“Francisco: A caixinha de guardar beijinhos”

Escritora transforma dor em legado ao narrar a vida do filho, que faleceu aos 15 anos, vítima da Síndrome de Marfan

 

CARATINGA– O domingo (5) será marcado por um momento de emoção e partilha em Caratinga. A escritora Maria da Conceição Martins Santana lança o livro “Francisco: A caixinha de guardar beijinhos”, obra que eterniza a trajetória de vida de seu filho, Francisco Neto, uma criança portadora da Síndrome de Marfan que, apesar dos desafios impostos pela doença, deixou um legado de amor, gratidão e esperança.

O livro é, ao mesmo tempo, relato pessoal, documento familiar e mensagem universal sobre como enfrentar a dor e transformar sofrimento em aprendizado. Conceição conta que foram 15 anos intensos, pautados por dificuldades, mas também por suavidade, fé e alegria de viver.

“O Francisco nasceu já doentinho. Demorou muito para descobrir a síndrome que ele tinha. Desde as primeiras horas, foram momentos difíceis: problemas respiratórios graves, deformidades físicas. Mas ele sempre lidou bem com essas dificuldades. Ele era um menino que gostava da vida, tudo fazia ele feliz, qualquer mimo era motivo de alegria e gratidão”, relembra.

Uma vida de serenidade e gratidão

Conceição fala do filho com brilho nos olhos, descrevendo-o como um verdadeiro anjo. “Ele não tinha mágoas no coração. Nunca teve maldade. E a gente vê hoje crianças pequenas que já têm alguns pensamentos ruins em relação ao outro. O Francisco, não. Ele sempre foi puro, sempre foi um anjo. As pessoas que conviviam com ele diziam isso”.

Mesmo enfrentando limitações severas, Francisco nunca perdeu a esperança. “Era dificuldade para respirar, dificuldade para dormir, dificuldade para fazer qualquer atividade física. Mas ele nunca desanimou. E até os últimos dias da vida dele foram de serenidade. Quando foi transferido de helicóptero para Belo Horizonte, eu não pude acompanhá-lo e ele me perguntou: ‘Mãe, quem vai comigo?’. Eu respondi: ‘Meu filho, Deus, que sempre esteve com você’. E ele me disse: ‘Eu te amo, mãe’. Eu respondi: ‘Eu também te amo demais’. Essas foram as últimas palavras que trocamos”.

Francisco faleceu em 24 de junho de 1999, no dia do aniversário de Caratinga. Ele estava sendo transferido para Belo Horizonte, mas veio a óbito durante o voo. “Ele partiu deixando um rastro luminoso. Apesar da dor, foi uma despedida em paz”, resume Conceição.

A “caixinha de guardar beijinhos”

O título do livro nasceu de um gesto de amor entre mãe e filho. Trata-se de uma metáfora criada pela mãe para amenizar a dor do filho diante das perguntas das crianças sobre a deformidade torácica que possuía. “Eu dizia que era a caixinha da mãe guardar beijinhos. E eu guardei milhões de beijinhos naquela caixinha. Posso garantir que ela partiu daqui lotada de amor. Isso mostra como a gente pode transformar uma dor, uma deformidade, em algo bonito. Depende muito da sensibilidade e do olhar que a gente tem”, destaca.

A escritora acredita que a trajetória de Francisco deixou ensinamentos não apenas para a família, mas para todos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo. “Ele me ensinou muito. Eu sempre fui de temperamento forte, muito agitada. Mas o Francisco veio me mostrar que as pessoas são iguais, que precisamos respeitar os limites do outro. Ele me ensinou que o mais importante não é o que vemos por fora, e sim o que está dentro de cada um. Ele demosntrou serenidade no sofrimento”.

Além de preservar a memória do filho, Conceição quis registrar a história como herança para as gerações futuras. “Resolvi colocar os textos em ordem e escrever um livro para deixar como memória para os meus netos, bisnetos e todos que virão. É uma forma de documentar a vida dele, porque a gente escreve pouco sobre a família e acaba deixando muita coisa cair no esquecimento. Esse livro é uma recordação e também uma lição de vida”.

Mais que um livro, uma missão

O lançamento de “Francisco: A caixinha de guardar beijinhos” é também uma forma de acolher outras famílias que enfrentam doenças raras. “Quero que as pessoas que têm a Síndrome de Marfan possam ter acesso ao livro. Aqui em Caratinga há pouquíssimos casos, mas existem. É uma doença grave, que afeta o tecido conjuntivo e compromete vários órgãos. Meu filho, se tivesse que viver mais tempo, ia ficar cego. Ele ia parar de andar, ia complicar bastante a vida dele. Eu digo que Deus o levou no melhor momento da vida dele, no auge”, afirma.

Conceição faz questão de reforçar que a obra não tem objetivo comercial. “Eu não gostaria de vendê-lo, mas é necessário cobrar um valor simbólico para cobrir as despesas. Quem quiser adquirir pode ligar para mim no telefone (33) 99944-2928 que eu levo até onde a pessoa estiver. Mais do que tudo, quero que esse livro chegue a quem precisa se sentir tocado, confortado e até animado”, afirma.

Um convite à reflexão

Mais do que a memória de um filho, o livro é um convite para pais, educadores e profissionais da saúde refletirem sobre a importância de cuidar das crianças com dignidade, ternura e respeito. “Educar sem perder a ternura, respeitar limites, valorizar o outro. Essa é a mensagem que Francisco nos deixou. E também lembrar que gestos simples de carinho — um abraço, um beijo — ainda são o melhor remédio”, conclui Conceição.

O lançamento da obra conta com o apoio do Casarão das Artes e do Sicoob.

O livro é, ao mesmo tempo, relato pessoal, documento familiar e mensagem universal sobre como enfrentar a dor e transformar sofrimento em aprendizado
A escritora acredita que a trajetória de Francisco deixou ensinamentos não apenas para a família, mas para todos que tiveram a oportunidade de conhecê-lo (Foto: Arquivo)

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