Ildecir A. Lessa
Advogado
O termo tragédia vem do latim tragoedĭa, e está associado a um gênero literário e artístico do mesmo nome. Trata-se do tipo de obra dramática com ações fatais que causam espanto e compaixão. As personagens de uma tragédia deparam-se inevitavelmente com diversas situações da vida, em fatos que os levam à fatalidade.
Existem as chamadas tragédias de sublimação, onde a personagem consegue passar a herói ao superar todas as adversidades. Na lição de Aristóteles, uma tragédia (neste caso seria o gênero conhecido como tragédia grega) é composta por três partes: prólogo, episódio e êxodo. O prólogo antecede a entrada do e aporta a localização temporária da história. Os episódios mostram o diálogo entre as personagens (os atores) ou entre o coro e as personagens. Esta é a parte mais importante da história, já que manifesta o pensamento da personagem principal. O êxodo é a parte final da tragédia, onde o herói reconhece o seu erro e recebe o castigo divino. Afora, o gênero literário, pode chamar de tragédia a todo e qualquer evento da vida real que possa despertar emoções trágicas.
A linguagem coloquial associa a tragédia com situações de grande dramatismo e dor. Uma tragédia pode ser uma catástrofe natural (inundações, seca, etc.), um crime passional ou um atentado com numerosas vítimas, um incêndio, uma queda de um avião, ataque terrorista, uma guerra civil, etc. Consultando o Manual de Registro de Tragédias no Brasil, cataloga-se: Massacre do Carandiru-outubro de 1992-São Paulo;111 mortos e 130 feridos. Explosão do Airbus da TAM-julho de 2007-São Paulo; 199 mortos. Incêndio do Edifício Joelma, fevereiro de 1974-São Paulo, 189 mortos e 300 feridos. Incêndio na Boate Kiss-janeiro de 2013-Santa Maria -RS, 242 mortos e 116 feridos. Incêndio do Gran Circus Americano, dezembro de 1961-Niterói-RJ, 503 mortos (2/3 crianças). Incêndio da Vila Socó-fevereiro de 1984-Cubatão-SP, 93 (número oficial) mortos ou 508 (não oficial).Temporal na Serra Fluminense-janeiro de 2011-Serra Fluminense (Teresóplis, Petropólis, Nova Friburgo e outras cidade, 900 mortos e 400 desaparecidos. Tragédia de Mariana, novembro de 2015, Mariana-MG, 18 mortos e 6 desaparecidos (maior acidente ambiental do Brasil). Queda de Avião da Lamia, novembro de 2016, Medellín-Colômbia,71 mortos e 6 feridos. (apesar de não ter sido no Brasil, ceifou a vida de vários brasileiros, (inclusive um time de futebol inteiro).Temos outras tragédias também, como a corrupção que, indiretamente mata muitas pessoas.
As tragédias vão acontecendo e se tornam coisa normal! Parando para pensar, parece que vivemos em um mundo onde Deus não seja necessário; um mundo onde o capital rege a sociedade e as relações humanas; um mundo onde a razão e não a fé dá rumo à vida dos indivíduos. Nesse mundo, chamado de moderno, os homens ficaram com o encargo de dar continuidade a grande odisseia humana. Cidadãos de uma grande aldeia global onde se diz que não há mais fronteiras, uma grande Babel é erguida através do bites que trafegam pelas redes mundiais ligando os homens de um canto a outro do planeta. É o tempo das grandes navegações em águas das redes mundiais, das grandes descobertas virtuais, das grandes invenções, da secularização da fé.
A racionalização do pensamento, de uma teorização sobre o homem e a sociedade, essa busca pela autonomia deixou, no homem moderno, um vazio existencial. Danièle diz que “[…] segregando sua própria utopia matriz, a modernidade produziu também um universo de incertezas”.. (HERVIEU-LÉRGER, 2008, p.40). Giddens, “a modernidade é uma cultura do risco”. (GIDDENS, 2002, p.11). Esse risco que Giddens menciona pode ser visto e sentido em todo o mundo: catástrofes ambientais, humanas, exclusão social, marginalização, colonialismo moderno, corrupção, violência, entre outros. O homem moderno vive em meio a uma grande Babel. O projeto ambicioso da globalização de fazer desse homem um cidadão do mundo, de uma grande aldeia global, na verdade o têm deixado a margem social e sem referências consistentes. […] a crença num Deus pessoal (com atributos do Deus judaico e cristão) vem regularmente sofrendo uma erosão. O fato mais marcante não é o recuo do crer, mas sua disseminação individualista, à margem dos grandes “códigos do crer” definidos pelas instituições religiosas. E a ampliação dos recursos culturais disponíveis contribui para a proliferação dessas composições de crença “à la carte”. (HERVIEU-LÈGER, 2001). É o tempo do grande mercado; da secularização da fé. Peter Berger, sociólogo define a secularização como “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos.” (BERGER, 1985, p.119). O processo de secularização carrega marcas que o torna identificável em uma sociedade, a saber: a separação entre Estado e Fé; a dessacralização e o ateísmo. Essas três marcas que se referem a etapas de um desenvolvimento do pensamento secular levam a compreensão de que, a modernidade é o útero desse fenômeno chamado secularização. Segundo Berger (1985) a economia é o veículo que leva a secularização “Vista de dentro da civilização ocidental […] o portador primário da secularização”. O resultado dessa chamada secularização da consciência é a produção de “[…] um número crescente de indivíduos que encaram o mundo e suas próprias vidas sem o recurso às interpretações religiosas.” (BERGER, 1985, p. 119-120). A secularização da consciência leva a estruturação de uma sociedade pluralista que se fundamenta em pressupostos individualistas e com significações segundo a sua maneira de ver e existir no mundo. Ao que parece, vamos continuar vivendo com as tragédias da vida, sem uma explicação plausível e, a secularização veio para ficar. Resultado. Não há explicações!