Aeródromo tem cronograma de melhorias até 2026
Há três anos, por volta das 15h15, caía nas imediações do Aeroporto de Caratinga, no limite da cidade com Ubaporanga, o avião que levava a cantora Marília Mendonça e equipe. Apesar de o acidente não ocorrer no aeródromo, o entorno e o próprio local passaram e vão passar, ainda, por melhorias na segurança.
O acidente ocorreu após o avião colidir com uma linha de transmissão da Cemig que não estava sinalizada por estar fora dos limites da Zona de Proteção do Aeródromo, por ter altura inferior a 150 m e por ficar fora das superfícies de aproximação ou decolagem. A investigação conduzida pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) indicou que a linha de transmissão, apesar de ter baixo contraste visual, não representava um efeito adverso à segurança ou regularidade das operações aéreas.
Apesar da não obrigatoriedade, o Cenipa recomendou que o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) fizesse reuniões com a Cemig no intuito de sinalizar, de forma excepcional, a linha de transmissão atingida pela aeronave que levava a cantora. Foi recomendada à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a avaliação para estabelecer requisitos de sinalização de redes de transmissão e de distribuição nos arredores de aeródromos, notadamente daqueles situados em regiões com relevo acidentado, com vistas à prevenção de acidentes aeronáuticos. Entre as recomendações emitidas pelo Cenipa, a da Aneel foi a única não adotada, conforme o centro de investigação.
Em nota, a Cemig informou que fez a sinalização do trecho em agosto do ano passado, três meses após a recomendação emitida pelo Cenipa. A companhia de energia lembrou que o local estava regular e que a sinalização por meio de esferas na cor laranja é exigida para torres em situações específicas, entre elas estar dentro de uma zona de proteção de aeródromos. “No entanto, o Comando da Aeronáutica (Comaer) recomendou a Cemig, em julho de 2023, a adoção de medidas para atendimento às recomendações feitas pelo Cenipa no Relatório Final. Nesse documento, foi recomendado, em caráter excepcional, a sinalização da linha de distribuição de 69 kV no trecho do prolongamento da pista 02 de SNCT (Aeródromo do Município de Caratinga). Assim, embora demonstrada a ausência de fundamento legal e técnico da recomendação, como reconhecido pelo próprio Cenipa e pelo Comaer, a Cemig informa que atendeu a recomendação excepcional pelas duas instituições”, informou a corporação.
Para além da melhoria recomendada por órgãos técnicos, a fatalidade também chamou a atenção das autoridades para melhoria no aeródromo, mesmo sem nenhuma responsabilidade no acidente. Álvaro Lacerda, empresário, piloto privado e o responsável pelo Aeroporto de Caratinga, citou que o aeródromo vive um boom de investimentos e melhorias. “O aeródromo não esteve envolvido no acidente. O acidente foi causado por obstáculo, então o Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa) conseguiu que a Cemig balizasse a alta tensão. Depois disso foi elaborada a carta visual para Caratinga, essa carta ela foi solicitada pela Anac e feita pelo grupo que faz essas cartas de aproximação visual. Qualquer um que vier para pousar, quando entra para fazer o plano de voo, tem a carta mostrando como deve fazer o procedimento de pouso, de decolagem e se precisar de arremeter, a altitude, o lado. Hoje isso ficou muito claro, é impossível a pessoa cometer um erro”, contou.
Essa carta foi emitida também no ano passado e serve como instrução para os pilotos, já que os pousos e decolagens naquele local são visuais, ou seja, dependem exclusivamente do piloto, uma vez que assim como quase todos os pequenos aeroportos do país, não há torre de controle para operar a aproximação por instrumentos. Lacerda disse que quando um aeroporto não possui a carta visual, o normal é um piloto sobrevoar o local de pouso em uma altitude maior para poder visualizar possíveis obstáculos e condições da pista. Apesar da ausência do documento, ele voltou a falar sobre a segurança do aeroporto, que há algumas décadas tinha voos comerciais entre a cidade de Caratinga e o Estado do Rio de Janeiro. “O dever de casa foi feito, a carta de aproximação foi feita, esse é o trunfo que a gente tem. Cerca de 80% ou 90% dos aeroportos que não têm torre de controle não têm essa carta, nós temos após o acidente”, lembrou.
Álvaro Lacerda pontuou que ficou chateado com o acidente envolvendo Marília Mendonça ocorrer na cidade. “Em um aeródromo tão antigo, que agora tem pista de asfalto, antes era pista de terra e nunca teve acidente com morte, e vem e acontece essa tragédia, no ápice da carreira dela que tinha uma senhora voz, então ficou ruim pra gente falar disso. Chamou atenção da mídia toda, repercussão nacional porque foi acidente incomum, foi fatalidade da fatalidade, a aeronave estava apta, estava com tripulação apta, estava perfeita em sistema de manutenção, o dia estava visual, não tinha vento acima do normal, aconteceu isso é tragédia. Fatalidade, acidente raríssimo”, disse.
Com a tragédia e a visibilidade, o aeroporto começou a colher os frutos. O espaço recebeu um novo cercamento para substituir as cercas postas há 35 anos, o entorno do aeroporto foi asfaltado e a verba para ampliar a pista já foi destinada. Agora, o trajeto que tem 1.080 metros, vai passar para 1.400 metros. O próximo passo será o balizamento do Aeroporto de Caratinga para receber e operar voos noturnos, o que é um grande passo para um aeródromo de pequeno porte, com média de três a cinco pousos por dia.
Álvaro Lacerda ponderou que o acidente foi o que chamou a atenção das autoridades para a necessidade de investimentos. A expectativa é de que o aumento da pista ocorra até o final de 2025, enquanto o balizamento noturno está previsto para o primeiro semestre de 2026. Sobre as torres de transmissão que antes não eram sinalizadas, Álvaro Lacerda disse que chegou a conversar com a construtora responsável por erguer a estrutura, mas como o local era fora da zona de proteção, não conseguiu impedir a obra.
Para Wagner Cláudio Teixeira, piloto, especialista em aviação e membro da Comissão de Direito Aeronáutico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um acidente que envolve uma figura ilustre como Marília Mendonça, conhecida nacionalmente e internacionalmente, gera uma influência negativa e “as autoridades acabam se sentindo pressionadas a tomarem providência”. “A maioria dos acidentes quando tem repercussão nacional, geralmente forçam um certo investimento em segurança, esse alerta ele acaba acontecendo não só na comunidade aeronáutica, mas autoridades públicas. Tem essa correlação”, explicou.
O especialista comemorou os investimentos feitos no aeródromo, uma vez que o espaço sem carta de aproximação e sem o balizamento noturno acaba por restringir as operações aéreas, inclusive as de resgate médico, por exemplo.
Dados
Conforme dados disponibilizados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), dos 504 aeroportos públicos do Brasil, 384 não têm nenhum tipo de operação por instrumentos, ou seja, só podem ter pousos e decolagens em formato visual. Desses 384, 270 só podem operar durante o dia.
Entre os aeroportos particulares, a situação não é muito diferente. A Anac tem 3.275 espaços privados registrados, sendo que 2.949 operam apenas de forma visual durante o dia e mais de 2.800 não possuem nenhum tipo de operação noturna.
Fonte: O Tempo