Em antologia inclusiva, estudante conta história de afeto e superação com o irmão gêmeo, portador de síndrome rara
DA REDAÇÃO- Um livro de contos para romper as barreiras do preconceito com os portadores de necessidades especiais. Uma história de irmãos, carregada de afeto e admiração. Esse misto faz parte do ‘Antologia Fantásticos’, idealizado e organizado pela carioca Nuccia De Cicco, a primeira antologia inclusiva da Editora Sinna.
O diferencial está nos personagens principais dos contos selecionados: todos possuem um tipo de deficiência. Outro ponto interessante é a presença de um QR-CODE que direciona a uma áudio-descrição das capas e ilustrações internas. O estudante Daniel Dornelas, participou da obra com um conto dedicado ao seu irmão Davi, que é portador de paralisia cerebral e recentemente foi diagnosticado com Síndrome de Rasmussen.
O lançamento acontece hoje, na Livraria Travessa do Barra Shopping, no Rio de Janeiro. Em entrevista ao DIÁRIO, Daniel fala sobre a importância da representatividade das pessoas com deficiência na literatura nacional e compartilha a história de superação com o irmão.
De acordo com Daniel, no início de 2018 a editora Sinna fidelizou o projeto com a escritora Nuccia De Cicco, que é surda e procura envolver em todos os seus textos a inclusão. “A ideia dela era reunir alguns autores e todos juntos elaborando um projeto que aumentasse a representatividade das pessoas com necessidades especiais na literatura nacional. Foi aberto o processo de seleção, quem tinha interesse se inscreveu, eles selecionaram 12 autores, somos 13 junto com a organizadora e cada um escreveu um conto, poderia ser ficção ou não ficção, mas que de alguma forma incluísse pessoas com necessidades especiais. Os textos passaram pela parte de edição, correção e agora está pronto”.
A HISTÓRIA FANTÁSTICA
Daniel afirma que quando decidiu participar do livro, já tinha a certeza de queria escrever sobre seu irmão e a relação que nutrem desde a infância. “Sempre tive esse desejo porque o Davi é muito importante pra mim. Somos gêmeos univitelinos, temos 16 anos e desde pequeno eu sempre quis participar mais do tratamento dele. Minha mãe precisava sair, levar ele para o hospital, às vezes Apae ou fisioterapia, eu queria estar mais presente, mas ainda não era possível porque eu era muito pequeno, precisava mais de ficar com a minha vó”.
Os meninos que cresceram juntos e passaram pelas etapas de desenvolvimento naturais da idade, aos poucos foram percebendo um processo inverso. “O Davi foi diagnosticado com Síndrome de Rasmussen recentemente, que é uma desordem neurológica rara e progressiva que gera perda de habilidades. Então, a cada crise ele ia perdendo algo. Começamos ficando em pé juntos, tudo por volta da mesma idade e a cada convulsão ele ia perdendo algo até chegar no estado que está hoje, já não anda, não fala e não enxerga. Era uma relação muito importante pra mim, porque ele me inspirava todos os dias a lutar pelo que eu queria e como eu queria estar perto dele, escolhi a área da saúde como profissão”.
Para Daniel, a ‘Antologia Fantásticos’ é uma forma demonstrar o seu amor pelo irmão para outras pessoas. “Eu sonhava em poder ir para a escola com ele e nunca foi possível. Meu primeiro dia de aula pra mim já foi um choque, chegar na escola e meu irmão não ir comigo. Lá encontrei dois colegas que eram gêmeos e aquilo ficava na minha cabeça: ‘Por que eu não posso ficar com meu irmão da mesma forma?’. Quando eu ficava em casa e queria assistir desenhos animados na TV eu pedia minha mãe para colocar o Davi perto de mim e ao mesmo tempo eu estranhava o fato dele não comemorar comigo quando o herói vencia, queria ter por perto, mas ainda não entendia 100% o motivo de ser diferente, mesmo assim eu gostava muito, ficava muito feliz por poder incluir ele na minha rotina”.
Questionado se aquela história de que irmãos gêmeos são muitos ligados é verdadeira, o adolescente não titubeou na afirmativa. “É verdade. Eu sempre fiquei muito afetado quando o Davi ficava internado, às vezes ele precisava de ficar mais longe, sou de Santa Bárbara do Leste, às vezes vinha para Caratinga ou para Fabriciano e eu não podia ficar perto, não deixavam eu entrar, porque eu era muito novo e eu chorava muito. Eu queria ficar com meu irmão. Ele pra mim é tudo, que me faz todo dia acordar e por mais que seja difícil, seguir em frente”.
CAMINHADA LITERÁRIA
O gosto pela escrita chegou ainda muito cedo na vida do adolescente. Da infância em Santa Bárbara do Leste, o garoto já pensava no futuro promissor. “Somos da área rural, meus pais sempre trabalharam na roça e eu via que era muito difícil, minha família sempre me incentivou no estudo, escrever, gostar de matemática. E realmente foi importante pra mim, eu vi que eu precisava de ajudar os meus pais, mas na roça não ia ter como. Comecei a estudar mais e a gente às vezes passava por tantos problemas, era tanta coisa e eu queria me afastar dos problemas e o único meio que eu encontrei foi na literatura”.
Daniel decidiu buscar os livros para obter mais conhecimento e aguçar a criatividade. Foi um caminho desafiador. “Mais tarde, a minha escola tinha um acervo muito pequeno de livros, pelo menos não que me interessasse tanto, eu queria ler, mas eu não tinha como comprar os livros que eu queria. E eu também não tinha com quem conversar, porque pouquíssimas pessoas gostam tanto quanto eu. Criei um blog na internet e comecei a escrever resenha dos livros que eu lia, a partir daí comecei a receber muitos livros de editoras, autores e aquilo foi aumentando meu interesse. Comecei a ler ainda mais e ter vontade de escrever a minha própria história, iniciei por contos, depois crônicas que foi onde me encaixei melhor, duas crônicas foram publicadas aqui pelo DIÁRIO”.
A primeira participação em um livro se deu no ano passado, após receber o convite para participar de uma antologia com mais de 20 autores sobre diversos temas: o sexto volume de o ‘Perfume da Palavra’. “E esse segundo é muito especial justamente pela causa. É de extrema importância, é algo que sempre foi deixado de lado, pelo menos eu não tenho conhecimento de nenhum livro com esse único intuito, que é expandir a visão das pessoas para aquelas que têm necessidades especiais. É algo raro e único, assim como o título, a Antologia Fantásticos é fantástica, um projeto que tenho muito orgulho de fazer parte”.
O livro está disponível no site da editora ou diretamente com o autor.
Um comentário
Daniel Dornelas
Obrigado pelo carinho com a nossa história! A minha participação na #AntologiaFantásticos foi preparada para que todos possam ver que os verdadeiros heróis não usam armas, o ÚNICO poder capaz de TRANSFORMAR o mundo é o AMOR! A vida ao lado de uma pessoa com necessidades especiais é repleta de preconceitos e desafios, seguimos em busca de mais acessibilidade, inclusão e dignidade. MUITO OBRIGADO!