CINEMA DO MUNDO
A maioria do público que consome cinema no Brasil está acostumado com os filmes dos Estados Unidos, que por incrível que pareça não é o país que mais produz filmes por ano. Ancorado por Hollywood, os americanos produzem entre 600 e 700 filmes por ano em média, muito abaixo da média de 1200 da Índia e sua Bollywood. Até mesmo a Nigéria ultrapassa os Estados Unidos em número, fazendo cerca de 1000 filmes por ano, porém a grande maioria de baixo orçamento. Quando se fala de receita, os americanos vencem esmagadoramente: a movimentação é de cerca de 120 bilhões de dólares por ano contra 3,5 bilhões da Índia. A Nigéria fica atrás movimentando entre 500 e 800 milhões de dólares. Outros países famosos por sua cinematografia são França, Itália, Reino Unido, Espanha, Argentina e o próprio Brasil, dentre outros. Porém, nada impede que outro país surja com obras magníficas de tempos em tempos, independente de orçamento. Segue abaixo alguns exemplos.
TANGERINES
Estonia – Georgia/2013
De Zaza Urushadze
Com Lembit Ulfsak, Elmo Nüganen, Giorgi Nakashidze
Durante a guerra na Geórgia, região de Apkhazeti, um estoniano chamado Ivo se recusa a abandonar suas terras, ajudando seu vizinho Margus a cuidar de uma plantação de tangerinas. Quando dois soldados são feridos, ele começa a cuidar deles. O indicado ao Oscar de filme estrangeiro é um verdadeiro estudo de reflexão sobre a divergência de opiniões durante uma guerra. E o que leva duas pessoas que poderiam ser amigos a terem opiniões tão diversas a ponto de quererem matar um ao outro. O conceito de guerra é questionado do começo ao final deste espetacular filme. A trama segue os passos de um velho agricultor e seu vizinho que não veem problema em permanecer nas suas terras, que servem de campo de guerra a dois povos antagônicos, em busca de expansão territorial. A guerra poderia ser ficção, mas é um retrato real e recente. Só que os protagonistas e a tal plantação de tangerinas servem mais como mediadores para a verdadeira e sensacional história: dois soldados que são feridos e acabam por serem tratados na mesma casa. Só que eles estão em lados opostos na guerra. “Tangerines”, só com essa premissa, já torna-se superior a um monte de filmes de guerra que tentam retratar os horrores e a falta de sentido de algumas divergências que levam as pessoas a se tornarem inimigas de guerra, esquecendo-se que elas fazem parte de um grupo muito maior e mais importante, o de seres humanos.
TIMBUKTU
Mauritânia/2014
De Abderrahmane Sissako
Com Ibrahim Ahmed, Abel Jafri, Toulou Kiki, Layla Walet Mohamed
Um herdeiro de gados e sua família, que moram na região desértica de Timbuktu, enfrentam um grupo de jihadistas, que dominam a população local. O filme, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, é mais que uma simples história de um grupo dominado por rebeldes. O cineasta, que já mostrou em seu longa anterior “Bamako” uma história impactante, mostra como foi a influência dos invasores jihadistas no norte do Mali, no qual permaneceram por quase 1 ano espalhando terror na população. A trama foca em uma família, que sente na pele a nova influência na região. Porém, temos outras cenas que apresentam os métodos proibitivos do grupo. Em uma das cenas mais emblemáticas e chocantes do cinema, um grupo de adolescentes finge que está jogando futebol, sem bola, pois o esporte foi proibido. Uma outra mulher leve chibatadas por estar tocando música. O cinema de Abderrahmane Sissako revela-se um filme denúncia, por seus vários questionamentos sobre os atos dos extremistas, que se apoiam em conceitos religiosos e interpretações peculiares para dominar e oprimir um povo já bastante sofrido. “Timbuktu” sem dúvida é um filme necessário para entender os conflitos existentes em países com cultura totalmente diferente e ao mesmo tempo, que carrega as mesmas esperanças que qualquer outro ser humano do planeta.
IDA
Polônia/2013
De Pawel Pawlikowski
Com Agata Kulesza, Agata Trzebuchowska, Dawid Ogrodnik, Jerzy Trela
Durante a década de 60 na Polônia, Anna, uma jovem noviça, precisa decidir se realmente fará seus votos para virar freira. Só que uma visita à uma tia e as descobertas sobre sua vida podem fazer com que tome decisões inesperadas. O filme, com uma belíssima fotografia em preto e branco, foi um dos destaques de 2013, sendo indicado a 2 Oscar, Melhor Fotografia e Melhor Filme Estrangeiro, vencendo este último. A premissa já desperta o interesse do espectador e as discussões sociais, filosóficas e religiosas da trama mantém a atenção. A trama, apesar de seu ritmo lento, vai direto ao assunto, até mesmo para compensar a sua curta duração (porém na medida certa). A noviça Anna não conhece ainda o mundo em que vive, tendo vivido toda a sua vida no convento. Sua tia Wanda (em uma ótima interpretação de Agata Kulesza) é o agente responsável por apresentar tanto o lado bom quanto o mais doloroso de uma vida fora do convento. Aos poucos, Anna percebe a beleza e a angústia de novos conhecimentos, proporcionando o aumento de seus dilemas. A medida que seu passado vai ficando cada vez menos nebuloso, ela embarca em uma viagem de dúvidas e questionamentos, que acarretará em uma importante decisão na conclusão da trama. “Ida” é um dos filmes estrangeiros mais bem realizados de 2013, ainda mais com seu apelo ao retratar assuntos do pós-guerra e da perseguição aos judeus.
Warny Marçano é blogueiro do WCinema (www.wcinema.blogspot.com), composto por resenhas de filmes e notícias em geral da sétima arte.
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