O Dia Em Que Tentei Viver

Já faz alguns anos, mas me lembro (com certo pesar), daquele dia em que resolvi esquecer os problemas e ser feliz. Felicidade é um conceito demasiadamente debatido por inúmeros filósofos e críticos do facebook.

A busca pela ataraxia (conceito propagado inicialmente pela filosofia helenística) sempre foi algo que me chamou a atenção. Contudo, as dúvidas, quase sempre, superam as certezas. Nem os próprios helenísticos, tal como Epicuro, Górgias e Diógenes, chegaram em um consenso definitivo para a definição da felicidade.

Eu, como todo cult depressivo, aprecio a definição de Nietzsche. O nosso mórbido pensador acreditava que “estar bem” não é, de fato, felicidade, e sim uma condição passageira do nosso estado mental, que pode variar conforme as adversidades do dia. Felicidade seria justamente a superação dessas adversidades.

Nesse sentido, lá estava eu, em um lindo domingo de sol pela manhã. No dia em que tentei viver.

Nesse dia, eu acordei o mesmo, como em qualquer outro dia. Mas… Existia uma voz em minha cabeça. Uma voz turva, doce, lembrava tons escuros. Suavemente, me dizia:

– Aproveite o dia. Vá e vença.

O sol brilhante imponente, o céu azul tropical, a brisa fria e suave vinda do litoral atlântico sul. Tudo conspirava para um excelente dia.

Nesse dia, resolvi enfrentar todos os meus medos. Neste dia, resolvi correr, pular, rir, beijar o chão e olhar o mundo, real e bonito, ao meu redor.

Mundo real e bonito. Aristóteles dizia que a beleza é subjetiva aos olhos de quem vê. No dia em que tentei viver, vislumbrei o belo em meio ao caos que me cercava.

O dia em que tentei viver foi o pior dia da minha vida.

O dia em que tentei viver, eu vi as lâminas que cortam o coração e o sufocam. O dia em que tentei viver, eu sucumbi ao lenço que tapa o reflexo dos miseráveis. O dia em que tentei viver, eu assisti à competição do ego e da tortura emocional. O dia em que tentei viver, fui possuído pelo American Way Of Life e enxerguei o mundo segundo Ford.

O dia em que tentei viver, entreguei minha alma ao mundo dos homens, e em troca, recebi uma marca em minha testa.

No dia em que tentei viver, eu finalmente compreendi que a minha felicidade é o ponto mais alto do meu egoísmo, e concluí que a ataraxia nietzschiana só é alcançada por aqueles que se permitem a obstrução do glóbulo ocular do coração. Talvez estes sejam os famosos Cegos dos Castelo, de quem os Titãs tanto falavam.

Paulo Bonfá

Produtor cultural

luadecera.blogspot.com