*Irianna Chaves Spínola Barbosa
Vivemos um período de muitas reflexões: políticas, sociais, econômicas e, como não podia deixar de ser, de reflexões pertinentes a tudo o que interfere diretamente na interação familiar.
Nesse momento em que a tecnologia domina inúmeros ambientes e relações, faz-se pertinente pensar um pouco sobre as três descobertas maravilhosas que o homem fez recentemente: o aparelho celular, as redes sociais e a internet. E, também, pensar como elas estão se relacionando com os sistemas familiares: têm sido amigos ou inimigos? São remédio ou veneno? Heróis ou vilões?
Importante ressaltar que nenhum deles, por si só, é bom ou ruim. O uso que se faz deles é que é benéfico ou prejudicial. Então, a forma como essas três maravilhas da vida moderna, interferem nas rotinas familiares vai depender da forma como essas famílias vão se relacionar com eles.
Vivemos um momento em que as relações entre pais e filhos, entre irmãos e entre os casais vêm se deteriorando por falta de tempo compartilhado, por falta da troca de olhares – afinal, os olhos estão sempre direcionados para baixo, para a tela de um eletrônico qualquer. Um dado importante e triste, obtido em uma recente pesquisa de uma revista infantil norte-americana, atesta que 62% das crianças se queixam que os pais andam distraídos demais para ouvi-las. Juntos, celulares, TV’s, smartphones e tablets foram responsáveis pelo distanciamento entre filhos e pais em 51% dos casos, porque eles viraram uma extensão de todos nós, vão conosco a todos os lugares, estão colocados no meio das relações.
Um outro estudo aponta que 70% das mulheres relatam que celulares e computadores atrapalham seu relacionamento amoroso. Os restaurantes estão cheios de casais sozinhos em uma mesa, cada um entretido com o seu próprio telefone, checando a sua conta nas redes sociais. As lanchonetes também estão lotadas com famílias engolindo seu sanduiche sem tirar os olhos da sua tela, cada um imerso no seu universo virtual, preso ao som que sai de seu fone de ouvido. Tal distância emocional fragiliza as relações.
Não existe uma receita pronta: 1 xicara de carinho, uma pitada de lealdade, 200 ml de respeito… Relacionamento não vai ao forno, muito menos ao congelador. Cada família vai encontrar a sua mistura ideal. E, para saber se a mistura é ideal mesmo, basta que todos estejam felizes, saudáveis e adaptados. No entanto, existem elementos básicos em todas as misturas que dão certo: Santo Agostinho dizia que “Não mata a fome quem lambe pão pintado”. Viver de superficialidades não satisfaz; é impossível matar a fome assim! É necessário ter o pão real para ser degustado. Na relação familiar é a mesma coisa; é preciso a convivência real, a troca de olhares, o toque, o som do riso compartilhado, o gosto da lagrima. Nesse caso, o concreto é insubstituível.
Berkley, pensador britânico, disse “Ser é ser percebido”. As pessoas querem, precisam ser percebidas para se sentirem vivas, amadas. Quando nos conectamos com o virtual, o que de real nós deixamos de perceber e que, com isso, deixa de existir? Quando os pais se conectam com o virtual, em uma medida desproporcional, deixam de perceber seu filho, seu papel de mãe/pai e, com o tempo, essa relação está fadada a deixar de existir.
Frequentemente ouvimos pais se queixando que os filhos não saem do celular, do computador, do tablet… e, nesse momento, é conveniente fazer com eles uma avaliação da própria conduta, pois são eles que ditam o ritmo. Como diz a Dra. Filó, pediatra que se tornou famosa por suas palestras mais que sinceras: O rio só existe porque tem margem. É preciso dar limites aos filhos, mas, antes, é preciso dar limites aos pais.
Uma das piores consequências dessa nova forma de interação familiar é o aumento alarmante nas doenças mentais da infância. Hoje, 1 a cada 5 crianças tem problema de saúde mental. A taxa de suicídio em crianças de 10 a 14 anos aumentou 200%. A principal causa? As crianças estão superestimuladas, mas privadas de elementos fundamentais numa infância saudável, como pais emocionalmente disponíveis, limites claramente estabelecidos, nutrição e sono adequados. Em função do tempo dedicado à vida virtual através de smartphones, redes sociais e internet, as pessoas têm se tornado pais distraídos digitalmente, indulgentes e permissivas, parceiras superficiais preocupados mais em postar do que em viver o romance.
Nesse contexto, é possível evitar as consequências negativas da relação com a tecnologia, estabelecendo limites para a relação virtual, não levando celulares para a intimidade das relações, conectando-se emocionalmente com as pessoas. Aos filhos, que os pais ofereçam uma vida equilibrada, cheia do que eles precisam, não apenas do que querem. Que não tenham medo de dizer Não. Ao parceiro, que o cônjuge ofereça o olhar que acolhe e percebe, o toque que dá vida e tranquilidade. A vida acontece agora, num espaço-tempo que não é real no contexto da virtualidade. Que tenhamos sabedoria para tirar o melhor que existe nas relações!
Irianna Chaves Spínola Barbosa – Psicóloga e educadora, atua há mais de 25 anos com crianças e adolescentes. Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Caratinga-UNEC, licenciada em Ciências e Matemática e pós-graduada em Matemática Superior pela Fundação Educacional de Caratinga (FUNEC). Especialista em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Possui estudos complementares e especializações em Neuropsicologia, Técnicas, Testes de Avaliação Neuropsicológica, Diagnóstico Psicológico Infantil, Ludoterapia, Orientação de Pais, Terapia Cognitivo Comportamental com Crianças e Adolescentes e Treinamento de pais pelo Centro de estudos Avançados em Psicologia- CEAP-MG e Deficiências – estratégias e intervenções no contexto clínico, educacional e institucional.