Geriatra Sabrina Guerson explica as diferenças entre o Alzheimer e a doença diagnosticada em Milton Nascimento
CARATINGA – A demência por corpos de Lewy (DCL), diagnosticada no cantor Milton Nascimento e confirmada pela família no último dia 2, é um dos tipos mais comuns de demência. Milton, de 82 anos, já havia recebido diagnóstico de Parkinson.
O caso reacende a discussão sobre as doenças neurodegenerativas que afetam memória, comportamento e movimento. Situação semelhante vive o ator Bruce Willis, que deixou a atuação em 2022 após diagnóstico de afasia — e, posteriormente, de demência frontotemporal, conforme anunciou sua família em 2023.
Para compreender melhor o que é a DCL, suas diferenças em relação ao Alzheimer e como ocorre o diagnóstico, conversamos com a geriatra Sabrina Guerson.
O que é a demência por corpos de Lewy e como ela se diferencia da doença de Alzheimer?
A demência por corpos de Lewy é a segunda demência neurodegenerativa mais comum, ficando atrás apenas do Alzheimer.
A diferença entre as duas está nas proteínas que se acumulam no cérebro: na DCL, há acúmulo de alfa-sinucleína; no Alzheimer, são as proteínas beta-amiloides, que formam as chamadas placas amiloides.
Na DCL, os sintomas motores costumam aparecer antes dos sintomas cognitivos. O declínio da memória não é tão acentuado quanto no Alzheimer — os pacientes apresentam mais déficit de atenção, dificuldade de planejamento e execução de tarefas e alterações visuoespaciais (como desenhar ou reconhecer figuras).
Um sintoma marcante da DCL são as alucinações visuais vívidas: o paciente acredita realmente estar vendo pessoas, crianças ou figuras já falecidas. Isso ajuda a diferenciá-la do Alzheimer, em que o comprometimento de memória é mais progressivo.
A DCL tende a surgir em idades mais precoces, abaixo dos 60 anos, enquanto o Alzheimer aparece, em geral, após os 65 anos.
Quais são os principais sintomas cognitivos e motores dessa demência?
Os sintomas motores são bastante característicos. O paciente começa a andar mais devagar, com instabilidade postural, inclinando o corpo para frente e arrastando os pés. Há também movimentos lentos (bradicinesia), tremores finos e sintomas autonômicos, como queda de pressão ao se levantar e prisão de ventre.
Do ponto de vista cognitivo, há dificuldade de atenção, problemas de cálculo e planejamento de ações simples — como abrir uma porta ou destrancar uma chave. O paciente também apresenta déficit nas habilidades visuoespaciais e flutuações de atenção: em alguns momentos está atento, e logo em seguida perde totalmente o foco da conversa.
Quais são os principais desafios para o diagnóstico precoce?
O diagnóstico precoce é difícil porque os sintomas motores e cognitivos aparecem de forma sobreposta e podem se confundir com Parkinson ou Alzheimer.
Além disso, há variações de intensidade e flutuação dos sintomas. Testes de rastreio cognitivo e exames de imagem ajudam, mas exigem equipe treinada e acompanhamento detalhado.
Por que muitos pacientes com corpos de Lewy acabam sendo inicialmente diagnosticados com Parkinson?
Porque as manifestações iniciais são muito parecidas: lentidão dos movimentos, marcha arrastada, quedas e tremores.
A diferença está no tempo de aparecimento dos sintomas cognitivos.
Na demência por corpos de Lewy, eles surgem em menos de um ano após o início dos sintomas motores. Já no Parkinson, o comprometimento cognitivo aparece só depois de um ano ou mais.
Além disso, na DCL os tremores costumam ser simétricos, enquanto no Parkinson eles são geralmente assimétricos.
Que exames ajudam a distinguir a DCL de outras síndromes demenciais?
Os exames mais acessíveis são a ressonância magnética e a tomografia de crânio, que podem mostrar diferenças, como a atrofia do hipocampo, típica do Alzheimer.
Nos grandes centros, existem exames mais avançados, como o SPECT e o PET scan, que utilizam marcadores para detectar baixa captação de dopamina nos núcleos da base do cérebro — um achado característico das doenças neurodegenerativas com sintomas motores.
Quais fatores de risco são modificáveis e passíveis de prevenção?
São os mesmos das doenças cardiovasculares:
– Manter atividade física regular;
– Controlar hipertensão e diabetes;
– Evitar tabagismo e consumo excessivo de álcool;
– Reduzir estresse e obesidade;
– Dormir bem e manter sono reparador.
Esses fatores reduzem o risco de inflamação crônica e ajudam a preservar a saúde cerebral. A prevenção deve começar ainda na juventude, com um estilo de vida saudável.
Qual é a estimativa de prevalência da DCL entre idosos no Brasil?
Atualmente, a demência por corpos de Lewy representa entre 15% e 20% dos casos de demência, o que a torna bastante relevante. Ela só perde em frequência para o Alzheimer.
Qual é o papel dos medicamentos no manejo da doença, já que não há cura?
Não existe cura, mas há tratamentos para controlar sintomas e melhorar a qualidade de vida.
A abordagem deve ser multidisciplinar, com terapia cognitivo-comportamental, fisioterapia, terapia ocupacional, nutrição, fonoaudiologia e suporte psicológico.
Os anticolinesterásicos, usados também no Alzheimer, ajudam na cognição.
Nos casos com sintomas neuropsiquiátricos, pode-se usar antipsicóticos, mas com extremo cuidado, pois pacientes com DCL são muito sensíveis a esses medicamentos — apenas a clozapina é considerada mais segura.
Também podem ser utilizados antidepressivos para o controle de sintomas emocionais.
Por que a alteração da dopamina é uma pista importante na DCL?
Porque a dopamina está diretamente ligada ao sistema motor. Nas doenças neurodegenerativas que afetam o movimento, como Parkinson e DCL, há redução da dopamina nos núcleos da base do cérebro, o que explica a lentidão, os tremores e a rigidez.
A identificação dessa disfunção dopaminérgica é fundamental para o diagnóstico diferencial.
De que modo hábitos de vida saudáveis podem atuar como fatores protetores?
De forma global. Hábitos saudáveis são fatores protetores para todas as doenças cardiovasculares e neurológicas.
A prática de atividade física aeróbica e musculação, alimentação balanceada — especialmente no padrão mediterrâneo, com peixes, carnes brancas, vegetais, frutas, fibras e ômega 3 —, controle de peso e glicemia ajudam a reduzir inflamações e preservar o cérebro.
Atividades que estimulam o raciocínio e a memória, como leitura, jogos e aprendizado de novas habilidades, também exercem papel fundamental na proteção cognitiva.
Curiosidades e casos famosos


– Prevalência: 15% a 20% dos idosos brasileiros.
– Sintomas característicos: alucinações visuais, lentidão motora, déficit de atenção e alterações visuoespaciais.
– Fatores modificáveis: hipertensão, diabetes, obesidade, tabagismo, álcool, estresse, sono inadequado e sedentarismo.

