Resgatando a identidade do café de Caratinga

Mauro Grossi, presidente da Associação de Produtores de Cafés Especiais das Terras Altas do CaratingaMauro Grossi, presidente da Associação de Produtores de Cafés Especiais das Terras Altas do Caratinga

A história e a força da Associação das Terras Altas

CARATINGA- Produzir café especial é uma arte. A comercialização, um desafio. Mas antes de tudo isso, é preciso ser reconhecido como região produtora de excelência. Essa é a missão assumida desde 2017 pela Associação de Produtores de Cafés Especiais das Terras Altas do Caratinga, hoje formada por 18 produtores e produtoras que, juntos, somam uma produção estimada em 30 mil sacas de café– sendo cerca de 15 mil sacas de café especial.
A história da associação começa em 2007, com a chegada do programa Certifica Minas Café, que promove a certificação de propriedades produtoras. ” Em 2008, alguns produtores já obtiveram a certificação. Essa certificação acaba que te prepara a produzir cafés especiais. A gente começou a produzir cafés especiais, até já fazia cafés especiais e nem sabia”, relata o presidente da associação, Mauro Grossi.
Do desconhecimento ao resgate da identidade
Logo veio a pergunta: se há produção de qualidade, onde está o mercado?  “Se eu estou agregando qualidade ao meu produto, estou fazendo o produto diferenciado e não encontro mercado. Aí entendemos que se houvesse uma associação para trabalhar a produção e a comercialização desses cafés com preços diferenciados, seria um ganho”, lembra Mauro.
A fundação da associação também revelou uma surpresa: fora da região, o café de Caratinga era praticamente desconhecido. A surpresa era tamanha que, ao participar de eventos fora da região, os produtores escutavam: “Caratinga? Lá tem café?” – Foi aí que perceberam que além de comercializar, era preciso resgatar a identidade do café caratinguense. “Ninguém sabia que Caratinga produzia café. E produzimos desde o final do século XIX!”, lembra Mauro.
O nome da associação não foi escolhido à toa. Ele reflete dois conceitos fundamentais: o resgate da origem produtora e a qualidade dos grãos cultivados em áreas altas. “O ‘Terras Altas’ é porque aqui a maioria dos cafés é arábica e responde bem acima dos 600 metros. Temos lavouras entre 600 e 1.300 metros de altitude. Tem café em Santa Luzia, distrito de Caratinga, a 1.300 metros produzindo cafés fenomenais. Muita gente achava que só no Caparaó tinha lavoura assim, mas aqui também temos”.
Evolução com os desafios do mercado internacional
A associação, desde sua criação, buscou conhecimento e inserção no mercado: participações em feiras, eventos, cursos, certificações. Hoje, além do mercado interno, os cafés especiais da região chegam ao mercado internacional, especialmente à Europa – onde as exigências são cada vez maiores.  “A Europa não compra mais cafés produzidos em áreas desmatadas após 2020. Os produtores têm que provar que não desmataram. As exportadoras vêm até as fazendas, conhecem a produção, a história da propriedade. Tudo tem que ser rastreável, desde a muda até o armazém”.
O trabalho é meticuloso. Mas, com ele, vêm os resultados. Hoje, os produtores da associação conseguem comercializar cafés com preços diferenciados e acesso a novos mercados. “Temos uma produção estimada em 30 mil sacas. Cerca de 15 mil são cafés especiais”.
Esse processo de rastreabilidade, desde a muda até o armazém, é uma das frentes da associação. “A exportadora tem que conhecer a fazenda, verificar histórico, rastrear o café. Só assim o café é aceito no mercado europeu. Isso tudo exige documentação, visitas técnicas, certificações rigorosas”, pontua.
A associação também atua como ponte entre os produtores e as oportunidades, inclusive no turismo rural e no contato direto com compradores. “Às vezes temos duas ou três empresas sentadas à mesa, interessadas em conhecer as propriedades. Isso é turismo de negócio. É o café gerando movimento em toda a cadeia local”.
Segundo Mauro Grossi, um dos maiores ganhos da associação foi tornar o grupo visível e confiável aos olhos do mercado. “Sozinho eu não consigo atender um pedido de dois containers. Mas com a associação, posso ligar para outros produtores e juntos conseguimos”.
Um exemplo inspirador vem de Santa Bárbara do Leste, que abraçou a cafeicultura como estratégia de desenvolvimento. “Lá o poder público contratou um Q-Grader, promove concursos, realiza leilões. Em 2024, uma saca foi vendida por R$ 6 mil!”, destaca. “Já Caratinga, mesmo sendo cidade polo e com o título de Cidade dos Cafés Especiais, ainda tem uma participação tímida”, completa.
Café que encanta no sabor e na ciência
A qualidade dos cafés da região já é reconhecida por especialistas. “O Jorge, Q-Grader da Stockler, disse que o café daqui tem mais corpo que o do Caparaó e mais doçura que o do Cerrado. Isso é incrível”.
Um exemplo disso foi o lote “Dama da Noite”, produzido em Santa Bárbara, que encantou pelo aroma floral. “Você sente o cheiro da flor dama da noite, só que suave. Isso é o café especial: emoção, memória e técnica juntas”.
Além da tradição, a região já explora técnicas modernas como fermentação controlada com leveduras naturais, desenvolvidas com apoio da Universidade Federal de Lavras (UFLA). “Coletaram leveduras naturais aqui, multiplicaram em laboratório e hoje alguns produtores fazem fermentações com controle total. Com isso, chegam a notas acima de 90 pontos”.
Muito além do grão: turismo, serviços e economia local
O impacto da cafeicultura vai além da lavoura. “Esse café que movimenta o comércio, a prestação de serviços, que gera turismo. Tem empresas vindo conhecer fazendas. É o turismo de negócios”.
Mauro Grossi deixa uma mensagem de otimismo e chamada à ação: “O café é o que move essa região. Precisamos do poder público junto. Temos R$ 2 bilhões circulando aqui. Esse dinheiro é gasto em Caratinga. Não dá pra ignorar isso. Com apoio, vamos muito mais longe. Precisa de mais atuação dos poderes executivo e legislativo, Como eu falei, uns já estão dando show, o caso de Santa Bárbara, outros estão começando e outros não estão fazendo nada. Sozinhos, nós produtores, não conseguimos, porque a nossa capacidade de movimentação é pequena. O poder público tem mais acesso a programas, a apoio. Ele tem mais acesso, a gente não tem”.
Conforme Mauro, o apoio público é fundamental para colocar outros projetos em prática. “Então, muitas vezes, a gente fica meio agarrado. Na associação, a gente tem um monte de projetos, mas ainda não conseguimos as parcerias para poder dar prosseguimento. Muitas vezes, essa parceria vem do poder público, seja municipal, seja estadual e até mesmo federal”.

 

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