
Doutora em Sociologia Política (IUPERJ / Universidade Candido Mendes – RJ)
Membro do Instituto Nacional dos Advogados do Brasil – RJ (IAB)
O slogan oficial da campanha de Donald Trump, Make America Great Again (MAGA), não foi criado por ele, mas se tornou sua marca registrada desde 2016. Traduzido para o português como “Tornar a América [do Norte] Grande Novamente”, o lema ultrapassou as fronteiras dos Estados Unidos e passou a ecoar em outras partes do mundo — inclusive no Brasil, onde alguns apoiadores chegaram a usar o boné vermelho como forma de apoio ao ex-presidente americano.
No cenário político brasileiro, há quem acredite que, diante de uma possível anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro, estaria em curso uma espécie de articulação internacional com características golpistas. Será?
Entre os elementos que alimentam essa hipótese, destaca-se a atuação do senador Flávio Bolsonaro, que se encontra nos Estados Unidos em uma suposta tentativa de influenciar diretamente Donald Trump. Seu objetivo? Pressionar pela imposição de sanções contra o ministro Alexandre de Moraes e pelo aumento de tarifas sobre produtos brasileiros — tudo isso em troca de apoio à anistia de seu pai, Jair Bolsonaro.
A justificativa apresentada por Flávio seria a alegada fragilidade das provas contra o ex-presidente, acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) — sob o comando de Paulo Gonet — de liderar uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
É importante destacar que os crimes imputados a Bolsonaro não foram “inventados” por Alexandre de Moraes, como muitos alegam, mas sim listados pela PGR. O ministro do STF apenas recebeu as denúncias formalmente e deu seguimento aos trâmites legais.
As acusações incluem:
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Golpe de Estado;
- Dano qualificado;
- Deterioração de patrimônio tombado;
- Participação em organização criminosa.
O que chama a atenção é a aparente indiferença de Flávio Bolsonaro quanto às consequências econômicas que essas possíveis sanções podem trazer ao Brasil. Ao priorizar interesses pessoais e familiares, ele ignora os impactos diretos sobre as empresas brasileiras e sobre a imagem do país no exterior. Há também relatos de que Flávio estaria articulando novas sanções contra Moraes em instâncias europeias.
Em entrevista à CNN, Flávio declarou que, mesmo sem intervir no tarifaço de 50% que Trump impôs sobre o Brasil, os seus apoiadores continuariam a apoiá-lo. Segundo o que Flávio deixou transparecer, o que importa não é o tarifaço, mas sim livrar seu pai da prisão.
Importante destacar que Flávio Bolsonaro não mencionou que as “velhinhas” — conforme ele chama as pessoas que estão presas por envolvimento nos atos de 8 de janeiro — foram advertidas diversas vezes por Moraes para cessarem seus atos, o que não fizeram.
Contudo, os que esperam um retorno automático às políticas pós-Trump podem estar enganados. Mesmo que Trump não retorne ao poder, o legado tarifário e geopolítico de sua gestão deixará estruturas complexas e difíceis de serem revertidas, mesmo por presidentes subsequentes. O que interessa é que o cenário internacional permanece instável.
Especialistas alertam para os possíveis impactos negativos dessa estratégia. Ao priorizar interesses pessoais e familiares, Flávio Bolsonaro pode estar colocando em risco a imagem do Brasil no exterior e prejudicando diretamente as empresas brasileiras, que podem sofrer com sanções e restrições comerciais — repito.
Paralelamente, os efeitos da instabilidade global continuam a se intensificar, afetando diretamente o BRICS — bloco formado por Brasil, China, Índia, Rússia, Irã, Etiópia, Indonésia, África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Egito. O grupo representa quase metade da população mundial e cerca de 40% da riqueza global.
Para Trump e seus aliados, o BRICS é visto como um bloco “anti-EUA”, acusado de tentar enfraquecer o dólar e construir uma alternativa hegemônica ao sistema financeiro internacional, promovendo inclusive o comércio sem a dependência da moeda americana.
Diante de tudo isso, as perguntas que permanecem são:
O que realmente está em pauta?
As articulações políticas em curso visam proteger interesses nacionais ou apenas preservar um projeto de poder familiar?
O tarifaço Trump e a influência internacional na política brasileira é um fato que precisa ser esclarecido para o mundo, diante de seu grande significado e de suas consequências.
Nesse contexto, convidamos o jurista e cientista político Dr. Jorge Folena para nos explicar o que está acontecendo com a SOBERANIA do nosso Brasil.
O meu editor José Horta — digo, editor do Diário de Caratinga — formulou as questões de maior relevância para que o Dr. Jorge Folena possa nos esclarecer.
Agradeço ao Dr. Jorge Folena e a José Horta por terem me ajudado a construir este texto de grande relevância para esse momento de grande instabilidade.
PAZ E BEM!
ENTREVISTA
Jorge Folena analisa crise diplomática com os EUA e destaca papel do Brasil no BRICS
Dr. Jorge Folena, advogado, jurista e doutor em Ciência Política, é presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros — e foi colunista do Diário de Caratinga. Com longa atuação no campo jurídico e político, Folena avalia os impactos da ofensiva diplomática e econômica dos EUA sobre o Brasil, e defende uma atuação soberana e multipolar por parte do país.
Gabriel Escobar, atual encarregado de negócios é o embaixador interino dos Estados Unidos no Brasil. Ele assumiu o cargo em 21 de janeiro de 2025. O cargo de embaixador titular ainda não foi preenchido por Donald Trump. Em termos de diplomacia, o que isso representa: Trump menospreza o país ou este cargo é estratégico demais que precisa de melhor análise?
Não vejo como desprestígio, mas sim como parte de uma política deliberada de reafirmação do poder imperial. A doutrina do ‘America First’ está de volta com Trump, e com ela vem um comportamento internacional agressivo e, em muitos aspectos, unilateral. A ausência do embaixador é simbólica — um recado de que os EUA não reconhecem o Brasil como parceiro prioritário, especialmente enquanto o país se afirma como voz relevante nos BRICS.
Trump quer mostrar força, mas o cenário mundial mudou. A era de um mundo unipolar, onde apenas os EUA davam as cartas, acabou com o fim da Guerra Fria. Hoje temos potências emergentes e articulações multilaterais fortes como os BRICS, com China, Rússia, Índia, África do Sul e agora o Brasil em posição estratégica. A ausência do embaixador também é uma forma de desestabilizar ou pressionar o Brasil, sugerindo que nosso país precisa se submeter para ser considerado. É uma estratégia de afirmação imperial, que mostra o desprezo dos EUA por relações bilaterais equilibradas.
Como o senhor interpreta o apoio explícito de Trump a Bolsonaro?
É um movimento extremamente grave e interfere na soberania nacional. Trump, em 9 de julho deste ano, divulgou publicamente uma carta de apoio a Bolsonaro, alegando perseguição judicial contra ele e afirmando que o Brasil estaria restringindo a liberdade de expressão, sobretudo em plataformas digitais de empresas americanas — muitas delas ligadas ao próprio Trump.
Essa ação ultrapassa qualquer protocolo diplomático. Trata-se de uma tentativa de criar constrangimento político ao Brasil em plena condução de seus processos democráticos internos. O ex-presidente Bolsonaro responde a investigações sérias, inclusive sobre tentativa de golpe, e qualquer tentativa externa de interferir nesse processo deve ser vista como afronta à independência dos poderes. É preciso firmeza institucional e consciência da gravidade disso. Além disso, Trump tenta usar a situação para fortalecer seu discurso interno e alavancar o populismo conservador em outros países, promovendo uma internacionalização da extrema direita.
Os EUA voltaram a impor tarifas ao Brasil. Isso é retaliação econômica?
Sim, e está diretamente ligado ao reposicionamento do Brasil no cenário internacional. As tarifas são uma forma de retaliação econômica com efeito duplo: por um lado, atingem setores estratégicos da nossa economia, como o agronegócio; por outro, tentam desincentivar nossa atuação no BRICS e nossa aproximação com a China, Rússia, Irã e demais parceiros alternativos aos EUA.
Não é apenas uma questão comercial, é geopolítica. A estratégia de Trump visa isolar os países que não se alinham incondicionalmente aos interesses americanos. Isso ficou evidente também com a imposição de taxas à Índia, que é um dos principais parceiros econômicos do Brasil e membro dos BRICS. É uma tentativa de desestabilização do bloco. E é também um recado aos demais membros: alinhem-se ou serão punidos.
Quais setores brasileiros são mais prejudicados com essa política?
O agronegócio é o primeiro a sentir. As tarifas afetam diretamente as exportações de carne bovina, frango, milho e soja. Mas o impacto vai além da economia: o Brasil precisa agora intensificar relações com outros parceiros. A China continua sendo um mercado importante, assim como países do Oriente Médio, o continente africano e a própria União Europeia.
Vale lembrar que os governos Lula já vinham diversificando parceiros desde os anos 2000. O Brasil deixou de ser um país economicamente dependente dos EUA e essa estratégia agora se mostra acertada. Temos a oportunidade de reforçar nossa autonomia comercial em vez de buscar submissão. Essa reconfiguração do comércio exterior deve ser encarada como um projeto de Estado, não de governo.
O senhor acredita que os BRICS representam um contrapeso real ao poder americano?
Sem dúvida. O BRICS é hoje um dos mais importantes arranjos multilaterais do mundo. Não é um bloco militar como a OTAN, mas é uma aliança baseada na cooperação econômica, científica, tecnológica e cultural. E o Brasil tem um papel-chave dentro desse grupo.
Trata-se de países que foram colonizados ou explorados por potências ocidentais, mas que agora buscam desenvolvimento com soberania. Os BRICS também propõem reformas no sistema financeiro global, incluindo alternativas ao dólar como moeda única de referência. E isso incomoda profundamente os EUA, que veem sua hegemonia questionada em várias frentes.
O interesse dos EUA em minerais estratégicos brasileiros preocupa?
Muito. O Brasil possui reservas riquíssimas de minerais estratégicos — terras raras, nióbio, lítio. Esses recursos são essenciais para a indústria de alta tecnologia, incluindo equipamentos militares e eletrônicos.
A pressão internacional para liberalizar o acesso a essas riquezas é antiga, e muitos governos já cederam. Defendo que o Brasil crie uma empresa estatal para controlar, explorar e proteger essas reservas, com base no artigo 173 da Constituição Federal, que permite atuação direta do Estado em setores estratégicos para a soberania nacional. Deixar isso nas mãos de empresas estrangeiras é colocar o futuro do país em risco.
A postura protecionista dos EUA pode impulsionar uma nova reorientação comercial do Brasil?
Acredito que sim. O protecionismo dos EUA acaba sendo um incentivo para o Brasil aprofundar suas relações com outras economias emergentes. Já estamos em diálogo com África, Oriente Médio, América do Sul e países do Sudeste Asiático. O mundo é multipolar e o Brasil precisa agir como tal.
O consumidor americano também sofre com essas tarifas. Ao sobretaxar nossos produtos, os EUA encarecem o custo de vida da sua própria população. Portanto, é uma guerra que tem consequências internas e externas. O Brasil deve responder com firmeza e ampliar seus canais diplomáticos e comerciais.
Qual sua avaliação sobre o alinhamento automático de governos anteriores aos EUA?
Esse alinhamento prejudicou seriamente a soberania do país. Os governos Temer e Bolsonaro seguiram uma linha de submissão, assumindo políticas econômicas e externas ditadas pelo interesse dos EUA. Isso afetou nossa política ambiental, nossa diplomacia e até nossa imagem internacional. A diplomacia brasileira precisa ser independente, como foi em outros momentos da nossa história — especialmente nos primeiros mandatos de Lula e em parte do governo Dilma. Um país do tamanho do Brasil não pode ser satélite de ninguém. Precisamos recuperar essa tradição de altivez na política externa.”
O Brasil está preparado para lidar com uma Casa Branca mais agressiva?
O Brasil está avançando, mas ainda temos carências estratégicas. Uma delas é a falta de uma doutrina nacional de defesa. Infelizmente, não temos uma estratégia sólida de proteção territorial, nem um programa de dissuasão eficaz. Isso inclui o debate sobre o uso e posse de tecnologia nuclear — algo que outros países em desenvolvimento já encaram como necessidade de soberania. Somos uma potência agrícola, energética e mineral, mas sem meios adequados de defesa. Isso nos deixa vulneráveis em uma nova ordem mundial mais agressiva e imprevisível.
A retaliação econômica teve apoio de políticos brasileiros. Como o senhor interpreta isso? Foi um tiro que saiu pela culatra?
Lamentável. Quando figuras políticas do próprio país celebram sanções externas, elas se colocam contra os interesses nacionais. Bolsonaro e seus aliados agiram como sabotadores da soberania brasileira. Isso não é oposição política, é traição. Aplaudir tarifas que prejudicam o agronegócio e a indústria brasileira em nome de alinhamento ideológico com Trump é colocar a pátria em segundo plano.
Precisamos fortalecer a consciência nacional. Defender o Brasil é colocar os interesses do povo acima de vaidades pessoais e de alianças com potências estrangeiras. A história cobrará dos que se omitirem ou se colocarem do lado errado.

Uma resposta
Errata; No lugar de Flávio Bolsonaro leia-se Eduardo Bolsonaro. Grata. Margareth Maciel