Ao falar sobre a violência contra as mulheres, talvez deva reportar-se ao papel da mulher nas sociedades primitiva e moderna para compreender a dinâmica de sua convivência no âmbito familiar, do trabalho e na comunidade em que vive.
Historicamente a mulher sempre foi relegada a papeis secundários, e, nos momentos em que lhe foram atribuídos os papeis de predominância e protagonismo, sua conduta é tida como causa das mazelas que ela e todos os outros acabam por sofrer.
Na mitologia Grega, Pandora, a primeira das mulheres, criada por Zeus, foi quem abriu a caixa proibida de onde saíram todos os males da humanidade. Já Eva, a primeira criada por Deus, desencadeou todo o sofrimento da humanidade ao descumprir as ordens do Criador. Amparado por fatos históricos e contribuições religiosas, não é difícil perceber porque a sociedade insiste em culpar as vítimas de abuso e violência. A história, influenciada por mitos e religiões, mostra que as mulheres que descumpriram as ordens, sofreram toda a sorte de males, começando daí um longo e descabido processo no tratamento despendido a elas.
Desta forma, a violência contra a mulher traz estreita relação com as categorias de gênero. Certamente, que essas ideias misóginas refletem uma visão da época, mas é concreto pensar que elas influenciaram a história ao longo do tempo. No Brasil, por exemplo, a Constituição de 1824 dava apenas ao homem a condição de cidadão; a mulher não podia votar e nem ser eleita, não podia ser funcionária pública, ficando restrita aos cargos de empresas privadas.
No Código Civil de 1916, as mulheres eram consideradas incapazes quando se casavam, o que só veio a ser mudado em 27 de agosto de 1962, através da Lei nº 4.121 que dispõe sobre relações jurídicas da mulher casada e ficou conhecida como “Estatuto da Mulher Casada”. Em meio a um absurdo contexto de desigualdade de gênero, justifica-se a enorme ocorrência de estupros no Brasil, sendo 89% das vítimas do sexo feminino, de acordo com estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, (IPEA, 2014, p.1). O senso comum, pautado na construção de uma sociedade machista, é que tem escrito o enredo de que a mulher é um objeto de desejo sexual, sendo que esta é quem deve se resguardar para impedir a violência.
Uma visão deturpada da sociedade atribui à mulher a culpa pelo injusto sofrido, quando na verdade, ela é a vítima. Pode-se confirmar isso através da pesquisa que foi divulgada em 27 de março de 2014, onde 58,5% dos entrevistados concordam que: “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros” (IPEA2014, p.01). Na esteira dessa afirmação, está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais; então, as mulheres, que os provocam, é que deveriam saber se comportar, e não os estupradores. Assim, a violência parece surgir, aqui, também, como uma correção. Como se mulher merecesse ser estuprada para aprender a se comportar.
A Constituição Federal, em seu artigo 3º, inciso IV, estabelece que a República Federativa do Brasil deve, promover o bem de todos sem preconceito de sexo. Assim, a culpabilização da vítima, seja por agentes do Estado, seja pela própria sociedade, viola a dignidade humana e, em uma acepção mais ampla, se contrapõe aos objetivos do Estado Democrático de Direito. Constitui, pois, um desvio de finalidade quando o órgão do poder judiciário ao invés de proteger e amparar a vítima começa agir de forma a intimidá-la.
Ao longo dos anos, surgiram leis que deram certa força à mulher no cenário brasileiro, sobretudo a Lei Maria da penha. Todavia, não será só a lei que conseguirá alcançar a efetiva igualdade entre homens e mulheres e, consequentemente, a diminuição da violência contra a mulher.
A sociedade civil, somada a uma busca de parcerias com o Estado e seus legisladores, deverá lutar para que se possa ter essa realidade totalmente modificada. Ainda há grandes caminhos a serem percorridos para que a violência, dentro e fora da família, bem como sua responsabilização pelo crime de estupro deixem de ser vista como algo natural.
Aldair Oliveira – Advogado
Pós graduado em Direito civil e processual Civil