“Ter que assumir as responsabilidades de nossas escolhas não é uma tarefa tão simples quanto parece”
CARATINGA- A busca pela felicidade. Quando pensamos em bem-estar, nos vem a ideia de equilíbrio, ausência de problemas ou como lidar com eles. Mas, como encarar o querer sempre mais, decorrente de um estado de insatisfação?
“Ter que assumir as reponsabilidades de nossas escolhas não é uma tarefa tão simples como parece”, como observa o professor Elias Pereira Barbosa Júnior, licenciado em Filosofia.
Elias concedeu entrevista ao DIÁRIO e falou sobre a busca pelo bem-estar do ponto de vista da Filosofia. Com pós-graduação em Sociologia e Ciência da Religião, ele é professor de Filosofia/Sociologia no Colégio Expoente, Caratinga e na Escola Estadual Alberto Azevedo, em Inhapim.
Poderia nos definir o que é bem-estar?
Em meu entender, bem-estar é um estado daquele (a) que se encontra satisfeito (a) com as próprias exigências em relação ao ideal de vida que construiu como horizonte a si mesmo.
Qual a relação entre busca de bem-estar e uma sociedade cada vez mais presa à rótulos?
Os pensadores da Escola de Frankfurt – ao refletir sobre a sociedade de consumo e a cultura de massa – alertaram para algo nesse sentido; afinal, viver para os outros, sem reflexão e apenas para satisfazer algo externo a nós mesmos seria claramente alienar-se de sua própria capacidade de escolher. Perder isso, seria perder o atributo mais autenticamente humano: uma racionalidade prática e não apenas instrumentalizada e operacional.
O filósofo e sociólogo francês Gilles Lipovetsky disse que “bem-estar é o novo luxo”. O senhor concorda com essa afirmação? Poderia nos explicar?
Certamente. No contexto da contemporaneidade, apesar de toda liberdade em poder “escolher” – diferente de outros momentos históricos, em que tudo era “arranjado” visando poder ou algo além – nem sempre escolhemos acertadamente, seja por nós mesmos ou por alguma interferência alheia. Esse querer sempre mais, decorrente de um estado de insatisfação eterna e de ter que lidar com pequenas frustrações e angústias, vividos diante da imagem de que apenas o consumo exacerbado nos conduzirão à felicidade, acaba por criar uma nova modalidade de luxo que nem sempre se relaciona ao capital financeiro, já que importa bem mais realizar uma profunda reflexão sobre quem somos e as experiências de bem-estar que nossas escolhas irão nos conduzir.
Depressão, ansiedade, stress e outros males dos ‘tempos modernos’. Por que as pessoas não se sentem felizes?
Há diversos fatores envolvidos nessa experiência, mas é fácil concordar que toda vivência é particular e ampla ao mesmo tempo. Ter que assumir as responsabilidades de nossas escolhas não é uma tarefa tão simples quanto parece. Requer maturidade e humildade. Mas, ainda temos outro agravante: o ambiente virtual, que permitiu uma aceleração do nosso modo de vida, o encurtamento de distâncias e as comparações ilógicas (uma vez que são apenas representações superficiais). Tudo isso acaba prejudicando e impedindo a vivência dos tão importantes momentos de ócio – sem cobranças ou necessidades extraordinárias.
A sociedade se tornou consumista. Consumimos para esquecer? O consumo é uma forma de preencher o vazio de nossas vidas?
O consumo se tornou uma maquiagem que a humanidade utiliza para tentar criar no outro uma inveja daquilo que não somos, mas apenas parecemos ser; e parece fazer muito sucesso, uma vez que estamos extremamente satisfeitos em nossa infelicidade. Quando alguns de nós começa a perceber que precisa ir um pouco além, conseguimos escapar dessa prisão que nos lembra um pouco a alegoria da caverna de Platão.
Por que nossa sociedade está sempre em busca de um modelo de felicidade ideal que dificilmente será alcançado?
Alguns sociólogos – como K. Mannheim – nos falam da utopia como um horizonte para mudanças. Implica dizer que as formas como vivemos, pensamos e agimos podem estar ultrapassadas, mas para que essa mudança ocorra é preciso que exista um horizonte de ideais previamente pensados ou minimamente refletidos.
Porém, tendemos a criar horizontes longínquos, fantasiosos e com pouca aplicabilidade imediata, tornando essa experiência pouco aproveitável. Em síntese, é importante transformar o mundo, mas isso não quer dizer viver de maneira fantasiosa e sim começar pelos mínimos detalhes.
Desde a Grécia antiga existe essa preocupação com o bem-estar. O que Aristóteles desenvolveu sobre esse assunto?
Em “Ética a Nicômaco”, Aristóteles desenvolve uma filosofia teleológica (telos, em grego, significa “fim”) como pauta de sua teoria ética, isso quer dizer que ele acredita no bem como local em que todas as coisas tendem, mais especificamente, a “eudaimonia” ou felicidade como finalidade de todas as ações humanas.
Vale lembrar que Aristóteles desenvolve o conceito de homem como animal político, ou seja, que vive e progride em comunidade; portanto, essa felicidade citada anteriormente deve estar indissociada com o bem comum.
Aristóteles é o filósofo que mais se preocupou em falar sobre bem-estar? Como o que foi desenvolvido por ele se aplica na sociedade atual?
Diversas outras correntes e filósofos trataram sobre essa temática entre os diversos assuntos que desenvolveram. As próprias correntes helenistas, por não poderem tratar sobre a temática política de modo mais amplo como anteriormente, por ocasião do domínio macedônico, se envolveram bastante na temática da vida pessoal e na busca da felicidade.
Em uma sociedade cada vez mais individualista, tratar esse modelo de felicidade que visa o bem comum é sempre um bom desafio a ser aceito. Há um outro conceito em Aristóteles que é a ação virtuosa pautada na mediania, isto é, numa justa medida entre o excesso e a falta (que seriam considerados vícios). Diante de tamanha polarização vista nos dias atuais, ou mesmo essa nossa predileção pelos extremos, associar a felicidade a essa régua condutora sempre pode nos ensinar bastante.
Em suma, a felicidade é a finalidade das ações humanas? Ou Odair José está certo ao cantar, “felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes”?
Acredito na importância dos conceitos desenvolvidos pelos filósofos clássicos. Todavia, ao tratar essa felicidade como finalidade é preciso ir recolhendo as diversas migalhas que vão se espalhando pelo caminho; assim dizendo, ela aponta para o fim como um conceito ideal e norteador de nossas diversas condutas, mas precisa ser desenvolvida e experimentada no percurso.


