro. Número de vítimas oficial é 119, informou a Polícia Civil.
O que aconteceu
No começo da manhã, repórteres do UOL contaram ao menos 65 corpos deixados na praça à medida que eram recuperados por moradores. O UOL presenciou familiares de alguns dos assassinados acompanhando, em desespero, a remoção e contagem das vítimas na Praça São Lucas, na Estrada José Rucas, no Complexo da Penha.
Número chegou a 70 horas depois, informou Luís Claudio Pessoa dos Santos, presidente da associação de moradores do Complexo da Penha. Todos estes estavam em uma área de mata, no alto da Serra da Misericórdia, além de outras regiões.
Quantidade total de mortos foi atualizada para 119 pela Polícia Civil. Esses números englobam os quatro policiais e “115 suspeitos”, segundo o órgão.
Polícia prendeu 113 pessoas e apreendeu 10 adolescentes. Entre os detidos, 33 são de outros estados. Segundo a PCERJ, foram apreendidas 118 armas, entre elas 91 fuzis. O número exato de drogas e munições apreendidos não foi informado pelos órgãos e ainda são contabilizados.
A retirada dos corpos da praça foi feita com rabecões da Defesa Civil, dirigidos por bombeiros militares. A equipe do UOL não presenciou nenhum policial no local durante a remoção dos mortos na manhã de hoje.
Polícia Civil abriu inquérito e vai investigar quem tirou os corpos da mata. As pessoas serão investigadas por fraude processual por terem, supostamente, retirado as roupas das pessoas que estavam com roupas camufladas, informou o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Felipe Curi.

IML foi fechado para receber somente os corpos das vítimas da operação hoje. Segundo a PCERJ, todos os outros corpos que precisarem passar por necropsia no Rio serão levados para o IML de Niterói.
Rabecões e familiares começam a chegar para identificação dos mortos. Os parentes das vítimas estão passando por uma triagem na sede do Detran, ao lado do IML, do Centro do Rio. Aos poucos, eles chegam em silêncio. A Defensoria Pública e integrantes de uma organização de DH, a Raave (Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência de Estado) acompanham e orientam os familiares.
A Zona Norte do Rio amanheceu com menos carros na rua do que a média para uma quarta e pontos de ônibus vazios. Num percurso de 13 km pela região, a reportagem identificou viaturas em 12 pontos diferentes. Linha Amarela, Avenida Braz de Pina e outras vias próximas aos Complexos da Penha e do Alemão concentravam o policiamento. O clima ainda é tenso e um carro branco queimado atrás de barricadas bloqueia uma das entradas da Vila Cruzeiro.
Carros queimados, ruas vazias: o dia seguinte no Complexo da Penha

Às 10h40, moradores, imprensa e outros órgãos estaduais continuavam na praça São Lucas. O cheiro forte do começo da manhã diminuiu com a remoção das pessoas mortas e os moradores alternam momentos de nervosismo, em que gritam palavras de ordem, com instantes mais tranquilos. A movimentação de motos é intensa no local e no entorno.
Na rua Aimoré, na subida para a Vila Cruzeiro, três carros queimados sinalizavam o ponto onde barricadas foram montadas durante a operação. A região abrigou, por anos, o famoso Baile da Gaiola.
Comércios da região estavam fechados, mesmo que nenhum tiro fosse ouvido na região na manhã de hoje. A movimentação de pessoas nas ruas do bairro era menor do que o habitual, segundo os moradores. O bairro da Penha, onde fica localizado o complexo, tem mais de 50 mil moradores.
“Nunca vi tantos mortos”, diz moradora

Corpos estão com marcas de tiros na nuca e marcas de facadas, afirmou testemunha. Ao UOL, o comunicador Raul Santiago afirmou que a quantidade de corpos divulgados pelo governo está subnotificada. A reportagem viu que alguns dos cadáveres também estavam com tiros na testa.
Ao lado dos corpos, famílias choravam e pessoas expressavam indignação pelo ocorrido. Ao UOL, Simone Basílio, que mora na Vila Cruzeiro desde que nasceu, afirmou que a favela “está em guerra” e disse que ela e a família ficaram sitiados em casa durante a operação de ontem. Ela chamou as mortes de “covardia”.
“Eu nunca vi tantos mortos como estou vendo hoje aqui. […] A pessoa matar e largar todo mundo lá em cima, para os próprios parentes irem buscar no meio da mata? Isso é covardia” – Simone Basílio, moradora do Complexo da Penha, ao UOL
Moradores fizeram protesto na praça, chamando Claudio Castro de “assassino” e “terrorista”. Eles levantaram cartazes e pediram por Justiça.
Homens foram cercados na mata antes das mortes, diz companheira de um dos assassinados. Ao UOL, Carol Malícia, 24, afirmou que conversou com o pai da filha dela, identificado somente como “Victor”, às 10h de ontem e que ele disse que estava encurralado, com pessoas baleadas por perto. Ele tinha envolvimento com o tráfico e foi um dos mortos na operação.
Operação mais letal da história

A megaoperação ontem prendeu 113 suspeitos de integrar o CV e resultou na morte de centenas de pessoas. Com isso, se tornou a ação policial mais letal da história do estado fluminense.
Outras nove pessoas foram baleadas: três moradores e seis agentes, quatro civis e dois militares. Entre os mortos, segundo a polícia, estão lideranças da facção em outros estados que estavam refugiados na região.
Número de mortos na Operação Contenção superou o da ação policial na favela do Jacarezinho, em 2021. Em 6 de maio daquele ano, a incursão na comunidade da zona norte do Rio terminou com 28 pessoas mortas e se tornou a mais letal do estado até então.
Ação mobilizou 2.500 agentes para cumprir mandados de busca e apreensão em localidades da capital fluminense. A ação é resultado de um ano de investigação envolvendo, também, o Ministério Público do Rio de Janeiro e busca desarticular lideranças do CV.
Polícia prendeu Thiago do Nascimento Mendes, o “Belão do Quitungo”, homem de confiança de Doca, um dos líderes do CV nas ruas. Ao todo, 113 pessoas foram presas — incluindo lideranças da facção de outros estados. Segundo a PCERJ, foram apreendidas 118 armas, entre elas 91 fuzis. O número exato de drogas e munições apreendidos não foi informado pelos órgãos e ainda são contabilizados
Fonte: UOL









