A “Operação Rejeito” deflagrada pela Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira (17/09) em Minas Gerais, desvendou um sofisticado esquema criminoso de extração irregular de minério, fundamentado em “corrupção sistêmica de agentes públicos”.
Confira como era o funcionamento do esquema que já lucrou R$ 1,5 bilhão e mirava chegar a R$ 18 bilhões à custa do patrimônio tombado e natural, como mostrou com exclusividade a reportagem do Estado de Minas, em 5 de abril de 2025.
O esquema envolvia crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção.
Como funcionava o Esquema?
São diversas frentes para viabilizar projetos de mineração ilegais segundo a representação criminal da PF e a reportagem do EM.
A base era a obtenção de licenças fraudulentas, seguida por uma complexa operação de lavagem de dinheiro para ocultar os lucros e pagar propinas, tudo amparado por uma rede de sociedades cruzadas que blindava os verdadeiros líderes.
Fraude em licenciamentos: a organização utilizava empresas para obter licenças de forma irregular. O caso inicial envolveu a Mineração Gute Sicht e foi denunciado com exclusividade pelo EM, em 2022. Na área tombada da Serra do Curral, a mineradora conseguiu uma autorização para uma “falsa atividade de terraplanagem” usando a certidão de outra empresa, a Valefort Comércio e Transporte Ltda.
Criação de empresas de fachada: para legitimar as operações e lavar o dinheiro, o grupo criou uma “robusta e complexa rede de empresas Sociedades Anônimas”.
Essa teia com pelo menos 42 empresas, usando “laranjas” e “testas de ferro”, dificultava o rastreamento dos verdadeiros donos e dos lucros.
Lavagem de dinheiro em camadas: após a “Operação Poeira Vermelha”, o esquema se sofisticou, passando a lavar dinheiro em “três ou quatro camadas”.
Os valores eram movimentados entre múltiplas empresas para “ocultar e dissimular” sua origem ilícita antes de serem usados para pagar propinas ou distribuídos aos líderes.
A teia societária
Conectando os crimes a investigação, bem como a reportagem do EM revelou uma intrincada rede de empresas e sócios que conectava diretamente a destruição de uma caverna em Ouro Preto à devastação da Serra do Curral em Belo Horizonte.
Essa estrutura de sociedades cruzadas era fundamental para o esquema, permitindo que os líderes operassem em várias frentes enquanto se ocultavam atrás de um emaranhado de pessoas jurídicas.
A Patrimônio Mineração, responsável pela destruição da caverna em Ouro Preto, tinha como administrador Felipe Lombardi Martins (preso na operação) e como sócia a LC Participações e Consultoria.
Esta última, por sua vez, foi fundada por João Alberto Paixão Lages (preso na operação) e também era administrada por Felipe Lombardi, evidenciando a ligação direta dos operadores centrais com o dano ambiental.
Essa mesma rede se estendia ao Grupo Minerar, que tinha Helder Adriano Freitas (preso na operação) como sócio-administrador e Felipe Lombardi como administrador de empresas associadas.
Helder e João Alberto também eram sócios na JHMinas Participações, que por sua vez investia em outras mineradoras, como a BVT Mineração, ampliando o alcance do grupo.
A devastação na Serra do Curral foi executada pela Gute Sicht, que em 2022 tinha como sócios Helder Adriano Freitas e João Alberto Paixão Lages. A conexão com o chefe do esquema, Alan Cavalcante do Nascimento (preso na operação), se dava por meio de uma cadeia de holdings.
Alan era o representante legal da Teca Participações, sócia da FH10 Participações, que por sua vez era sócia da Gute Sicht. Essa estrutura permitia que Alan controlasse a operação à distância, enquanto sua empresa principal, a Fleurs Global Mineração, centralizava o fluxo financeiro.
Os líderes e suas empresas
No centro da organização estava o “núcleo de liderança”, composto por três sócios. Através dessa teia de empresas, controlavam as decisões estratégicas do grupo desde 2020.
Alan Cavalcante do Nascimento: apontado como o coordenador geral, era o representante legal da Fleurs Global Mineração Ltda, o “núcleo financeiro da organização”.
Ele se conectava às operações na ponta, como a da Gute Sicht, através de holdings. Alan recebeu diretamente mais de R$ 23,1 milhões da Fleurs e outros R$ 87,1 milhões indiretamente.
Helder Adriano de Freitas: atuava como “Diretor Operacional” e sócio-administrador do Grupo Minerar. Sua função era identificar novas áreas para exploração e encontrar “laranjas”.
Sua sociedade com João Alberto na JHMinas Participações e na Gute Sicht o colocava no centro das operações de campo.
João Alberto Paixão Lages: era o “Diretor de Relações Interinstitucionais”, responsável pela articulação com o poder público.
Foi sócio fundador da LC Participações e sócio da Gute Sicht e JHMinas, usando sua posição para cooptar agentes públicos enquanto participava diretamente das empresas executoras.
Intermediários e operadores financeiros: para fazer o dinheiro circular, a organização contava com um “núcleo administrativo-financeiro”.
Felipe Lombardi Martins: conhecido como o “homem da mala”, era o principal operador financeiro.
Sua importância é reforçada por seu papel como administrador da LC Participações, da Patrimônio Mineração e de empresas ligadas ao Grupo Minerar, o que lhe dava controle direto sobre as companhias usadas nos crimes ambientais e na movimentação financeira.
Jamis Prado de Oliveira Junior: integrante antigo do grupo, indicava e utilizava empresas de fachada para saques em espécie. A empresa de sua esposa, a Valefort, recebeu R$ 19,3 milhões da Fleurs Global, valor que teria sido usado para corromper servidores. Ele foi preso na operação.
José Newton Kury de Oliveira Coelho:considerado o “arquiteto do estratagema de criar inúmeras pessoas jurídicas de fachada”. Ele utilizou uma empresa em nome da filha de 18 anos, a JN@JN Participações, para receber R$ 3,8 milhões do esquema. Ele foi preso pela PF.
Agentes públicos envolvidos e suas funções
A “corrupção sistêmica” se espalhou por diversos órgãos de controle ambiental, com servidores de alto escalão recebendo propinas para favorecer o grupo.
Na Agência Nacional de Mineração (ANM):
Leandro César Ferreira de Carvalho (Gerente Regional): um dos principais cooptados, aceitou documentos falsificados e submetia minutas de decisões à aprovação prévia de João Alberto. Foi preso na operação.
Caio Mário Trivellato Seabra Filho (Diretor):suspeito de receber R$ 3 milhões em propina para alterar uma resolução da ANM e beneficiar o grupo. Ele foi preso pela PF.
Guilherme Santana Lopes Gomes (Diretor):aprovou licenças para a Gute Sicht em tempo recorde e em um feriado. Foi preso pela operação.
No Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema):
Rodrigo Gonçalves Franco (Presidente):acusado de receber propina regularmente. Solicitou R$ 500 mil pela “colaboração” no licenciamento da Mina Patrimônio. Ele foi preso na operação.
Arthur Ferreira Rezende Delfim (Diretor):recebeu R$ 50 mil para assinar a licença da Fleurs Global. Foi preso pela PF.
Breno Esteves Lasmar: Diretor-Geral do IEF, está afastado de suas funções.
Fernando Baliani da Silva: Servidor da FEAM, foi afastado de suas funções.
No IPHAN e COPAM:
Débora Maria Ramos do Nascimento França (Ex-Superintendente do IPHAN/MG): suspeita de ter recebido R$ 565,9 mil através de sua empresa de consultoria. Sofreu busca e apreensão.
Fernando Benício de Oliveira Paula (Conselheiro do COPAM): teria recebido R$ 5 mil via PIX para votar favoravelmente a licenças. Foi afastado de suas funções.
Valores, projetos e lucros
O esquema movimentou cifras bilionárias através de diversos projetos fraudulentos, como o “Projeto Rancho do Boi”, a “Mina Patrimônio” e o “Projeto Aiga Mineração”.
Movimentação financeira: a Fleurs Global Mineração, sozinha, movimentou R$ 4,3 bilhões entre 2019 e 2024.
Potencial econômico: o potencial de todos os projetos da organização ultrapassava R$ 18 bilhões, com um lucro líquido projetado de R$ 9,54 bilhões.
Bloqueio de bens: Justiça determinou o bloqueio de R$ 1,04 bilhão dos envolvidos para tentar descapitalizar o grupo e cessar as atividades criminosas.