Rede de Proteção à Família propõe acolhimento e tratamento de vítima, filho e agressor nos casos de Violência Doméstica
CARATINGA- Um olhar mais amplo a respeito da Violência Doméstica. Com essa perspectiva, representantes de órgãos e instituições de Caratinga se uniram para a construção de uma Rede de Proteção às Famílias com vítimas de violência.
Rodas de conversas foram promovidas pela Promotoria de Justiça com os setores da saúde, assistência social, educação, faculdades, polícias civil e militar.
Para explicar como tem sido feito este trabalho, o DIÁRIO traz entrevista com Alessandra Baião, psicóloga clínica especialista em Psicologia Sistêmica no atendimento de casal e família; formação em Constelação Familiar pela Helinger Science Brasil e professora da Rede de Ensino Doctum.
Como surgiu esse projeto que envolve o enfrentamento à violência doméstica e quais parceiros fazem parte desta rede de acolhimento?
A proposta surgiu depois de uma palestra que ministrei no Fórum de Caratinga em setembro de 2019, a convite dos alunos do décimo período matutino do curso de Direito. Na ocasião tratei sobre o Direito Sistêmico, uma das vertentes das constelações familiares, abordando questões que envolvem as diversas dinâmicas sobre a violência doméstica.
Diante daquelas proposições, a promotoria de justiça pretendeu materializar aquela primeira conversa em uma reunião que chamamos de “toró” de ideia. Foi um momento de encontro com a promotoria, juízes de direito e representantes de diversas instituições para iniciarmos um pensar sobre ações de proteção a mulher vítima de violência e concluímos que há algo para além da mulher, que envolve toda a família, filhos, avós e agressor. Por esta razão construímos nossa identidade como uma Rede de Proteção à Família e identificamos as principais portas de entrada da violência no contexto da cidade de Caratinga, entendendo que seria preciso compreender como cada uma delas funciona para, só então prosseguirmos com a construção de fluxogramas que auxiliem a efetivação do acolhimento e tratamento da vítima, seu filho e também o agressor. Surgiu assim, a ideia das rodas de conversas.
Preciso aqui, abrir um parêntese. Entre o encontro para o “toró” de ideias e a realização das rodas de conversas, houve uma caminhada. Este foi nosso convite inicial para que a sociedade participe conosco. Somos uma rede de pessoas/instituições buscando um lugar melhor para seres humanos.
Qual avaliação a senhora faz das rodas de conversas realizadas?
A melhor possível. Conseguimos entender os processos já existentes em cada setor para lidar com as demandas de violências que recebem. Visualizamos muitas possibilidades de utilizarmos parte do que já existe com adaptações. Ouvimos também o que não funciona, que traz mais problemas e o que falta. Compartilhamos preocupações e construímos novas possibilidades. Dialogar é sempre um processo muito rico para transformações.
Quais foram as portas de entrada identificadas para o protocolo de combate à violência doméstica?
Penso que palavra que define a Rede, nesta fase de construção é acolhimento e proteção à família, ou seja, a vítima, os filhos, agressor e demais familiares envolvidos. Digo isto, porque a ideia de combater, requer pensar em algo ostensivo e esta não é nossa proposta. Acreditamos que é preciso mudar o olhar sobre a questão e auxiliar na construção de lugares melhores, de vida, para todos os envolvidos e desta maneira, buscamos a prevenção de modo consciente. Entendemos que colheremos frutos a médio e longo prazo. As portas de entrada identificadas no “toró” de ideias foram: a saúde (inclui os agentes de saúde), assistência social, escolas, faculdades, polícias militar e civil.
Muitas mulheres permanecem no ambiente de violência doméstica devido à falta de alternativas de sustento financeiro. Foi pensada uma forma de capacitação e alternativas de empregabilidade para essas mulheres?
Sim. Em quase todas as rodas de conversas recebemos boas ideias para capacitação ao trabalho, inserção social, religiosa e de lazer para a vítima. No entanto, ainda estamos no início de um pensar e sabemos que antes de chegar a este movimento precisaremos estruturar os meios de auxiliar esta vítima a se sentir segura e com a estima suficiente para seguir com sua vida adiante. Desta maneira, esta será uma proposta para o futuro e esperamos que seja um futuro breve.
Em relação ao agressor, além das medidas penais, o atendimento na rede socioassistencial também é necessário?
Sim. Acreditamos que é preciso olhar para o agressor, percebê-lo. Respeitando todas as questões legais que envolvem a conduta, mas considerando que é possível proporcionar o engajamento deste agressor ao tratamento oferecido, de sorte que haja para ele uma oportunidade diferente de escolha e de vida; seja restaurando a família, seja seguindo sua vida adiante. A Rede criará, dentro do protocolo, condições de acolhimento, atendimento e socialização.
Após a realização destas rodas de conversas e identificação das portas de entrada, qual será o próximo passo dentro do projeto?
Produzimos os relatórios preliminares, vamos agora nos reunir para construção de convênios com as faculdades de Direito, Psicologia, Assistência Social, Saúde em geral e assim entendemos que será possível organizar melhor os trabalhos dentro dos fluxogramas, uma vez que os estagiários poderão contribuir com o contingente humano de trabalhos dentro dos setores/portas de entrada.
A partir daí iniciaremos a construção dos fluxogramas de modo claro e diretivo para evitar a revitimização. Esta construção acontecerá ao mesmo tempo em que estaremos promovendo capacitações para o melhor desenvolvimento da proposta da Rede.
O que representa para Caratinga a união desses setores em torno de uma política de enfrentamento à violência doméstica?
Um ganho. Uma organização dialógica entre todos os setores, seguramente, auxiliará na efetivação de direitos, proteções, acolhendo e promovendo a possibilidade de reflexões por parte de quem recebe as famílias vítimas de violência e daqueles que serão recebidos pela Rede.