Garantida pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 266, § 3º, a união estável é reconhecida como entidade familiar desde então e deve ter sua conversão em casamento facilitada e protegida pelo estado. A regulamentação veio através da lei 8.971/94, que ajusta o direito dos companheiros à sucessão e alimentos e a Lei 9.278/1996, que regula o § 3º, do artigo 226 da CF/88, estabelecendo o regime de comunhão parcial de bens, além de conferir aos conviventes, entre outros direitos, a possibilidade de que participassem da sucessão um do outro.
Todavia, embora seja garantida no texto constitucional desde 1988, a isonomia de tratamento entre as pessoas casadas e as que vivem em união estável foi afastada no Código Civil de 2002. Já no artigo 1790, se entende que o direito hereditário dos companheiros restringe-se aos bens comuns, ou seja, os adquiridos onerosamente durante a união estável, ficando excluídos da herança os bens já pertencentes à pessoa falecida antes da união do casal. Por sua vez, o artigo 1.829 Código Civil, inciso I, concede tratamento diferente ao cônjuge sobrevivente, garantindo-lhe participação, juntamente com os filhos, nos bens particulares do falecido. Aqui, falamos apenas do direito à herança, não se confundindo com a meação, que já é a parte que cabe ao companheiro ou cônjuge sobrevivente.
Claramente havia uma distorção a ser combatida no texto do Código Civil de 2002. Ao atribuir direitos diferentes às pessoas casadas e as que vivem em união estável, a lei também cometeu uma injustiça em relação aos que vivem em união estável homoafetiva, haja vista que então o casamento não era uma opção.
Em maio de 2017, julgando dois recursos extraordinários, um de um casal heteroafetivo e outro de um casal homoafetivo, o STF veio dar fim à guerra travada entre a legislação e a doutrina que dominava o país. Reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 1790, do Código Civil, segundo o STF, não existe elemento de discriminação que justifique o tratamento diferenciado entre cônjuge e companheiro estabelecido pelo Código Civil, independente da orientação sexual. Em função disso, quem vive em união estável inclusive decorrente de relação homoafetiva vai participar da sucessão do outro, com base nas mesmas regras aplicáveis aos cônjuges, independente da orientação sexual.
Ficou demonstrado que o artigo 1.790 Código Civil viola princípios como a proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana. Com a decisão do STF as demais decisões de outros tribunais deverão seguir a mesma linha, pois a decisão é em caráter repetitivo, o que levará os demais julgadores a aplicação do artigo 1.829 do Código Civil, equiparando assim o companheiro ao cônjuge, a menos que em decisão contrária justifique e fundamente o motivo de tal decisão. A referida decisão que declarou de inconstitucionalidade do artigo 1790 do Código Civil pelo Supremo é vinculante. E que, portanto, deve ser respeitada, tanto no judicial como no extrajudicial.
Sendo assim, em se tratando dos casamentos ou uniões estáveis cujo regime de bens seja a comunhão parcial dos bens, ou seja, aquela em que se comunicam os bens adquiridos na constância da união, a divisão dos bens da pessoa falecida deverá seguir a ordem do artigo 1829 do Código Civil. O companheiro ou cônjuge sobrevivente tem direito à metade dos bens adquiridos em conjunto, a título de meação, e ainda uma parte dos bens particulares da pessoa falecida, que são justamente aqueles bens que a pessoa já possuía antes da união e aqueles por ela adquiridos gratuitamente durante a união, através de herança ou doação.
Obviamente, existem outras variações para a partilha dos bens conforme regime de bens adotado e a existência ou não de descendentes. Todavia, aqui tratamos do regime de bens mais comum, o da comunhão parcial, que além de ser o regime oficial de casamento, também regula a maioria absoluta das uniões estáveis, que normalmente são desprovidas de contratos prévios regulando regime diferente.
O que vale com registro é a declaração de inconstitucionalidade do artigo 1790 e a consequente equiparação de tratamento para as pessoas casadas e em união estável. Certamente um grande acerto para o Supremo Tribunal Federal.
Aldair Oliveira
Advogado – pós-graduado em Direito Civil