CARATINGA – O auditório do Espaço Cultural FUNEC recebeu, na noite de quarta-feira (26), o lançamento do livro “Vozes Não Ouvidas – Histórias Delas”, obra que reúne relatos de benzedeiras e professoras leigas do Leste de Minas. O projeto é resultado de uma parceria entre o Instituto Federal do Norte de Minas, o Centro Universitário de Caratinga (UNEC) – por meio do curso de Letras – e uma docente do curso de Direito de Ipatinga. Construído a muitas mãos, o livro nasce de um trabalho de escuta atenta, cuidado e recriação literária.
A professora Simone Capperucci, coordenadora do projeto, explica que o livro foi organizado em duas partes: “Uma delas é dedicada às benzedeiras, mulheres que guardam saberes ancestrais e comunitários. A outra reúne histórias de professoras leigas, responsáveis por garantir o acesso mínimo à educação e alfabetização para milhares de crianças e jovens. O UNEC ficou responsável por transformar os relatos dessas professoras em narrativas literárias, com sensibilidade e responsabilidade. É um trabalho que dá visibilidade ao que o país quase nunca registrou”, afirmou.
Os estudantes iniciaram a pesquisa quando ainda estavam no 2º período do curso de Letras. Visitaram comunidades, conversaram com as professoras e escreveram a partir da memória e da oralidade dessas mulheres. Agora, já no 6º período, viram o esforço de anos ganhar forma impressa.
Para a coordenadora do curso de Letras, Carolina Sena, o lançamento representa um marco. “É muito significativo para nós entregar à comunidade um livro que nasce do encontro entre gerações. Os alunos exercitaram não apenas a escrita, mas a escuta. E perceberam que literatura também é responsabilidade social”, destacou.
Entre as homenageadas, estava a professora leiga Geralda Moreira Toledo, que iniciou sua trajetória como serviçal de uma escola e, mais tarde, foi convidada a assumir uma sala de aula. “Eu me dediquei muito. Comecei sem acreditar que poderia, mas fui aprendendo e cheguei até a ter a carteirinha do MEC. Sou muito grata por ter sido lembrada. A escola sempre foi o meu lugar”, disse, emocionada.
Outra convidada especial foi Maria José Franco, que lecionou na zona rural de Sobrália entre 1971 e 1975. Ela recordou os desafios da época: “A gente fazia de tudo. Tinha bolso vazio, mas coração cheio. Eu caminhava longas distâncias para não deixar meus alunos sem aula. Ver minha história registrada é como reviver aqueles tempos. Não foram fáceis, mas foram bonitos”, contou.
Para os estudantes, o trabalho representou mais do que um exercício acadêmico: foi um encontro com suas próprias motivações. A aluna Marcella Fernandes afirma que escrever a narrativa que lhe coube foi transformador. “A cada frase, eu pensava na responsabilidade de honrar aquela mulher. Não queríamos apenas contar; queríamos sentir junto. Foi um aprendizado de vida.” Já Adrielly Soares ressalta que o projeto reforça a importância das professoras leigas para a educação brasileira. “Elas fizeram muito com muito pouco. Nós, futuros professores, precisamos saber de onde viemos.”
O projeto teve início ainda na coordenação do professor Sebastião Machado, hoje responsável pelo curso de História. Ele acompanhou o desenvolvimento da proposta. “As professoras leigas foram pilares do desenvolvimento social em muitas regiões do país. Resgatar suas histórias é reconhecer que a educação brasileira foi construída também por quem não tinha diploma, mas tinha disposição, coragem e vocação. Parcerias como essa mostram que a universidade precisa dialogar com a memória das comunidades”, destacou.
O livro “Vozes Não Ouvidas – Histórias Delas” reúne, assim, experiências que antes viviam apenas na lembrança. Como afirmam os organizadores, trata-se de uma obra que transforma memória em permanência, palavra em corpo, vida em literatura. Uma forma de garantir que, a partir de agora, nenhuma dessas vozes seja deixada em silêncio.
