*Eugênio Maria Gomes
A cada viagem que faço na companhia do meu filho e netos, o primeiro assunto a ser tratado no carro, logo após as orações, é a questão do “pum”. Não sei se acontece com vocês, mas parece até que o ambiente que envolve a viagem, com o ar condicionado ligado e os vidros fechados, propicia a liberação dos gases que são normalmente produzidos pela digestão dos alimentos que ingerimos. Tecnicamente são chamados de “flatulência” e eternizados popularmente como “pum”.
Engraçado como eles não conseguem entender e aplicar a necessidade de “avisar se for soltar pum”, para que os vidros possam ser abertos. Normalmente o processo de circulação do ar só acontece após o odor tomar conta do veículo.
– Vovô, você é maluco? Não existe isso de avisar…
– Claro que existe. Ninguém é obrigado a sentir esse odor…
– Mas não dá tempo! Ninguém consegue segurar um pum…
– Paizinho, soltei uma bufa…
– Eu sei, os vidros já estão abertos. Não podia ter avisado antes?
– Ué, eu pensei em avisar… Mas quando falei já tinha saído…
E assim, a cada viagem, vez ou outra é preciso abrir os vidros às pressas, para que o ar consiga ser respirável novamente.
Recentemente, em nossa viagem à Itália, conhecemos Verona, cidade tombada como patrimônio mundial da UNESCO e que foi palco da famosa história de amor escrita por William Shakespeare, “Romeu e Julieta”. Depois de um lanche rápido – sem coragem para experimentar o tradicional prato à base de carne de cavalo ou burro -, uma visita à famosa Arena de Verona e nos dirigimos para um dos endereços mais famosos da cidade: a Via Capello.
Neste endereço está localizada a “Casa de Julieta”. Como sempre acontece, uma multidão estava aglomerada na rua, em frente à entrada do portão principal da residência da famosa personagem da tragédia de amor mais conhecida em todo o mundo. As pessoas sabem que a história é uma ficção e que aquela casa nem é do período em que a história foi escrita, porém, quem é que se preocupa com isso? Segurei firme na mão do meu garoto e nos dirigimos à enorme fila de interessados em ver a sacada da casa e, no jardim, a estátua de Julieta. Segundo a tradição, o turista deve se colocar ao lado da estátua e colocar a mão em seu seio, como forma de ter sorte no amor.
A fila era interminável. Caminhamos por entre paredes completamente tomadas de bilhetes apaixonados, de recados de amor, deixados pelos amantes que passaram por ali. Depois de muitos minutos, conseguimos avistar o tal jardim. À direita, no alto, a sacada onde Julieta teria sido cortejada por Romeu e, nos fundos do jardim, a estátua da donzela. Confesso que achei estranho a figura de uma mulher sendo tocada como um objeto. Ainda mais, tratando-se de uma jovem que teria morrido aos 13 anos de idade. De toda sorte era, apenas, uma estátua e parecia ser bem mais velha, e o meu garoto fazia questão de tocá-la, assim como todos os demais ali.
Aos poucos fomos nos aproximando da estátua. Pense em uma multidão em um espaço apertado e sem qualquer organização – com uma fila para chegar e outra para sair – praticamente parada há uns dois metros de distância de Julieta… Ela estava sob um pequeno pedestal, onde o turista se posicionava para colocar a mão em seu peito e ser fotografado. Assim que ele descia, outro subia, enquanto o “sortudo” tentava retornar passando pela multidão.
Pelas minhas contas, existiam pelo menos umas cem pessoas à nossa frente. Foi quando João me disse:
– Paizinho, acho que vou soltar uma bufa…
– Não João, segura…
– Não consigo paizinho…
Foi tudo muito rápido, as pessoas se afastaram subitamente e um grande clarão se abriu ao nosso redor. Não sei se foi porque ele “segurou” por muito tempo a flatulência, mas o odor foi quase insuportável e em virtude dele, fomos colocados lá, bem em frente à Julieta. Levei a mão ao nariz, como para dizer “não temos nada com isso” e o meu garoto sorriu, feliz com a mão no peito esquerdo de Julieta.
Entramos naquele espaço com o pensamento fixo em Shakespeare e saímos com os versos de Renato Russo na cabeça: “Quando tudo nos parece dar errado
acontecem coisas boas, que não teriam acontecido se tudo tivesse dado certo”.
*Escritor e funcionário da Funec