Camilo Lucas
Ziraldo tinha, como composição de sua imagem pública, o colete sobre a camisa de botão. Às vezes colorido, em cores vivas; às vezes, bordado, xadrez, liso; às vezes, com imagens abstratas ou com arabescos. Tinha uma coleção deles e era uma de suas marcas registradas.
Alguma vez eu imaginei que um destes coletes, lindo, desenhado em marrom sobre sépia, viria parar num cabide, dentro do meu guarda-roupa?
Agora, imagina você ser um cartunista e ser íntimo de Ziraldo. Uma boa comparação seria você ser músico e ser íntimo de Paul McCartney. Pois, como cartunista, sempre tive este privilégio: primeiro, por ser de Caratinga, segundo, pela relação que sempre existiu entre minha família e a dele, e terceiro, porque devido a isto, tive a chance de construir com ele uma amizade de pupilo/mestre.
Conheci Ziraldo ainda criança, e já adolescente, quando publicava a Jararaca Alegre no Colégio Estadual, ele escreveu seu endereço em um exemplar e complementou com “para o Camilo, esperando por ele no Rio”.
Pois foi dito e feito: quem mandou, né? Desde então, todas as vezes que fui ao Rio, liguei pra ele, perguntando se podia ir vê-lo. A resposta foi sempre positiva, até mesmo uma vez em que ele disse “olha, não vou poder te dar atenção não porque estou muito ocupado, mas se quiser vir pode”. Eu fui. E tive o direito de ficar caladinho enquanto tinha o privilégio de vê-lo fazendo os desenhos a lápis que, depois, seriam as ilustrações de “A menina das estrelas”.
Pois agora, como ir ao Rio e saber que não posso mais ligar pro Ziraldo? Ter de aprender a viver com isto?
Acabou que fui ao Rio, na última segunda-feira, e liguei sim, mas para a Márcia Martins, sua esposa, perguntando se poderia visita-la e levar a edição da Jararaca Alegre que publiquei em sua homenagem, quando promovemos o “Abraço, Ziraldo!”. Esta edição trouxe muitas lembranças minhas e de outras pessoas que conviveram com ele e o admiravam, e seria legal que ela pudesse ter uma. Márcia me recebeu com um carinho imenso, a mim e minha filha Juliana. Tivemos uma conversa emocionante por horas na tarde/noite do último dia 18.
Mas a emoção maior ainda estava por vir. Durante um café com pão de queijo que nos foi servido pela Lene, Márcia me fala que vai me dar uma lembrança do Ziraldo. E completa: “Camilinho, vou te dar um dos seus coletes!”
Não sabia se sorria, chorava, gritava ou saia correndo. Uma emoção indescritível passou pela minha cabeça e por meu coração. Meus olhos marejaram. Não achei que merecia tanto. É muita emoção, é muito significativo. Márcia me tornou um herdeiro do Ziraldo! Uma herança simbólica, enorme! Um legado para eu carregar pro resto da vida, simbolizando toda a amizade, carinho e respeito que sempre norteou nossa relação!
Como se já não fosse muito, Márcia, ao me entregar o presente, em uma bela sacola de loja do Rio estampada com o calçadão de Copacabana, fala que tinha certeza que Ziraldo ia gostar de me ver receber este presente, pois ele me “considerava da família; um sobrinho, um filho, sei lá, ele sempre falava de você com muito carinho”.
Em abril, semanas depois de sua morte – que aconteceu EXATAMENTE no dia do meu aniversário! – eu e amigos artistas como Vinícius Cazuza, Nathan Vieira e Renato “Mixirica” Gomes – organizamos o “Abraço, Ziraldo!” em sua homenagem.
Agora, sempre que sentir saudades daquele abraço, posso vestir seu colete, que, ao envolver meu torso, e trazendo consigo tanta energia acumulada pelas vezes em que ele o usou, vai ser como se Ziraldo realmente estivesse me dando um abraço! Ah, Márcia, muito obrigado!