A QUESTÃO NÃO ESTÁ EM PAUTA

Margareth Maciel de Almeida Santos

Doutora em Sociologia Política (IUPERJ)

Membro do Instituto Nacional dos Advogados do Brasil (IAB-RJ)

O caso do município de Montezuma, no Norte de Minas, ganhou manchetes ao revelar uma tentativa inusitada: uma empresa pública do município licitar o equivalente a 18 litros de bebida alcóolica por habitante, em um contrato para aquisição de bebidas em geral com valor estimado total de R$ 8,1 milhões, dos quais R$ 4,3 milhões referem-se apenas a bebidas alcoólicas. A licitação, que previa desde cachaça e whisky até energéticos e iogurtes de marcas famosas, foi barrada pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG).

Para entender como esse tipo de irregularidade chega tão rapidamente ao radar do Tribunal, conversei com coordenador Fábio Costa e com Carolina Maciel, auditora de Controle Externo, que integra sua equipe técnica na Coordenadoria de Fiscalização Integrada e Inteligência, Contratos e Instrumentos de Parceria (CFIILCIP), vinculado à Diretoria de Fiscalização Integrada e Inteligência – Suricato do TCE/MG, que alia análise de dados e tecnologia na fiscalização.

Antes de tudo, parabenizo o trabalho desenvolvido pelo Suricato e pela criação dos “robôs” para tornar a fiscalização do TCE/MG mais efetiva. Parabenizo também os Auditores de Controle Externo, pois, sem o conhecimento técnico e a dedicação de vocês, não seria possível ter resultados tão expressivos.

 

Para começar, muitos leitores talvez não conheçam o trabalho do Suricato. Você poderia nos explicar como funciona o trabalho e por que a Diretoria recebe esse nome de Suricato?

Fábio Costa – A Diretoria de Inteligência do Tribunal trabalha com informações estratégias, com um enorme volume de dados e com grande uso de ferramentas tecnológicas (os nossos “robôs) para processar tudo em tempo real. Nossa atividade passa por forte comunicação interna com as outras unidades do TCE.

O nome “Suricato” vem exatamente disso. É um paralelo com o comportamento do animal, que tem como característica estar sempre atento, observando tudo e comunicando os riscos e perigos que identifica.

Nos últimos anos, além de comunicar internamente, o TCEMG, por meio do Suricato, passou a comunicar os riscos identificados diretamente aos gestores públicos. Nossa ideia é dar oportunidade para que as irregularidades encontradas sejam corrigidas antes de causarem efetivo prejuízo à sociedade mineira.

 

Entrando no caso que chamou atenção da população mineira: Quais foram os principais problemas identificados nessa intenção de compra pela empresa da Prefeitura de Montezuma?

Carolina Maciel: A nossa análise apontou uma série de possíveis irregularidades no processo licitatório da Empresa Pública de Montezuma para a compra de bebidas no valor de R$ 8,1 milhões, o que levou à necessidade de se abrir um processo aqui na Casa. Em sede de liminar, conseguimos a suspensão do certame, para que os responsáveis prestem os esclarecimentos.

Entre os principais problemas estão o gasto considerado desproporcional — que representaria 14,85% da receita anual do Município, sendo 7% apenas com bebidas alcoólicas.

Além disso, de acordo com nossos cálculos, a quantidade a ser adquirida seria suficiente para destinar 18 litros de bebida alcoólica por habitante, sem que fosse identificado qualquer estudo técnico que justificasse a necessidade da aquisição, a real demanda.

No edital também havia a menção a marcas específicas, prática proibida pela Lei de Licitações, e apresentava inconsistências sobre a natureza jurídica da Empresa (EMUTUM), uma vez que não foram identificados os documentos que comprovassem sua criação e atribuições.

 

A compra de 18 litros de bebida alcoólica por habitante também chamou atenção. O que um excesso tão grande costuma indicar?

Fábio Costa: Quantidades desproporcionais geralmente levantam suspeitas. Pode ser “apenas” falta de planejamento, mas além da possibilidade de desperdício, pode representar riscos de desvio de finalidade, de sobrepreço ou de irregularidades mais graves na licitação.

Por isso, para garantir a eficiência nas compras públicas, é fundamental que estudos técnicos prévios sejam realizados. Esses estudos são cruciais para muitos aspectos, inclusive para determinar a demanda exata e evitar desperdício de dinheiro público.

 

Para finalizar, que mensagem o senhor deixaria aos gestores municipais?

Fábio Costa: Primeiramente agradecer a forte colaboração que temos recebido dos gestores públicos e dos controladores internos. O ideal por trás dessa nova forma de atuação do Suricato é promover um controle externo preventivo e, sobretudo, colaborativo.

Com essa nova capacidade de utilizar “robôs” para identificar possíveis irregularidades em tempo real, também conseguimos comunicar tempestivamente aos responsáveis, dando oportunidade de corrigir ilegalidades antes de causarem efetivo prejuízo.

Nesse sentido, a colaboração dos gestores tem sido fundamental, em 96% dos casos que comunicamos a irregularidade tem sido voluntariamente afastada.

Apenas em algumas poucas situações, em razão da urgência ou gravidade do que encontramos, essa comunicação direta preventiva não é possível ou recomendada, então oferecemos uma Representação, iniciando um processo no Tribunal, como foi o caso de Montezuma.

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Agradeço ao pelos valiosos esclarecimentos e pela brilhante atuação na busca de resultados positivos nas contratações públicas, priorizando a efetividade e a qualidade dos resultados!

 

PAZ E BEM!