Ildecir A.Lessa
Advogado
A forma brutal como foi o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro, na véspera do Dia da Consciência Negra, causou comoção nacional, manifestações nas redes sociais, protestos em várias cidades no Brasil e posicionamento de várias autoridades, inclusive no meio jurídico.
O crime foi cometido dentro de uma unidade do supermercado Carrefour de Porto Alegre por dois seguranças do estabelecimento. O crime brutal foi filmado e as cenas circulam nas redes sociais. Segundo o noticiário, os dois assassinos estão presos. Um deles é policial e foi levado para um presídio militar. O outro, funcionário de uma empresa de segurança contratada pelo Carrefour, foi detido pela Polícia Civil. A investigação trata o crime como homicídio qualificado. Com esse lamentável acontecimento, pode-se afirmar que a vítima da “política de segurança” do Carrefour não é apenas João Alberto Silveira Freitas, 40 e sua família, mas toda a sociedade brasileira.
Pode aparecer tese de defesa em favor dos assassinos, no sentido de usar o episódio para tentar desqualificar o dolo — vale dizer: a intenção deliberada de praticar o crime, quando sabe-se que crime de homicídio no presente caso é prática de homicídio doloso, ou seja, com a violência da agressão os assassinos sabiam do resultado final, a morte da vítima.
O Código Penal brasileiro não distingue o dolo ele mesmo do dolo eventual, que se dá quando o criminoso não atuou para obter um determinado resultado, mas assumiu o risco de produzi-lo. Define o Artigo 18 do Código Penal que há crime doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo” que foi o que ocorreu. Oportuno lembrar que, no Brasil a taxa de homicídios de negros saltou 11,5% de 2008 a 2018 (de 34 para 37,8 por 100 mil habitantes). A de morte de não-negros caiu 12,9% no mesmo período (de 15,9 para 13,9 por 100 mil). Os dados são do Atlas da Violência 2020, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde.
Vidas pretas importam? É claro que não cabe a governantes exacerbar tensões raciais no país. O certo é que, esse caso é a prática de um crime animalesco, revoltante e não é a primeira vez.
Portanto, não se trata de um caso pontual, ou de violência esporádica. É a agressão institucionalizada, empresarial, comercializada. Isso é prática escancarada de racismo, provocando a banalização da vida por causa da raça. As empresas de segurança devem urgentemente serem alvos do rigor de uma nova legislação, para controle na contratação de seguranças, inclusive com instruções que a prática da racismo em quaisquer circunstâncias, constitui crime, passível de punição rigorosa. É hora de deixar de lado qualquer compostura e gritar por um basta, a esse tipo de crime animalesco.