No início do primeiro período do governo de Getúlio Vargas – que durou quinze anos ininterruptos, de 1930 a 1945 -, o Brasil viveu um período de grande turbulência política, especialmente no final de 1935 e início de 1936, quando ocorreu o ápice da rebelião que ficou conhecida como “Intentona Comunista”, que foi debelada e culminou com a prisão de mais de uma centena de acusados.
Mesmo após a prisão dos principais líderes do movimento – inclusive a de Luiz Carlos Prestes e de sua companheira Olga, deportada para a Alemanha e morta pelos Nazistas na câmara de gás -, o clima turbulento ainda persistia no país, levando o governo brasileiro a promulgar o Decreto de nº 702, em 21 de março de 1936, onde equiparava ao Estado de Guerra, por noventa dias e em todo o território nacional, a “commoção intestina grave articulada em diversos pontos do paiz desde novembro de 1935, com a finalidade de subverter as instituições politicas e sociaes” (texto original).
E foi no dia em que Getúlio Vargas assinou esse tal decreto, que veio ao mundo, no município mineiro de Manhuaçu, o filho do italiano Cesário Augusto Borelli e da brasileira Ercília Franzone Borelli: Humberto Borelli. O garoto teve uma infância feliz, ao lado dos irmãos Luzia, Emília, Luciano, Luiz Mazil, Tuth, Ilca, Humberta, Roberto e Eraldo, o único que ainda vive. Seu pai, como todo italiano que se preze, era alegre, mas muito exigente, fazendo-lhe tremer, apenas, com o olhar. Da pensão de seu pai, ia a pé para a escola, caminhando durante quinze minutos, procurando ser um aluno disciplinado, mas nunca deixando de se divertir, de correr, brincar de pique e de jogar bola no campo de futebol que existia em frente à sua casa.
Foi em Manhuaçu, a cidade cujo topônimo deriva do Tupi e significa “Chuva Grande” para uns e “Rio Grande” para outros, que o menino que sempre quis ser padre viveu até entrar na adolescência. Sempre envolvido com as coisas da Igreja, Borelli certa vez encontrou-se com Dom João Batista Cavati – Bispo Diocesano de Caratinga no período de 1938 a 1956 -, quando teve a oportunidade de lhe dizer que queria ser padre, ouvindo, então, do bispo a frase que definiria o curso de sua vida: “Vamos comigo amanhã?”.
De Manhuaçu, o jovem rapaz foi para Petrópolis, onde cursou o Clássico durante dois anos e, depois, foi para Mariana, onde cursou Filosofia e Teologia. Na cerimônia de ordenação sacerdotal de Monsenhor Raul Motta de Oliveira, com a igreja completamente tomada, ele e os colegas Geraldo Xavier, João Teixeira do Rosário, Léssio Guedes e Rui Figueiredo Neves receberam de Dom José Eugênio Corrêa – Bispo Diocesano de Caratinga no período de 1957 a 1978 -, as batinas destinadas aos seminaristas que haviam concluído o curso de Humanidades, em Mariana. Na semana seguinte atuou como Acólito na primeira missa celebrada por Monsenhor Raul, em Inhapim.
O seminarista Humberto Borelli não se conteve de alegria naquele 14 de julho de 1965, quando na presença de seus pais e familiares – sua mãe lhe desamarrou as mãos, simbolizando que, a partir daquele momento, ele pertencia à Igreja, deixando de pertencer aos pais e aos cuidados humanos -, quando foi ordenado padre, em cerimônia presidida por Dom Corrêa. Na semana seguinte, já na condição de padre participou da Ordenação Sacerdotal do saudoso Monsenhor Levy de Paula Figueira. Foram muitas as emoções vividas, a partir desse momento, pelo Padre Humberto Borelli, inclusive algumas que lhe marcaram de forma dolorosa, como as cerimônias fúnebres de seus pais e de seus oito irmãos, aos quais fez questão de ministrar o Sacramento da Unção dos Enfermos.
Após a sua ordenação, passou a residir no Seminário Diocesano e foi professor de Religião durante onze anos, período em que fez ótimas amizades em todas as escolas por onde passou: Colégio Nossa Senhora das Graças, Colégio Estadual e Colégio CNEC. Sua primeira Paróquia foi em Conceição de Ipanema, onde permaneceu de 1974 a 1978.
Em Conceição de Ipanema, atuou junto às comunidades e, com o seu jeito alegre e cativante de viver a Fé, aproximou a Igreja aos fiéis. Pouco tempo após assumir a Paróquia, recebeu a visita do comandante do 1º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais, acompanhado de Dom Corrêa, convidando-o para ser o Capelão da Policia Militar em Manhuaçu. Uma posição almejada por muitos, mas que não agradou ao padre, em função do clima político vivido no país, subjugado naquele momento à ditadura militar. Padre Borelli foi criticado pelos amigos e, até, por alguns irmãos, considerando a importância do cargo e a dificuldade de ascensão ao mesmo. Ele preferiu a vida simples, as dificuldades do sacerdócio em uma época em que padres não recebiam salário, obtendo os recursos necessários a sua subsistência, apenas, das taxas auferidas com os batizados, casamentos, além da boa vontade de alguns fiéis.
De Conceição de Ipanema, padre Borelli foi transferido para Simonésia, de onde saiu em 1986 – por recomendação do Conselho dos Padres e determinação do bispo, sem qualquer possibilidade de declinar da ordem recebida -, para assumir a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, em Caratinga, em virtude da renúncia do pároco, Padre Odilon. Seu trabalho na Paróquia foi intenso, profícuo. Sempre preocupado com o povo e suas comunidades, desenvolveu vários projetos voltados à melhoria das condições de vida das pessoas e ao resgate de suas cidadanias. Particularmente, tive a honra de participar com ele, na condição de Secretário de Governo e Ação Social do município de Caratinga, de vários projetos sociais, inclusive da implantação do primeiro Programa de Geração de Renda do governo José de Assis, na Comunidade Nossa Senhora de Fátima, quando uma das Oficinas de Corte e Costura foi inaugurada após a belíssima missa celebrada por ele, um incentivador e colaborador do projeto.
Na condição de Pároco da Conceição, Padre Borelli comandou a construção das igrejas São Vicente de Paulo, São José, Cristo Redentor, Santa Luzia e Divino Pai Eterno. Reformou ou ampliou as igrejas de Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora Aparecida, Santo Antônio, Nossa Senhora de Fátima, Água Santa, São Geraldo, Nossa Senhora do Rosário, Matriz de Dom Lara, além de outras nas comunidades de Forquilha, Fundacinha, Isbirro e Santo Expedito.
O padre que está lendo, pela segunda vez, o livro “Cristianismo”, de Leonardo Boff, que tem como lema “Sei em quem eu creio” e que escolheu a Missão de “Anunciar o evangelho a todos, sem preconceitos e discriminações, como Jesus o fez”, é certamente um dos sacerdotes mais queridos de toda a diocese de Caratinga. Sempre à disposição de todos os que o procuram, demonstrando a alegria de uma vida realizada, Padre Borelli só recebe elogios de todos. Impressiona-me a sua capacidade de buscar solução para todos os problemas que se lhe apresentam, a praticidade que dá ao exercício de sua função, a humildade com que conduz a sua rotina e a alegria que demonstra ao semear a Palavra. Para ele, não existe classe social, raça, idade, estado civil, crença, sexo ou ideologia: sem qualquer tipo de preconceito ou julgamento, acolhe a todos, buscando minimizar-lhes as angústias, compartilhando de suas dores ou de suas alegrias.
Hoje, está aposentado, residindo na Casa Paroquial da Paróquia de Santo Antônio. Seu quarto é arejado, dotado de piso frio, uma escrivaninha onde passa a maior parte do tempo lendo e escrevendo, uma cama de solteiro e um pequeno guarda roupa. Um quarto simples, como tem sido toda a sua vida. Reconhece os benefícios da aposentadoria, mas está atento aos perigos da solidão. Por isso, ainda hoje, ao aproximar-se dos oitenta anos de idade, coloca-se sempre à disposição da Igreja, realizando casamentos, batizados e celebrando missas.
Quando a minha amiga, professora Virginia Maria Rodrigues o encontrou – ela me ajudou a conseguir algumas informações sobre ele -, surpreendeu-se ao vê-lo escrevendo a sua próxima homilia. Uma tarefa que ele sempre faz, mesmo após cinquenta anos de sacerdócio que serão comemorados no próximo mês de julho, demonstrando cuidado com a sua missão e respeito com o seu rebanho, preparando cada missa como se fosse a primeira de sua vida.
Palavras são insuficientes para descrever a grandeza desse homem, desse padre, desse anjo de Deus, entre nós. Ele sabe que tem o nosso carinho, o nosso respeito e a nossa admiração, por tudo o que ele representa para a Igreja, para a Diocese de Caratinga e para cada um de nós, seus profundos admiradores.
Nessa sua longa jornada nesse plano, acolhendo, orientando, acalentando e amparando todos aqueles que o procuram, Padre Borelli é a prova viva de que “nada resiste ao Bem e ao Amor!”.
* Eugênio Maria Gomes é escritor e professor.
2 Comentários
antonio b borelli
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antonio b borelli
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