Vacina da UFMG que impede dependência de drogas terá teste em humanos

O imunizante Calixcoca pode se tornar o primeiro composto terapêutico capaz de impedir a dependência de crack e cocaína

A vacina Calixcoca, desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desde 2015, poderá iniciar os testes clínicos em humanos, etapa essencial para transformar a pesquisa em alternativa terapêutica concreta. O anúncio foi feito durante a comemoração de 40 anos da Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (Fapemig), parceira do estudo desde 2023.

O projeto, que pode ser a esperança para dependentes da cocaína e crack, ganha uma nova etapa a partir da concessão da carta da patente nacional, pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), e internacional, nos Estados Unidos. A vacina Calixcoca é o primeiro imunizante antidroga a revolucionar o tratamento de dependência química no mundo.

Com o aporte de R$ 18,8 milhões feito pelo Governo de Minas, será possível começar a fase de testes em humanos. Deste total, R$ 10 milhões são da Secretaria de Estado da Saúde (SES-MG) e R$ 8,8 milhões da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede-MG), por meio da Fapemig.

Em 2024, foram repassados R$ 14,6 milhões, e mais R$ 1,69 milhão será pago ainda em 2025. O restante do valor — R$ 2,6 milhões — será repassado entre 2026 e 2027. Além desses valores, outros R$ 500 mil arrecadados por meio de chamadas públicas da Fapemig já foram investidos para o desenvolvimento da pesquisa.

Durante o anúncio, a reitora da UFMG, Sandra Goulart Almeida, ressaltou o trabalho da Fapemig, que não se limita ao financiamento da vacina, e a produção científica e tecnológica em Minas Gerais, uma vez que o estado é o que mais tem universidades públicas no país, onde de produz um alto número de pesquisas. “A Calixcoca nasceu de uma pesquisa básica. Por isso é importante investir em ciência. Esse é mais um caso de sucesso nas universidades mineiras”, disse.

Como funciona a vacina?
O medicamento induz o sistema imune a produzir anticorpos que se ligam à cocaína na corrente sanguínea. Essa ligação transforma a droga em uma molécula grande, que não passa pela barreira hematoencefálica.

O projeto já passou por etapas pré-clínicas, em que foram constatadas segurança e eficácia para tratamento da dependência de crack. No entanto, a vacina não é indicada indiscriminadamente para todas as pessoas com transtorno por uso de cocaína.

Nas etapas pré-clínicas, os testes em animais mostraram a produção de anticorpos que se ligam à cocaína no sangue, o que impede que a droga alcance o cérebro e bloqueia seus efeitos. O estudo também apontou a redução de abortos espontâneos em ratas prenhes expostas à droga. Os filhotes nasceram mais saudáveis e resistentes.

Diante desses resultados, o projeto estava em fase de orçamento e planejamento para obter autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para realizar o teste em humanos.

De acordo com o professor Frederico Garcia, da Faculdade de Medicina da UFMG, um dos líderes da pesquisa, caso tenha um resultado positivo, o imunizante é uma importante ferramenta para a reinserção social dos pacientes.

Em 2023, a UFMG e o Governo de Minas fecharam acordo para um aporte de R$ 10 milhões para o desenvolvimento da vacina, que será feito por meio da Fapemig e pela Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG). O recurso viabiliza a continuação da pesquisa para a fase 1 de testes.

Diferentemente das vacinas já testadas em outros países, a Calixcoca é não proteica, baseada na molécula sintética V4N2 (calixareno), e induz o organismo a produzir anticorpos que se ligam à cocaína no sangue, o que impede que a droga alcance o cérebro e bloqueia seus efeitos.

Os resultados pré-clínicos mostraram não apenas a produção de anticorpos, mas também a redução de abortos espontâneos em ratas prenhes expostas à droga. Os filhotes nasceram mais saudáveis e resistentes.

A vacina diminui o efeito da droga no usuário da substância, pois produz anticorpos que se ligam às moléculas causadoras dos efeitos cerebrais, criando uma barreira para que a cocaína ou crack não chegue no sistema nervoso central, onde causam os efeitos. Dessa maneira, há diminuição da necessidade de utilizar a droga e também da abstinência.

Testes com camundongos e novas etapas
A eficácia e a segurança da vacina em camundongos foi comprovada através de testes e, por isso, o imunizante poderá avançar para o teste clínico em humanos, ainda sem previsão de início.

De acordo com o secretário de Saúde Fábio Baccheretti, os resultados positivos observados nos animais, sobretudo em fêmeas gestantes, é importante, pois mulheres grávidas usuárias de drogas fazem parte de um grupo social que preocupa a área da saúde atualmente. Isso porque, segundo o secretário, bebês acabam nascendo com dependência química por ter tido contato com a droga no útero da mulher.

“A Calixcoca é de fato um grande destaque. Primeira vacina vinculada ao consumo de crack e cocaína. É uma vacina sintética, diferente das vacinas biológicas comuns. Ela já demonstrou uma eficiência muito grande nos testes de abstinência em camundongos, diminuindo uma dependência, diminuindo os efeitos da droga, especialmente porque é uma parte da população que nos preocupa, e os fetos dos camundongos nasceram de uma saúde muito melhor, mesmo em consumo de cocaína e crack”, explicou Baccheretti.

A expectativa é que o financiamento do Estado auxilie na possibilidade da vacina ser inserida no Sistema Único de Saúde (SUS). Agora, a UFMG fará novas pesquisas em laboratórios para testes de validação, provavelmente, fora do país. A tendência é que a vacina passe por essa fase para ser utilizada no SUS em até quatro anos. O chefe da pasta reforça que a Calixcoca passará por fases obrigatórias como qualquer vacina.

“Essa vacina é diferente, pois é uma vacina sintética, diferente das vacinas habituais que utilizam fragmentos de vírus ou bactérias, mas produz anticorpos. Ela tem um efeito grande na sua proposta vinculada ao consumo de crack e cocaína, mas também é uma tecnologia de vacina que pode ser utilizada depois para outros benefícios. Então, a gente fica muito feliz de ter uma vacina mineira produzida aqui em Belo Horizonte, na UFMG, que vai ter um efeito no mundo inteiro”, ressaltou.

Segundo o pró-reitor de pesquisa da UFMG, Fernando Reis, os testes pré-clínicos começaram no início de 2025, com aporte desse financiamento do governo estadual através da Fapemig, e estão na fase de estruturação dos experimentos. Ele explica que a previsão de quatro anos pode ser estendida, a depender do desenvolvimento, e que os testes humanos devem ocorrer apenas no terceiro ou quarto ano dentro do planejamento, como uma última fase. Em relação à aplicação da vacina, ele destaca que a proposta é utilizar o imunizante como um aliado na reabilitação de usuários.

“Ela não tem a propriedade e não foi pensada e não é idealizada para injetar em pessoas que não são dependentes. É como um auxílio no tratamento da dependência. A ideia é que a pessoa seja tratada com essa vacina, junto com outras medidas de reabilitação, pois ela tem a possibilidade de persistir na desintoxicação. E para persistir, a vacina diminui a entrada ou bloqueia a entrada da droga no cérebro, de modo que a pessoa, mesmo que tenha, em algum momento, o impulso de usar a droga, ao se injetar, não sentirá os efeitos cerebrais de recompensa”, disse Reis.

De acordo com ele, ainda não se sabe como serão feitos os teste a larga escala, porque antes são feitos testes em um número menor de voluntários.

Prêmios e recursos
Diferentemente das vacinas já testadas em outros países, a Calixcoca é não proteica, baseada na molécula sintética V4N2 (calixareno). O imunizante foi reconhecida recentemente pelo Prêmio Veja Saúde & Oncoclínicas, por seu caráter inovador, e pelo Prêmio Euro Inovação na Saúde, organizado pela farmacêutica multinacional Eurofarma.

O imunizante foi vencedor do Prêmio Euro Inovação na Saúde, na categoria Inovação tecnológica aplicada à saúde. A conquista garantiu ao projeto a premiação de 500 mil euros (cerca de R$ 2,6 milhões), que serão destinados ao desenvolvimento da vacina.

Além do professor Frederico Duarte, o estudo reúne os professores Maila de Castro, da Faculdade de Medicina, Gisele Goulart, da Faculdade de Farmácia, Ângelo de Fátima, do Instituto de Ciências Exatas, e os pesquisadores Paulo Sérgio de Almeida, Raissa Pereira, Sordaini Caligiorne, Brian Sabato, Bruna Assis, Larissa do Espírito Santo e Karine Reis, vinculados ao Núcleo de Pesquisa em Vulnerabilidade e Saúde (NAVeS).

Em setembro do ano passado, a reitora da UFMG Sandra Goulart Almeida e o professor Frederico Garcia apresentaram o projeto da vacina ao ministro Camilo Santana, da Educação, e solicitaram apoio do governo federal para dar prosseguimento aos testes. No Congresso Nacional, existe o compromisso de destinação de verbas de emendas parlamentares individuais.

A UFMG, por meio da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), empreendeu trabalho estratégico de proteção nacional e internacional da tecnologia e busca agora parceiros para licenciá-la. A patente tem a Fapemig como cotitular.

Ação judicial

Apesar de relevante, a pesquisa virou alvo de ação judicial depois de receber o Prêmio Euro Inovação na Saúde, que incluiu o pagamento de um valor de 500 mil euros, cerca de R$ 2,6 milhões, na cotação da época. Três professores acusaram o coordenador do projeto, o professor Frederico, de embolsar a quantia do prêmio sem repassar valor algum à equipe ou à instituição de ensino.

O docente teria se afastado após receber o pagamento, deixando de atender telefonemas e de responder a e-mails e mensagens. Após insistentes contatos dos colegas, ele teria informado que liderou o estudo e que o prêmio seria “personalíssimo”. Depois disso, os professores enviaram a Frederico uma notificação judicial e entraram com um requerimento para a abertura de uma sindicância administrativa na UFMG.

Os professores envolvidos no projeto alegam que os estudos exigiram anos de dedicação de toda a equipe, cada integrante com funções definidas e fundamentais. Eles argumentam, ainda, que uma patente da vacina registrada junto ao INPI foi feita em nome da UFMG e não de um docente em particular, o que comprovaria o trabalho conjunto.

Na ação, foi pontuado que, ao não repassar verba para a pesquisa, Frederico “está negando a possibilidade de a tecnologia Calixcoca avançar e chegar a quem realmente precisa”. Foi solicitado que os valores referentes ao prêmio sejam divididos, de modo que a UFMG ficaria com 50% do total (cerca de R$ 1,3 milhão) para subsidiar a continuidade da pesquisa. Os demais 50% seriam distribuídos igualmente entre os docentes. Assim, cada um receberia cerca de R$ 330 mil.

Durante o evento, no entanto, o pró-reitor de pesquisa da universidade informou que não poderia comentar sobre o caso, mas que a situação não influenciou no desenvolvimento da pesquisa, pois eles têm “recursos para cumprir o nosso plano de trabalho nos próximos anos”.

Fonte: Estado de Minas

 

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