Na era da sociedade denominada de modernidade líquida, em que o individualismo se torna a sua principal característica e que tudo parece se desfazer em uma velocidade alucinante, praticamente nada permanece por muito tempo, ao contrário tudo passa muito rápido, como se fosse descartável. Assim neste contexto que ganhou o codinome de praticidade, pensar no outro é uma prática que a cada dia paulatinamente fica mais distante.
Somos marcados por um egoísmo sem limites, pela total desconfiança de uns pelos outros, acredito que nem o mito de Narciso, no auge do seu narcisismo, conseguiria expressar com tamanha fidelidade o que estampa nossa sociedade. Olhar para o próprio umbigo nunca foi tão significante. Todavia estamos pagando um alto preço, basta pensarmos sobre as grandes aflições que assolam a humanidade.
Nesta direção, nada mais oportuno que o tema proposto pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) para a reflexão da Campanha da Fraternidade de 2020, eis o tema: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele”.
Um convite singular que nos provoca a uma autorreflexão: que o outro precisa ser notado, observado, visto, amado e principalmente cuidado. Um convite que propõe a ruptura do sentimento de inércia, de indiferença, de isolamento e até mesmo de solidão, que aos poucos vão ganhando raízes e se aprofundam em cada um de nós, deixando-nos frios, mesquinhos, cegos e descrentes da própria humanidade.
Perceber o outro, querer bem ao outro, torcer pelo sucesso do outro, acolher o outro, talvez seja um dos nossos maiores desafios. E não basta só ver, saber que existe, é preciso sentir, ter compaixão, e acima de tudo agir, cuidar, colaborar para que o outro cresça também, se desenvolva, tendo as oportunidades que lhe são pertinentes.
Não podemos mais ser indiferentes à pobreza que se mostra no rosto de milhares de pessoas famintas, perpetuando-se na sociedade das desigualdades que mantemos; não podemos mais ser indiferentes às mulheres que sofrem as mais diversas formas de brutalidades, como se o problema fosse só de quem apanha; não podemos mais ser indiferentes em relação aos moradores de rua, as crianças abandonadas, aos dependentes químicos, como se não tivéssemos nada com isso; não podemos mais ser indiferentes ao outro como se ele simplesmente não existisse.
Necessitamos cuidar, deixar brotar em nós esse sentimento de perceber o outro em sua totalidade. Mais do que ver o necessitado é preciso tentar se colocar no lugar da pessoa, pois só assim teremos compaixão e por consequência nascerá a coragem que estimulará a busca por mudanças. Lembrando que existem vários tipos de necessidades, como amor, afeto, compreensão, presença, alimento, dignidade… enfim, necessitamos de tudo que nos torna seres melhores. Tenhamos a coragem de ver, perceber e cuidar.
Walber Gonçalves de Souza é professor e escritor