- Eugênio Maria Gomes
Fernando Pessoa, o inigualável poeta português, inicia um de seus mais conhecidos poemas com a frase “Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: Navegar é preciso; viver não é preciso”. Nela, o poeta ao mesmo tempo em que lançava uma sentença sobre a condição do homem, dialogava ricamente com a tradição histórica dos portugueses, na exploração dos mares. Todavia, segundo alguns historiadores e intérpretes da obra de Pessoa, a frase poética teria siso dita muito antes, pelo General Romano Pompeu.
Pompeu fora incumbido da missão de transportar trigo das províncias para a cidade de Roma, que enfrentava uma grave crise de falta de alimentos. Os riscos da navegação no Mediterrâneo, naquela época, eram muito grandes diante da precariedade dos barcos e dos vários ataques piratas que aconteciam frequentemente. Por tudo isso, os marinheiros daquela viagem viviam um grave dilema: salvar a cidade de Roma da grave crise de abastecimento, ou fugir dos riscos da viagem mantendo-se confortáveis em suas cidades. Foi então que, de acordo com o historiador Plutarco, o general Pompeu proferiu essa lendária frase, “navegar é preciso, viver não é preciso”, simbolizando a importância que Roma teria, inclusive, sobre a vida de seus marinheiros…
Mas, se estamos a falar de Pessoa, de Roma e de História, por que o título deste artigo é “Viajar é preciso”? Bem, aqui, usando da licença poética, faço referência a Fernando Pessoa, parafraseando sua poesia, justamente para reforçar a importância de viajar para o aprimoramento da nossa cultura, para alargar nossos horizontes, sedimentar nossos conhecimentos, aprender novas formas de ver o mundo, enfim, evoluir como ser humano…
É viajando que vemos como os outros povos enfrentam seus problemas, superam suas adversidades, resolvem suas questões políticas e sociais. E foi justamente revisitando a terra natal de Fernando Pessoa, revendo parentes e amigos, passeando pelo interior de Portugal, que me pus a pensar: por que nós, aqui no Brasil, ainda enfrentamos tantos problemas e tantas mazelas que já foram superadas por outros povos? São inevitáveis as comparações. Mas, é possível comparar o Brasil com Portugal?
Portugal é um dos países mais antigos da Europa. País pequeno, pouca população. Outrora, um dos grandes impérios do Ocidente, o país passou por sérios problemas sociais e econômicos, e até hoje, mesmo integrando o Mercado Comum Europeu, ainda é um país com problemas. Para um país de primeiro mundo, Portugal não ostenta índices de desenvolvimento comparáveis aos da Alemanha, França ou Noruega. Na Europa, Portugal ainda é considerado um país pobre.
No entanto, comparado ao Brasil, ainda estamos muito longe de chegar perto do padrão de vida de sua população… Estamos longe do grau de desenvolvimento social e cultural que Portugal ostenta. Na verdade, ainda levaremos mais de trinta anos para alcançar o IDH que Portugal tem hoje. Temos um longuíssimo caminho pela frente. Um caminho que poderia ser encurtado se nos déssemos conta de nosso potencial, de nossa criatividade, de nossa energia e colocássemos tudo isso em prol de nosso desenvolvimento como nação. Seríamos muito mais felizes se superássemos essa triste realidade, que nos condena ao atraso; se vencêssemos a precariedade da saúde e a miséria; se fizéssemos, enfim, uma grande revolução – não uma revolução armada, raivosa, mas uma revolução ética e cultural – que nos permitisse expurgar do nosso dia a dia e, principalmente, de nossa classe política, a maior de todas as mazelas nacionais, qual seja, a corrupção endêmica que nos envenena.
Lisboa, Porto, Braga, Cintra, cidades antigas, ruas limpas, calçadas sem buracos, avenidas sem poças d’água. Alguns mendigos? Sim. Principalmente em Lisboa. Sinais da crise econômica. Os ônibus param no ponto, no horário aprazado e aguardam os passageiros tomarem seus assentos. Ninguém viola um sinal de trânsito. Não se ouvem buzinas. Não se ouvem tiros, pois, há pouquíssimos policiais nas ruas, quase nenhum, na verdade. Portugal é um dos países mais seguros do mundo.
Há poucos prédios ultramodernos e envidraçados. Não são necessários. Modernidade e conforto seguem padrões diferentes dos nossos. Em contrapartida, há prédios com mais de quinhentos anos e ainda perfeitamente funcionais. Preservados.
Povo educado, ordeiro e que respeita as leis. As pessoas não são alienadas, fazem protestos e defendem seus direitos. Mas aprenderam a importância do respeito ao direito alheio como única forma de se manter a coesão e a paz social.
O Rio D’Ouro, que deságua no Porto, corta todo o país. Suas águas são limpas. Não são potáveis, mas são limpas. Não há guaritas. Não há cercas. Na verdade, nos supermercados, as entradas estão sempre abertas. Sequer há comprovantes de estacionamento. Nas ruas, não há flanelinhas e o lixo é posto nas lixeiras!
Quanta diferença. Triste assimetria com o que ocorre aqui. O quanto ainda temos a conquistar! Portugal tem problemas – e muitos -, mas lá se desfruta de uma qualidade de vida absolutamente impensável para os padrões brasileiros atuais.
Covardia comparar um país tão jovem com um país tão antigo? Será? A economia portuguesa corresponde a menos de dez por cento da economia do Brasil. Portugal é do tamanho do estado de Pernambuco. Sua população é menor do que a de Minas Gerais!
Mesmo se concordarmos que essa comparação é descabida, considerando as infinitas diferenças que nos separam, não podemos esquecer de que temos um passado comum. Estivemos unidos por mais de trezentos anos. Compúnhamos o Reino Unido de Portugal e Brasil. Há uma estátua de D. Pedro I em pleno Rossio, lá com o título de Pedro IV, Rei de Portugal. O nosso primeiro Imperador!
Sim. Viajar é preciso. Para vermos, aprendermos, compararmos e voltarmos, com a esperança de contribuir para que, um dia, também possamos nos orgulhar mais um pouco das nossas paragens, desta terra inigualável, que atravessa momentos tão difíceis.
Ao terminar este texto, rendo todas as homenagens ao grande poeta lusitano, reproduzindo a parte final de sua poesia: “Cada vez mais assim penso. Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade. É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.”
* Eugênio Maria Gomes é professor e escritor. Pró-reitor da Unec, membro do Lions Itaúna, da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga e do MAC – Movimento Amigos de Caratinga. Membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni e presidente da AMLM – Academia Maçônica do Leste de Minas.