Resposta para a insatisfação humana

Uma das maiores características do ser humano é a insatisfação. E essa não é uma característica de “fulano” ou de “ciclano”, como sempre ouvimos alguém reclamar, pois essa insatisfação é uma característica humana, ela está profundamente enraizada dentro de casa um de nós. Os motivos aparentes dessa insatisfação podem mudar de pessoa para pessoa, mas, seja por um motivo ou outro, todos nós somos ou estamos insatisfeitos com alguma coisa, mesmo buscando constantemente a satisfação completa.

Podemos, em um lapso de sanidade, olhar para nossa vida e nossas conquistas e, nesse momento, entender que nossa insatisfação é infundada, pois temos e conseguimos muitas das coisas que sempre sonhamos e que, no lugar da insatisfação constante, deveríamos estar felizes, agradecidos e satisfeitos. Mas, indo contra toda a realidade de nossas conquistas, a insatisfação insiste em persistir e continuar.

Nesse texto quero tratar de dois motivos para que, por mais que tenhamos motivos para estarmos satisfeitos, continuamos nossos dias sempre nos esforçando e lutando para alcançarmos sempre mais do que aquilo que já temos, de maneira a nunca estarmos satisfeitos com aquilo que já conquistamos

Primeiro, quero falar do motivo apresentado pelo psicanalista Jacques Lacan. Para Lacan, a insatisfação é o motor e o combustível que nos move. Segundo Lacan, é essa constante insatisfação que faz cada ser humano levantar todos os dias e ir atrás daquilo que ele deseja, e quando alcançamos o objeto desejado, nosso inconsciente automaticamente elege outro objeto como nova fonte de busca e desejo, de forma a sempre permanecermos desejando e buscando algo. E, nessa luta de alcançar tal (ou tais) objetos, nós continuamos nos movimentando e tendo motivos para nos levantar todos os dias. Esse ciclo em Lacan é um ciclo contínuo, onde desejamos algo, conquistamos e, automaticamente, nosso desejo passa para uma outra coisa que ainda não temos.

Dessa forma, vivemos nossos dias seguindo a fórmula: desejo + conquista = insatisfação + novo desejo. E assim, o ciclo sempre se repete, de forma que podemos dizer que sempre buscamos a satisfação, mas nunca a alcançamos. De certa forma, essa insatisfação é um desejo de retornarmos a satisfação plena e completa que um dia já tivemos quando ainda estávamos dentro do útero materno, onde recebíamos e tínhamos tudo aquilo que precisávamos, e desfrutávamos de tudo isso sem nenhum esforço. Nesse contexto, nossa luta e insatisfações diárias seriam a nossa constante tentativa de voltar ao estado original, de satisfação completa, sem esforço ou preocupações.

O ser humano, segundo Lacan, é marcado por uma falta estrutural, algo impossível de ser totalmente preenchido. É por isso que o desejo nunca se encerra, nunca termina, quando conquistamos um objeto específico: quando conquistamos algo, logo percebemos que não era “aquilo” que realmente preencheria o vazio, e então passamos a desejar outra coisa. A palavra e a ideia de “insatisfação” neste texto, mesmo não sendo o termo utilizado por Lacan, serve como uma ponte entre a teoria lacaniana e a nossa experiência cotidiana, onde sentimos constantemente esse vazio e essa busca incessante por algo a mais.

O segundo ponto que quero abordar é a origem da insatisfação humana proposta por Salomão, quando o mesmo diz que Deus “colocou a eternidade no coração do homem” (Eclesiastes 3:11). Assim, a satisfação humana somente será alcançada quando conseguirmos alcançar essa eternidade, pois, segundo a cosmovisão cristã, será o período em que aqueles que creem e amam a Deus estarão com Ele (Deus), experimentando eternamente a satisfação plena.

Essa perspectiva bíblica encontra eco em outras passagens das Escrituras. O salmista, por exemplo, declara: “Como o cervo anseia por águas correntes, assim minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo” (Salmo 42:1-2). Aqui vemos que, para o salmista, a insatisfação não é apenas uma falha ou um problema humano, mas um clamor existencial que aponta para a necessidade de relacionamento com o Criador. Assim como a sede física só pode ser saciada com água, a sede interior do homem só pode ser saciada em Deus.

Jesus também abordou essa mesma realidade ao dizer à mulher samaritana: “Quem beber desta água tornará a ter sede, mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (João 4:13-14). Com isso, Jesus deixa claro que todo esforço humano por satisfação neste mundo é limitado e passageiro. Apenas a água da vida, oferecida por Ele, pode cessar a insatisfação eterna do coração humano.

Dessa forma, podemos concluir que a insatisfação humana, explicada por Lacan como motor do desejo e, na perspectiva bíblica, como um anseio pela eternidade, revela uma mesma verdade: fomos feitos para algo além deste mundo. Todos os bens, conquistas e prazeres terrenos têm seu valor, mas jamais serão suficientes para aplacar o vazio profundo que carregamos dentro de nós. Esse vazio não é defeito, mas um sinal: ele aponta para o Eterno. E, por mais que o ciclo do desejo nos mantenha vivos, se concordarmos com a cosmovisão cristã, chegaremos à conclusão de que somente em Deus que encontramos descanso para essa busca incessante e, finalmente, a verdadeira satisfação.

Enquanto isso, viveremos nossas vidas e cada um de nossos dias na eterna busca de algo que nunca alcançaremos plenamente, e é justamente essa busca incessante que impulsiona e nos motiva dia após dia.

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