*Eugênio Maria Gomes
Há duzentos anos, Pedro I do Brasil declarou a independência do Brasil. Na verdade, o Brasil deixou de ser colônia portuguesa desde 1815, quando D. João VI elevou nosso país à condição de Reino Unido a Portugal e ao Algarve, sendo a Cidade do Rio de Janeiro a sede do Reino, pois abrigava, então, a Família Real, que chegou por lá em 1808, saindo às pressas de Lisboa, diante da iminente invasão francesa.
Foi porém, em 1822, que o filho de D. João, o então Príncipe Regente do Brasil, declarou formalmente a Independência do Brasil, transformando-se, então, em D. Pedro I, o primeiro Imperador do Império do Brasil.
Foi uma separação muito pouco conflituosa. Diferentemente de outros países americanos que conquistaram sua independência através das guerras e revoltas, Portugal apresentou pouca resistência e acabou por reconhecer a independência da ex-colônia, afinal, o Imperador do Brasil era filho do Rei de Portugal, ambos da Casa de Bragança, tanto que, pouco tempo depois, D. Pedro I abdica do trono brasileiro em favor de seu filho, e parte para Portugal, onde destitui seu irmão, transformando-se, assim, em Pedro IV, Rei de Portugal.
Desde então, os dois países mantem relações muito próximas. Mais do que o compartilhamento de um passado comum, possuem, com certeza, um futuro de proximidade cada vez mais intenso, como se pode constatar pela enorme quantidade de brasileiros que migraram para Portugal nos últimos anos. Durante muito tempo, e até a primeira metade do século passado, o Brasil recebeu levas e levas de portugueses, que para cá vinham em busca de oportunidades, indisponíveis em sua terra natal, naquele momento. Foi a denominada diáspora portuguesa.
Aqui, eles constituíram famílias, tornaram-se empreendedores e se espalharam por todo país, colaborando ainda mais para a formação da sociedade, da cultura e da nação brasileira, com um todo. Quem de nós não conhece um português, na padaria, no açougue, na mercearia, nas chácaras? Seus filhos e netos, brasileiros com sangue português, formaram-se médicos, advogados, engenheiros e, muitos deles, hoje, fazem o caminho inverso de seus pais ou avós, retornam a Portugal, desta vez, fugindo do tenebroso momento pelo qual atravessa nosso independente país.
A adesão de Portugal à Comunidade Europeia, em 1985, transformou o país. Antes pobre e convulsionado por disputas políticas, Portugal modernizou-se. Rico em patrimônio histórico e cultural, mas economicamente frágil, Portugal transformou-se em um imenso jardim. Próspero, civilizado. Com o clima ameno, especializou-se em serviços, e hoje recebe milhões de turistas, que dinamizam e enriquecem sua economia.
Parte da elite brasileira, que sempre menosprezou aquele pequeno país, algumas vezes até querendo ocultar as raízes lusitanas que possui, utilizando-se de estereótipos e de anedotas, hoje se deslumbra com as ruas de Lisboa, do Porto, limpas e seguras. Seus filhos estudam em Coimbra, à sombra de quase mil anos de História e Cultura.
Em julho, estive mais uma vez em Portugal, e durante um mês, pude novamente desfrutar do convívio com aquele povo irmão. Hospitalidade. Segurança. Beleza. História. Cultura por todos os cantos. Se pudesse resumir tudo que vi e vivi ao redor, em uma única palavra, diria Decência. Sim. Portugal é um país decente. Trata seu povo com respeito, com dignidade. Todos os índices sociais e de desenvolvimento humano de Portugal são imensamente superiores aos do Brasil. Criminalidade, Saúde, Educação, Serviços Públicos, enfim.
Portugal tem problemas, e muitos. Mas os portugueses desfrutam de uma qualidade de vida que nos causa inveja. Seus problemas são de outros níveis. Permanecem cordiais com os brasileiros. Conhecem tudo de nosso país. Estão muito bem-informados sobre tudo o que acontece por aqui, em detalhes A grande maioria, ainda tem parentes por aqui, e mesmo sabedores das mazelas pelas quais passamos neste momento, demonstram um imenso carinho pelo Brasil. Pena que a maioria dos brasileiros não conhece Portugal tão bem quanto os portugueses conhecem o Brasil.
Infelizmente, uma pequena parte da elite portuguesa vem demonstrando alguns traços de xenofobia, inclusive diante de brasileiros. Como toda e qualquer elite, em qualquer país, a portuguesa também guarda ranços de arrogância e de desdém diante dos menos favorecidos.
Em uma das tardes em que passeava pelo Centro de Lisboa, parei na Praça do Rossio, onde se localiza a Coluna de D. Pedro IV, o nosso Pedro I. Olhando o suntuoso monumento, fiquei a pensar nas palavras ditas pelo nosso Imperador, em 7 de setembro de 1822. Independência ou Morte! Na passagem dos duzentos anos de Independência, não estamos em um dos nossos melhores momentos. Nosso grande país passa por problemas graves, nossa sociedade corre o risco de fragmentação, nossa democracia corre o risco de atentados, parte da nossa brava gente, empobrecida, se deixa seduzir pelas tentações do autoritarismo.
Mas assim como Portugal reergueu-se, e hoje desfruta de bem-estar, também nós, assentados nesse berço esplêndido, haveremos de nos reerguer, e retomar o caminho do crescimento econômico, da distribuição equânime de nossa riqueza, e da paz social. Precisamos manter a Esperança nesse Sete de Setembro. Só a Esperança nos conduzirá à superação de nossos problemas e nos levará a um novo Amanhã, no qual, apesar de hoje, será pleno e digno.
E assim, me recordo de um anoitecer, à beira do Tejo, diante do Monumento aos Navegantes, em Belém, inebriado pela paisagem e atmosfera do lugar, e lembrando da minha amada terra natal, admirei, com genuíno orgulho a coragem e a audácia portuguesa, que os lançou aos mares, dando origem, assim, a esse imenso Brasil, que hoje, independente, vê em Portugal, não o seu passado, mas um exemplo para o seu Futuro!
Camões, apenas Camões, é capaz de traduzir o que senti, naquele momento: “As armas e os barões assinalados, que da Ocidental praia Lusitana, por mares nunca antes navegados, e em perigos e guerras esforçados, entre gente remota edificaram, um Novo Reino, que tanto sublimaram!”
*Eugênio Maria Gomes é professor e escritor.