*Eugênio Maria Gomes
Em 1988, enquanto os constituintes elaboravam a nossa atual Carta Magna, eu acordei com uma sensação de tontura e fraqueza, num misto de labirintite com glicose alterada. Muitos exames, a tal “curva glicêmica”, eletroencefalograma, eletronistagmografia e, por fim, talvez pela necessidade de que fosse receitado alguma coisa, acabei sendo orientado a tomar um comprimido de Tegretol 200mg. Acordei mais zonzo ainda e, por minha conta mesmo, resolvi partir o comprimido ao meio. Minha esposa me disse que, se o mal-estar havia passado, eu poderia parar de tomar aquele meio comprimido, pois certamente, ele não estaria fazendo qualquer efeito prático. Como bom mineiro, por minha conta e risco, continuei a tomar o placebo. E mais: como todo capricorniano que se preza, só dormia com o danado do meio comprimido separado, para não me esquecer e ingeri-lo logo ao acordar. Este foi o meu primeiro “remédio” …
Alguns anos depois, novo mal-estar, nova consulta, mais uma curva glicêmica e o início dos testes com medicamentos para controle da glicemia. Não sei se foi por eu ser mineiro ou se por ser capricorniano, nenhuma daquelas injeções caras deu certo. O caminho foi a Metformina mesmo, um comprimido à noite.
Ficou assim por um período, com um comprimido à noite e o outro – o placebo, pela metade, de manhã. Deu para controlar bem, até a alteração na dosagem do remédio para glicose, quando me foi indicado um comprimido à noite e outro pela manhã. Já eram três e começou a ficar um pouco mais difícil controlar o acesso e o horário. Para facilitar, eu deixava as embalagens dos medicamentos sempre à vista. Pouco tempo depois, mais um comprimido foi indicado para controle da glicose e aí eu passei a tomar remédio de manhã, à tarde e à noite. Relutei em usar qualquer outro método que não fosse o de ter as embalagens à vista e, a cada período de oito horas ingerir medicamentos, inclusive tendo que partir um deles – o placebo, ao meio.
Trabalho, filhos, vida sedentária e ingestão de gorduras, acabaram me apresentando à Atorvastatina. Um comprimido por dia para controle do colesterol. Quatro comprimidos e meio, três embalagens… Esse número aumentou no exame periódico seguinte, quando o médico pediu para associar o Stanglit no controle da glicemia, que a essa altura, já indicava o Diabetes tipo II. Mais um comprimido pela manhã, porém, ainda era possível, com muita disciplina, tomar os medicamentos na hora certa, mantendo-os nas embalagens.
Aí veio a pandemia e, com ela, mais sedentarismo ainda, necessidade de melhorar a imunidade e, claro, mais remédio. Daflon para melhorar a circulação nas pernas; Vitamina C para fortalecer o organismo, aumentar a absorção de ferro e ajudar no metabolismo celular e Vitamina D, tão necessária para a saúde dos ossos e que encontra certa dificuldade para ser produzida, naturalmente, pelos idosos. Estamos falando de mais três comprimidos por dia, sem contar que o destinado à melhoria da circulação é bem grande, meio parente do supositório…
Com tantos comprimidos para tomar, não há estômago que dê conta e o médico me receitou também o Pantoprazol, uma espécie de antiácido. Pois bem, caros amigos, não tive escolha e depois de muito relutar, de tentar continuar retirando comprimidos das embalagens, acabei cedendo aos encantos da famosa “caixinha de remédios”. Como sou teimoso, tenho uma caixa para os remédios da manhã, que são em maior quantidade, e continuo retirando comprimidos das embalagens à tarde e à noite. Provavelmente, em alguns anos, terei que aumentar o tamanho da caixa ou, então, passar a ter mais de uma, pois ainda haverá tempo para chegar os problemas com a pressão arterial, com a libido, com a enxaqueca, o Parkinson, o Alzheimer, a incontinência urinária…
Dizem que o tempo é o melhor remédio, mas eu acho é que ele é muito bom mesmo é para trazer remédio… E caixinhas! Aliás, caixinha de remédio é que nem andador e bengala, mais do que um apenas um mero cuidado significa mesmo é que a velhice chegou, muito embora, nas palavras de Millôr Fernandes, “qualquer idiota consegue ser jovem. Mas é preciso muito talento para envelhecer”.
*Eugênio Maria Gomes é escritor e professor.