29 de abril de 2023: Quando a população do Bairro das Graças mostrou seu caráter solidário e foi um exemplo de compaixão
CARATINGA – No sábado, 29 de abril de 2023, pessoas de Itabira entraram em contato com o DIÁRIO e pediram para publicar a foto de um familiar que se encontrava desaparecido. Seu nome: Adelson. Assim que a nota foi publicada em nossas redes sociais, pessoas que residem no Bairro das Graças fizeram contato e disseram que este rapaz andava pelas ruas daquele bairro. A história teve um final feliz graças ao caráter solidário e a compaixão demonstrada pelas pessoas que ali residem. Essa situação também contou com a ajuda essencial da Assistência Social da Prefeitura de Caratinga.
SOLIDARIEDADE E COMPAIXÃO
Solidariedade e compaixão são dois dos sentimentos mais caros. Solidariedade é ter sensibilidade e respeitar o sentimento do próximo, colocar-se no lugar de outra pessoa e imaginar aquilo pelo que ela está passando e, principalmente, agir para ajudar. Já compaixão é o sentimento piedoso de simpatia para com a tragédia pessoal de outrem, acompanhado do desejo de minorá-la; participação espiritual na infelicidade alheia que suscita um impulso altruísta de ternura para com o sofredor.
Esses dois sentimentos foram externados pelos moradores do Bairros das Graças naquele 29 de abril. Um estranho que andava a esmo foi ajudado. Ele recebeu roupas, comida e ainda pôde voltar ao seio de sua família. Uma linda história, com final feliz e uma prova de que ainda existem pessoas que se preocupam com o próximo.
Renato Russo cantava “cada um de nós imerso em sua própria arrogância/Esperando por um pouco de afeição”. Mas isso não se enquadra à Tatiana Ribeiro Guimarães dos Anjos. Ela foi personagem principal para que essa história tivesse esse final feliz. Outros moradores do Bairro das Graças também foram fundamentais para esse êxito. E através de Tatiana Ribeiro sintam-se todos homenageados por essa ação.
AMOR AO PRÓXIMO
A atitude de Tatiana Ribeiro é um belo exemplo de amor ao próximo. Ela recorda que no dia 29 de abril de 2023, estava em casa mexendo em suas redes sociais, quando leu que o Diário de Caratinga havia feito uma publicação a respeito de um rapaz que se encontrava desaparecido e que a família estava à sua procura e caso alguém tivesse informação, era para entrar em contato com a Assistência Social de Caratinga, ou com um número de um familiar desse rapaz que foi postado junto do aviso de desaparecimento. “No primeiro momento que vi a foto, me lembrei de ter visto esse rapaz na padaria pela manhã, pois moro em frente a esse estabelecimento. Então, olhei de novo a foto e o reconheci. Voltei à padaria, mas ele não estava mais lá. Logo em seguida, mandei mensagem para o WhatsApp da familiar do rapaz. Ela me atendeu e eu disse que tinha visto o rapaz que estava desaparecido. Ela me perguntou de onde falava, respondi que era de Caratinga, no Bairro das Graças. Essa familiar chorou e pediu para achá-lo e dar um jeito de mantê-lo em algum lugar, pois são de Itabira e nem sua avó estava se alimentando de tanta preocupação, pois Adelson sumiu de casa e ela me afirmou que estavam em tempo de ficarem doidas”, recorda Tatiana.
Tatiana enfatiza que se comoveu com a situação da família e passou a andar pelas ruas à procura de Adelson. “Procurei e perguntava sobre o paradeiro dele, mas ninguém tinha o visto. Encontrei uma amiga, a Verinha, expliquei a situação e ela começou a me ajudar na procura. Em seguida, a Verinha me gritou e avisou que o rapaz estava deitado perto de uma casa. Aí cheguei perto e perguntei se ele se chamava Adelson e tinha o apelido de ‘Boi’. Assim que ele confirmou, falei que família dele estava o procurando. Falei que era a Débora, que é sobrinha dele, então ele deu aquele choro engasgado e falou, ‘eles não esqueceram de mim e vão me buscar’. Aí o levei para perto da minha casa e falei que iria ligar para a Débora para eles conversarem”, conta Tatiana como estivesse revivendo aquele momento. “Fiz a ligação para a Débora, eles conversaram e choraram. Adelson só ficava falando ‘você vai vir me buscar? Você vai vir me buscar?’ E ela pediu que eu o mantivesse naquele lugar que a família viria buscá-lo”, complementa Tatiana.
Assim que ouvia as palavras de Débora, mais uma vez Tatiana foi tomada pela emoção e pensou: ‘Não posso deixar esse homem do jeito que tá, depois se ele desaparecer e a família vir em vão”. Então, Tatiana chamou Adelson para ficar na escada de sua casa, mas logo em seguida, tomou uma atitude que surpreendeu a todos. “Depois pensei que não seria justa deixá-lo assim, pois estava frio e armando chuva. Chamei pra subir e Verinha me ajudou. Arrumei um colchão para ele ficar na sala e dei um cobertor. As pessoas poderiam até pensar que sou doida por levar um estranho para dentro de casa, mas eu não vi maldade nele, nem vi uma pessoa perigosa que me amedrontasse. Fiz de coração e faria isso para qualquer pessoa. O levei para dentro de minha casa, dei almoço para ele e aí quando ofereci o chuveiro para ele tomar banho, o rapaz chorou e disse que tinha dias que não se banhava. Isso me comoveu muito mais. Então, peguei a roupa do filho e passei para ele. Após o banho, meu filho o ajudou a se vestir. Ele ficou umas duas horas lá em casa, só como eu moro no segundo andar, fiquei com medo dele chegar na varanda e pular, já que a sobrinha dele já havia me alertado que ele toma remédio, e sem essa medicação poderia estar muito agitado”.
Porém Adelson parecia querer se movimentar, não estava disposto a ficar parado. “Em certo momento ele falou que queria andar, até a vizinha do andar de baixo ofereceu um edredom para ele. Nós ficamos a toda hora prestando assistência. Fiz contato com os bombeiros que me mandaram fazer contato com a Assistência Social. O que eu pude fazer, eu fiz. Mas não poderia ficar mais tempo com ele e não sabia quando a família dele iria chegar. Quando a Assistência Social chegou, ele já tinha saído, mas expliquei a situação e falei que a família estava vindo e tinha até dado o endereço da minha casa. Então, a Assistência Social o encontrou numa igreja. Assim, foi prestada toda assistência até a chegada da família”.
A família de Itabira chegou por volta das 22h em Caratinga. O representante da Assistência Social entrou em contato com Tatiana, pois os familiares queriam conhecê-la e agradecê-la. “Fui e conheci a família, que me contou que Adelson é muito conhecido em Itabira, até o prefeito é amigo dele”.
HUMANIDADE GENUÍNA
Dia 29 de abril caiu num sábado, então, segunda-feira seria 1º de maio, feriado do Dia do Trabalho. Mas o senso de solidariedade e de compaixão, além do profissionalismo, não permitiram que o psicólogo Dionatan Carlos, que trabalha no Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), ficasse em casa. Assim que foi avisado do fato, ele procurou ajudar Adelson. Dionatan Carlos é notável nessa área, pois desde janeiro de 2018 é atuante nas demandas de população em situação de rua, crianças, adolescentes e mulheres vítimas de violência e/ou abuso em suas diversas formas. No decorrer do exercício de sua profissão direcionou a atuação para o atendimento as demandas sociais e suas mazelas, por meio dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS).
Ele conta como foi essa situação: “Pessoalmente, é uma satisfação promover reencontros. No caso desse rapaz, ver como os moradores do bairro – cada qual com sua contribuição (banho, alimentação, vestuário e, mais que bens materiais, carinho, atenção, preocupação e presença ativa), nos faz compreender, já que trabalhamos em meio a tantas mazelas sociais, que existe humanidade genuína. Foi muito gratificante participar daquela experiência”.
Já Tatiana Ribeiro encerra a entrevista destacando que “esse é o lado mais bonito do ser humano, é ser humano. Temos que colocar isso em prática. Às vezes a gente passa na rua e vê várias pessoas deitadas, às vezes falamos mal dessas pessoas, não estendemos a mão, não ajudamos. Mas aquela pessoa que está ali tem uma família que está à sua procura, essa pessoa tem uma história. Então nesse dia me comovi muito. Faria isso para qualquer um. Essa não foi a primeira vez que ajudo alguém que estava desaparecido. Alguns me alertaram sobre o Adelson, não sabíamos sobre ele, mas a gente faz o bem sem olhar a quem. Tudo que a gente faz aqui a gente recebe de Deus. Fiquei feliz por ter ajudado e sei que a cada dia Deus me honra muito mais pelo que eu fiz e faria novamente. Não importa quem é a pessoa, não importa a situação que ela se encontra. Todo mundo tem uma história de vida e uma família por trás. Como já disse, é hora de sermos humanos e olharmos para essas situações. Vemos que a cada dia aumenta em nossa cidade a questão de pessoas vulneráveis. No que eu puder ajudar, eu ajudo. Esse é o nosso propósito aqui na terra: ‘Amar o próximo como a nós mesmos’”.
Na música “Care (IV) Angels on Earth”, a banda Marillion canta que “os anjos deste mundo não estão nas paredes das igrejas/ Os heróis deste mundo não estão no hall da fama”. Realmente, os anjos podem estar por aí, ao seu lado, quem sabe no Bairro das Graças ou na Assistência Social. Esses heróis não têm capa, escudo ou super poderes, eles têm solidariedade, compaixão e, claro, amor ao próximo, mesmo que esse próximo seja um estranho que está perdido e que precisa apenas de uma palavra para ser encontrado ou se reencontrar.