CNH sem autoescola ficaria 80% mais barata; setor prevê demissões em massa

A proposta do governo federal de acabar com a obrigatoriedade de autoescola para tirar a CNH (Carteira Nacional de Habilitação), elaborada pelo Ministério dos Transportes e que aguarda aprovação do presidente Luz Inácio Lula da Silva (PT), vem gerando reação negativa de representantes dos CFCs (Centros de Formação de Condutores).

A ideia, que também foi apresentada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), avançou sob a gestão do ministro Renan Filho (MDB), sob justificativa semelhante: simplificar o processo de obtenção da CNH e reduzir os custos ao cidadão – projeção aponta barateamento em até 80% da primeira habilitação.

A Feneauto (Federação Nacional das Autoescolas) demonstra preocupação com a medida, afirmando que, se ela for de fato por implementada, poderá representar o fim do setor.

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Documento da entidade contestando o projeto fala sobre a possibilidade do “fechamento de mais de 15 mil autoescolas e o fim de 300 mil postos de trabalho, com supressão da educação no trânsito e negligência na emissão da CNH”.

Segundo a proposição do governo, as aulas teóricas para a obtenção de CNH nas categorias A (motocicletas) e B (veículos de passeio), que antes tinham uma exigência mínima de 20 horas-aula, passariam a ser opcionais e sem exigência de carga horária mínima.

Outra medida prevista afetaria as aulas práticas: o candidato não ficaria mais ‘preso’ à autoescola, e teria a opção de contratar um instrutor autônomo credenciado em um Detran (departamento estadual de trânsito) e na Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito).

“Que haverá reclamação das autoescolas, tudo bem. Não estamos acabando com a autoescola; estamos transformando em facultativa. A autoescola que for boa e que prestar um curso de qualidade vai permanecer. Vai continuar tendo demanda pela instrução em vários níveis”, disse Filho.

Ele também apresentou justificativas para a implementação das aulas facultativas:

“Eu temo pelo jovem que aos 18 anos é obrigado a dirigir uma moto sem CNH porque ele não tem o dinheiro. Esse jovem é muito mais sujeito ao tráfico de drogas, de entregar drogas, do que aquele que está habilitado. Este jovem vai ter um projeto de vida ao ser incluído na formalização da sociedade. Vai poder trabalhar com entregador ou vai poder começar dirigindo um carro e depois ser motorista de ônibus, caminhão, que são categorias que pagam acima da média salarial do Brasil”.

Por ora, o governo federal não detalhou como deverá funcionar o credenciamento dos instrutores autônomos.

Detrans também questionam projeto

A AND Associação Nacional dos Detrans (AND) também demonstra preocupação com a mudança no processo para a formação de novos condutores.

“Em um país que ainda registra altos índices de condutores não habilitados, é fundamental que qualquer mudança preserve e reforce a qualidade da formação dos motoristas. É essencial que se busquem alternativas que tornem a obtenção da CNH mais acessível, desde que não comprometam a excelência no processo de aprendizagem”, diz associação, que também está articulando uma agenda com a Senatran e com o ministro Renan Filho para tratar do assunto.

Já o advogado especialista em trânsito Márcio Dias chama atenção, especialmente, para a alegada importância das aulas de direção.

 

“O que me preocupa é a parte prática. Na questão teórica, a pessoa pode ter o curso online, aprender e fazer a prova. Mas quem vai ensinar a dirigir o veículo? Quem será o profissional habilitado? Essa é a pergunta que fica. Me deixa muito inseguro não ter um profissional habilitado para poder fazer todas as orientações necessárias que transmitam segurança para o futuro motorista no trânsito do dia a dia”, aponta.

O especialista ainda faz o alerta de que, se o projeto foi aprovado, poderá levar a um aumento dos acidentes de trânsito.

“Se não estudaram com profundidade direção defensiva, toda a parte do código trânsito, especialmente, sinalização, e a parte prática que, claro, é o principal, os acidentes podem aumentar caso eles não tenham o domínio do veículo para poder dirigir”.

Na mesma entrevista concedida hoje ao UOL, o ministro Renan Filho discorda:

“O fato é que o mais pobre é obrigado a ficar excluído do sistema e com a proposta vai ter acesso à formalização. A partir daí o trânsito vai ficar mais seguro porque o principal fator de insegurança é a pessoa que dirige sem habilitação. A formalização, certamente, vai diminuir o risco no trânsito”.

CNH pode ficar 80% mais barata, diz governo

De acordo com o Ministério dos Transportes, o custo médio para obter a CNH no Brasil é de R$ 3.215,64, sendo 77% desse valor, ou R$ 2.469, só de aulas em um CFC.

O novo modelo promete reduzir o custo do documento em até 80%. Ainda segundo o ministério, o intuito é democratizar o acesso ao documento, já que 54% da população brasileira não dirige ou dirige sem habilitação e, atualmente, cerca de 40 milhões de brasileiros estão em idade legal para dirigir – porem, muitos ainda não possuem habilitação, em grande parte devido ao alto custo do processo atual.

A Feneauto discorda e diz que o valor divulgado pelo ministro Renan Filho “não confere com a realidade”.

“Estudo técnico promovido pela Senatran aponta para a média de R$ 1.350 a formação teórica e de prática veicular nos estados”, diz a federação.