Jacques Lacan, em sua releitura de Freud, estabeleceu a ideia de que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem” e que o sujeito humano se constitui a partir do desejo do Outro. Dentro desse contexto, a ideia do “assujeitamento” ao desejo do Outro tem sido algo que podemos ver claramente em nossa atualidade. Hoje, basta observar o comportamento dos influenciadores digitais para percebermos que eles são exemplos vivos da teoria lacaniana: a grande maioria dos influenciadores digitais se molda e se transforma constantemente para corresponder ao desejo daqueles que os seguem. Na tentativa de agradar e alcançar mais seguidores, não falam o que realmente pensam, mas aquilo que imaginam que o Outro deseja ouvir.
Com isso, o que vemos é a lógica do assujeitamento em plena atividade. O sujeito, que acredita ser livre para criar e se expressar, está, na verdade, cativo das demandas simbólicas que o cercam. Não generalizando, a maioria dos influenciadores vive em função do olhar do público, prisioneira de métricas e algoritmos que transformam curtidas e visualizações em critérios de valor existencial. Nesse contexto, o “eu” se dissolve diante do tribunal invisível das massas digitais, que assumem o papel de um “grande Outro” difuso e implacável, determinando quem deve ser celebrado e quem deve ser esquecido.
Nesse contexto, o “eu” se torna apenas um reflexo das expectativas externas. Lacan vem nos ensinar que o sujeito se forma justamente nessa falta, nessa impossibilidade de ser pleno, completo, e, por isso, busca reconhecimento fora de si. Nas redes sociais, essa busca se transforma em uma corrida interminável, em que nunca se alcança a satisfação. O influenciador acaba perseguindo um desejo que nunca se completa, sempre pressionado a gerar mais conteúdo, mais exposição, mais espetáculo.
Essa dinâmica gera o que Lacan chamou de gozo (jouissance, em francês): um misto de prazer e sofrimento. O prazer das curtidas vem acompanhado da angústia de não ser suficiente, de sempre querer mais, da pressão de manter relevância, do medo constante de desaparecer em meio aos outros influenciadores. O gozo das redes é cruel: oferece gratificação imediata, mas nunca a plenitude; segundo Lacan, nunca encontraremos essa plenitude, seja em qual área for. Nesse sentido, esse exemplo das redes se mostra como a reprodução exata da lógica lacaniana de que o desejo humano é estruturado em torno de uma falta que jamais se preenche, tornando o sujeito sempre preso às demandas e desejos do Outro.
Assim, vemos muitas vezes que, em nome da “autenticidade”, constroem-se identidades padronizadas, moldadas segundo o que o público deseja ver. Dessa forma, o sujeito digital vive “assujeitado”, vivendo em um contexto onde o influenciador se torna marionete do olhar do Outro, preso aos desejos e às expectativas de seus seguidores.
Mas isso não é algo restrito ao meio digital, já que, mesmo no mundo real, também podemos facilmente ver esse assujeitamento em prática quando vemos pessoas vivendo suas vidas completamente pautadas pelos olhares, críticas, anseios e desejos dos outros, vivendo suas vidas na constante busca pela satisfação do Outro.
Diante disso, vale refletir: até que ponto vale a pena viver apenas para satisfazer aquilo que os outros esperam de nós, tanto no mundo virtual quanto no real? Lacan nos lembra que jamais estaremos completamente livres do olhar do Outro: ele sempre nos atravessa de alguma forma. Com isso, devemos reconhecer que estamos assujeitados a essas expectativas, mas que devemos buscar não nos reduzirmos a elas. A verdadeira liberdade não está em agradar a todos, mas em ter coragem de falar e agir de um jeito que, mesmo influenciado pelo Outro, ainda revele algo da nossa própria singularidade, de nosso próprio eu.