103 anos navegando nas ondas do rádio

Rádio Caratinga é parte viva dessa trajetória centenária no Brasil

CARATINGA – Radialistas de diferentes gerações de Caratinga se reuniram na tarde desta quinta-feira (25), no programa apresentado por Marcos Inácio na Rádio Sistec, para celebrar os 103 anos do rádio no Brasil. O encontro reuniu vozes que marcaram época e novas referências da comunicação local, em uma conversa cheia de nostalgia, mas também atenta ao presente e de olhos voltados para o futuro desse meio que continua essencial na vida das pessoas.
Rádio no Brasil
O rádio chegou ao Brasil em 1922, durante as comemorações do centenário da Independência, quando o então presidente Epitácio Pessoa autorizou a instalação de transmissores para que parte da população acompanhasse os discursos oficiais e a programação festiva. Poucos tinham acesso aos receptores naquele momento, mas a novidade já mostrava sua força.
No ano seguinte, em 1923, nasceu a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, marco pioneiro da radiodifusão brasileira. O que antes parecia apenas uma curiosidade técnica passou a ocupar espaço no cotidiano das pessoas. Entre as décadas de 1930 e 1950, o rádio viveu sua chamada “era de ouro”, consolidando-se como principal veículo de entretenimento e informação do país. Programas humorísticos, radionovelas, musicais e transmissões esportivas cativaram milhões de ouvintes, revelando artistas e comunicadores que se tornaram ícones nacionais.
A popularização dos aparelhos fez do rádio uma verdadeira companhia para as famílias brasileiras, chegando tanto aos lares urbanos quanto às zonas rurais mais distantes. Sua portabilidade e acessibilidade o transformaram em um dos meios de comunicação mais democráticos do país. Mesmo com a chegada da televisão e, mais tarde, da internet, o rádio não perdeu espaço: reinventou-se, apostando em FM, rádios comunitárias, transmissões digitais e podcasts, mantendo-se próximo ao público.
Em Minas Gerais, essa expansão ganhou força também no interior, e Caratinga foi parte importante dessa trajetória. Em 1943, o português Ezequiel Augusto trouxe para a cidade uma inovação curiosa: o serviço de alto-falante City Rádio Caratinga, que diariamente, às 15h, transmitia músicas, informações, comerciais e até narrações de corridas de bicicletas. Cinco anos depois, aquele embrião daria lugar à Rádio Sociedade Caratinga, identificada como ZYS-6.
Inicialmente administrada por empresários de Teófilo Otoni, a emissora logo passou ao comando de caratinguenses: José Moreira Dias, Monir Ali Saygli e Eurico Gade. Coube a Eurico a direção, marcada por décadas de pioneirismo e inovação. Sob sua liderança, a Rádio Caratinga tornou-se referência regional e uma das mais respeitadas emissoras de Minas e do Brasil. Mais tarde, em parceria com Humberto Luiz, expandiu os negócios, criando as rádios FM 94,1 e Rádio Cidade. Em 1992, já sob a condução de George Gade, o grupo deu um passo ainda mais ousado, com a criação da TV Sistec, consolidando o Sistema Caratinga de Comunicação.
Assim como o rádio no Brasil, que há mais de um século se reinventa para continuar atual, a Rádio Caratinga também segue em constante modernização, mantendo viva sua missão de informar, entreter e conectar pessoas. Mais do que um meio de comunicação, o rádio é parte da identidade cultural brasileira — e, em Caratinga, sua história é também a própria história da cidade, narrada em ondas sonoras que atravessam gerações.

“O principal legado é a tradição que o rádio manteve” – Carlos Alberto Fontainha

Para o jornalista e radialista Carlos Alberto Fontainha, o maior legado do rádio está na sua capacidade de unir um país continental. “Eu me lembro muito das cadeias de rádio, ao tempo do futebol, principalmente a cadeia verde e amarela. Em cada recanto do Brasil havia uma cidade polo. E Caratinga, por natureza, era uma dessas cidades polo. Desde 5 de novembro de 1948, quando ganhou sua emissora, a cidade passou a se projetar”, recorda.
Fontainha relembra nomes que ajudaram a consolidar essa tradição local. “Nos anos 1970, a Rádio Caratinga tinha José Carlos Cerqueira, de uma redação imensa, com textos fortes, embora sem a voz tradicional de locutor. Já o Geraldo Araújo é outra lenda, que nos remete aos primórdios do rádio. E, claro, não dá para esquecer Roquette Pinto, pai do rádio no Brasil. Esse rádio nacional se tornou rádio regional através da Rádio Caratinga.”

“A Rádio Caratinga era o porta-cartas da população” – José Carlos Cerqueira

Radialista e diretor da Rádio Cidade, José Carlos Cerqueira destaca a proximidade que a emissora criou com a comunidade. “Na época, Caratinga tinha dezenas de distritos sem posto de correio. Então, quando os filhos iam estudar fora, a forma de comunicação era a Rádio Caratinga. Havia pilhas de cartas, e a emissora lia os recados ao vivo. Antes do WhatsApp, das redes sociais e até mesmo do telefone, a rádio era o elo entre famílias”, explica.
Essa integração também se manifestava no esporte. “O saudoso Nelson Souza, redator esportivo, fazia intercâmbio entre equipes de futebol dos distritos. Um jogo entre Vasquinho da Cachoeira Alegre e Flamengo da Rua da Cadeia ganhava repercussão porque a rádio divulgava. Imagine o que significava para essas comunidades ouvir seus times no rádio.”
Além das notícias, os programas também marcaram gerações. Cerqueira cita com emoção a parceria com Fernando França.
“Ele criou o programa ‘Pra Seu Governo’, depois de estrear com ‘Falando Francamente’. Foi meu professor de comunicação, autodidata, genial no texto e no senso crítico. Tive a honra de compartilhar com ele 20 anos de parceria, e até hoje, quando vou a São Paulo, muita gente ainda se lembra desse programa.”

“A nova geração não pode abrir mão do prazer de ouvir rádio” – Cleon Coelho

Para o radialista Cleon Coelho, a internet não substituiu o rádio, mas ampliou seu alcance. “Hoje eu tenho ouvinte no Maranhão, em Belo Horizonte e até fora do Brasil. Isso era impossível antes da internet. Mas o erro está em achar que o rádio acabou. A nova geração precisa descobrir o prazer de ouvir rádio. É uma experiência única, que coloca a imaginação para funcionar, como um livro que ganha vida na cabeça do leitor.”

“O rádio encantava porque permitia imaginar” – Wask de Morais

O radialista Wask de Morais recorda a interação intensa com os ouvintes. “Na roça, durante a colheita de café, todo mundo levava o radinho. Esperavam pelos recados, pelos pedidos de música, pelas cartas com anúncios de namoro ou avisos do padre. Era o elo da comunidade. A voz do locutor despertava encanto e criava fantasias. Muitos imaginavam o locutor como um príncipe, e se surpreendiam ao conhecer pessoas simples por trás da voz. Isso era o grande fascínio do rádio.”

“Notas de falecimento e músicas pagas eram fontes de renda” – José Carlos Cerqueira, Fontainha e Wask

Os radialistas lembram curiosidades do passado. “As famílias pagavam para anunciar falecimentos. Outras compravam espaço para ouvir músicas dedicadas, como Chuva de Arroz, sucesso nos casamentos. Havia até tabela diferenciada para quem queria a música em horário específico”, recordam.
Essas práticas, hoje impensáveis, revelam como o rádio estava presente em momentos decisivos da vida cotidiana — da alegria de um casamento ao luto de uma despedida.

“O futuro é híbrido: rádio e redes sociais juntos” – Rogério Silva

Para o radialista e colunista Rogério Silva, o futuro já chegou. “O rádio não é mais só a caixinha em cima da mesa. Ele está no celular, no carro, na academia. A pandemia mostrou isso, com o aumento de audiência dentro dos lares. E o diferencial é a credibilidade: nas redes sociais há fake news, mas o rádio continua sendo referência. Quem não se adaptar ao formato híbrido, integrando rádio e redes sociais, vai ficar limitado.”

“A grande lembrança é o carinho do ouvinte” – Geraldo Araújo

Veterano do rádio, Geraldo Araújo fala com emoção: “Quem passa pelo rádio aprende demais. Trabalhei com nomes como Walter Nunes, Zé Carlos, Fontainha e Fernando França. O ouvinte sempre foi a razão de tudo. Ele acreditava: se saiu no rádio, está falado. Recebíamos sacos e mais sacos de cartas, que nunca conseguimos atender por completo. A lembrança mais forte é essa: o carinho do público, a certeza de que o rádio fazia parte da vida de cada um.”

“Minha homenagem é ao Coronel Chiquinho” – José Carlos Cerqueira

Entre as memórias, Cerqueira destaca um personagem inesquecível: “O Coronel Chiquinho, precursor do Walter Nunes, foi quem me acolheu. Era uma figura única, falava de um jeito que a gente da cidade quase não entendia, mas o pessoal da roça compreendia perfeitamente. Ele se tornou uma entidade no rádio, e guardo dele uma enorme saudade.”
Força que se mantém e se reinventa
Ao completar 103 anos no Brasil, o rádio mostra que sua força está na reinvenção constante — mas também na tradição, no vínculo afetivo e na credibilidade. Em Caratinga, essa história se confunde com a da própria cidade, transmitida geração após geração em ondas sonoras que seguem navegando pelo tempo.

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