“… o senhor verá com o tempo, major. Na nossa terra não se vive senão de política, fora disso, babau! Agora mesmo anda tudo brigado por causa da questão da eleição de deputados…
(…)
o major ficou a pensar no interesse estranho que essa gente punha nas lutas políticas, nessas tricas (futilidades) eleitorais, como se nelas houvesse qualquer coisa de vital e importante. Não atinava por que uma rezinga entre dois figurões importantes vinha pôr desarmonia entre tanta gente, cuja vida estava tão fora da esfera daqueles” – Triste Fim de Policarpo Quaresma
Brigas, discussões, xingamentos e, até mesmo, rompimento de relações e a quebra de laços que durava há muitos anos. Tudo isso vindo da ignorância, da falta de respeito às opiniões contrárias e por não saber separar alguns detalhes, e nem dar valor ao que realmente interessa. E, o pior de tudo, tudo isso provém da devoção à pessoas que são completamente desconhecidas, completamente estranhas, e que habitam uma realidade muito diferente e longínqua que aqueles que, tão longe, brigam e entram em pé de guerra com seus próximos, amigos, colegas e familiares, defendendo, com unhas e dentes, o candidato que mais lhe apraz.
Sei bem que, ao defender um candidato, seja a qual cargo for, as pessoas estão, de certa forma, defendendo as suas próprias ideias, a sua própria maneira de pensar, a sua forma de enxergar a realidade, tudo aquilo que ela pensa ser certo e errado, colocando sobre o candidato escolhido a esperança de que o mesmo venha representar seus ideais e vontades. Assim, com toda essa carga representativa, cada candidato passa a ser visto como um símbolo, que condensa em si os ideais e imaginários de todos os seus apoiadores. Assim sendo, tendo seu candidato como símbolo de seus próprios ideais – e vontades -, quando muitos entram em brigas e discussões por causa de candidatos e planos políticos, no fundo, e isso é muito claro, cada um está brigando para que suas próprias convicções e vontades sejam realizadas, sendo concretizadas na ascensão do candidato escolhido.
Sendo delineada dessa forma, as disputas políticas vão além da simples disputa sobre quem ocupará determinado cargo. Falando de política nacional, as disputas políticas passam a ser – como foram – extensamente ideológicas, e essas ideologias, sejam de qual espectro for, formam a base dos ideais daqueles que buscam ser representados, ou condensa em si, e alardeiam essas vontades, para alcançarem a maior parte da população possível que compactuam com essas ideias.
Até aí, tudo bem. Nada de errado. E, de certa forma, deve ser assim. Cada um deve depositar seu voto e sua confiança naqueles que dizem representar seus ideais e valores. O problema, pelo menos eu vejo como um problema, é quando enxergamos aquele que não pensa como nós como nosso inimigo, como alguém que deva ser exterminado, alguém a quem o direito de pensar e expressar opiniões diferentes deva ser cerceado, e, a partir de tais pensamentos, criarmos uma ruptura com pessoas próximas a nós por causa de políticos que não conhecemos, mesmo que represente nossos ideais. E é essa atitude, essa espécie de “politicagem”, que o major Quaresma censura em seus pensamentos. Brigas, rixas, rachas, e discussões por causa de pessoas que estão muito distantes de nossa realidade e, que no fundo, não se importam verdadeiramente com a população, principalmente, os pequenos.
Se isso já era um problema na época de Lima Barreto, imaginem, então, como está sendo em nossos dias. Atualmente, tais problemas e brigas acontecem nas pequenas cidades e também nas grandes capitais e grandes centros urbanos, de maneira que hoje, seja onde quer que formos, encontraremos pessoas dispostas a discutir ferrenhamente suas escolhas políticas, e muitos, infelizmente, podem até mesmo irem às vias de fato da violência física, não somente verbal.
Espero que um dia, essa nossa “nova” forma de vivenciar a política venha ser esquecida, e que todos possam ter, e fazer, suas escolhas sem ter medo de serem perseguidas e até mesmo atacadas fisicamente por conta disso. Uma nova realidade onde as opiniões de todos são respeitadas, mesmo que seja impossível de se concordar com as mesmas. Mas isso é democracia: poder ter o direito de fazer suas escolhas.
Mesmo que, particularmente, eu não acredite que essa forma de vivenciar a política irá mudar, sei, como qualquer pessoa, que essa mudança é extremamente necessária. E não me esquivo de torcer por isso, afinal de contas, torcer pelo melhor é uma das poucas opções que ainda nos resta.
Wanderson R. Monteiro
Graduando em Pedagogia, coautor de 4 livros e vencedor de três prémios literários.
São Sebastião do Anta – MG