* Marta Miranda
“Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e
não desmenti, e perdi-me…”
(Álvaro de Campos)
A sociedade vive há muito um grande dilema: ter e (ou) não ser; pois com o advento da industrialização e a instauração do Capitalismo na era moderna, TER tornou-se essencial para que o indivíduo conquistasse seu status dentro do grupo social. O dilema consiste entre a essência (SER) e a aparência (TER).
Estabelecemos um diálogo com o discurso de uma das mais importantes personagens de Shakespeare, HAMLET, que em um de seus monólogos pronuncia a célebre máxima: “Ser ou não ser: eis a questão”; expressando os conflitos que vivia num enredo de simulação e hipocrisia dentro da própria família. Ele mesmo simulou uma história dentro da peça para que não fosse descoberto seu plano de vingança. No seu caso não era necessário lutar por status pois, era príncipe, portanto, já pertencendo à aristocracia.
No que concerne ao cidadão atual, além de ter de lutar arduamente para adquirir bens que lhe permitam atingir o desejado status, vê-se diariamente obrigado a usar “máscaras” para sobreviver em seu meio, buscando adaptação ao grupo social a que pertence.
Como é sabido as máscaras são usadas ao longo da história da humanidade com os mais variados fins, de acordo com a cultura e a religiosidade de cada povo, às vezes como recurso elucidatório de fatos que não se pode explicar. No mundo ocidental os gregos foram os pioneiros no uso das máscaras, adotadas nas festas dionisíacas e com grande destaque no teatro. Com a queda do Império Romano passaram a ser consideradas instrumento do Paganismo, sendo assim proibidas.
No entanto, em Veneza, por volta do século XVIII, as máscaras tornaram-se elementos de consumo do cotidiano por todos os habitantes. Usadas pelos “bobos da corte”, artistas do riso, as máscaras transformaram-se em Arlequim, Pulcinella, Pierrot e Colombina, cujas peças eram encenadas em praças públicas, apresentando cenas que ironizavam os costumes da nobreza. Por sua vez, os nobres, considerados sérios e contidos, aproveitando o período de dez dias que antecediam à quaresma saíam às ruas com suas máscaras luxuosas, misturando-se ao povo e aproveitando para liberar-se; o que deu início ao tão famoso Carnaval de Veneza.
Até os nossos dias as máscaras são amplamente usadas em festas folclóricas como no Carnaval do Brasil, uma infinidade de festas por toda a América Latina, como o Carnaval de Oruro – na Bolívia, Dia de los Muertos – no México, Fiesta de las Flores y las Frutas – no Equador, La Cueca – no Chile, o Carnaval de Barranquilla – na Colômbia, Carnaval de Gualeguaychú – na Argentina; enfim, escreveria mais um parágrafo para citar todas. Sem omitir o teatro no Japão que até hoje se faz com o uso de máscaras, as festas de Halloween, o Carnaval de Quebec, entre outras.
Vale lembrar que a máscara tem função ambígua, a de esconder e a de revelar, por isso ela simula ou dissimula; simula quando mostra uma personalidade que se esconde no mundo real e dissimula quando esconde uma personalidade que não quer se revelar. Como no conceito de Platão, “a máscara encobre quem você é, para mostrar quem você quer ser. A máscara que o ator usa está pronta para tornar-se sua face.” Já como quer Octávio Paz, poeta mexicano, as máscaras são necessárias, é impossível nos dissociarmos delas uma vez que os papéis que desempenhamos na vida são múltiplos e diversificados. “Enquanto estamos vivos não podemos escapar de máscaras e nomes. Somos inseparáveis de nossas ficções-nossas feições.”
Já para Rousseau o mascaramento social produz muito mal no convívio humano. Para ele o homem acredita na máxima do SER e PARECER, levado pela vaidade que o faz aceitar como verdade o olhar do outro. “Nisso se faz necessária na sociedade a criação de máscaras sociais com as quais os homens passam a se relacionar hipocritamente uns com os outros.” E conclui “que a sociedade ocultou no homem o que ele tem de melhor: a sua própria essência.”
É certo que no convívio social, seja ele em família, no trabalho, nas relações de amizade, devemos manter um nível de aceitação de nós mesmos em relação ao outro e vice-versa, para que o respeito prevaleça e as atividades do dia a dia transcorram em harmonia com um nível tolerável de conflitos. Para tanto não é necessário que estejamos sempre simulando ser outra pessoa que não aquela que nós próprios conhecemos. Uma autoestima apurada, uma boa dose de autoconfiança e a crença em nossas potencialidades podem nos proporcionar a devida tranquilidade nos diversos papéis que desempenhamos sem que seja necessário nos “submeter” a um estereótipo que acreditamos ser aceito.
Uma grande máscara da era tecnológica, da qual não poderíamos deixar de falar, são as redes sociais. Vejamos o FACEBOOK, por exemplo; um grande palco onde as personagens exibem diariamente seus ideais de felicidade e contentamento, desde suas preferências políticas até o horário e conteúdo de suas refeições. Apesar das exposições cotidianas, seria difícil traçarmos o perfil de um indivíduo, pois não estamos certos se as postagens são verdadeiramente o que pensam ou aquilo que gostariam de pensar. O perfil pode até não ser “fake”(embora muitos o sejam) ,mas as declarações na maioria o são. Outro ponto é o grande número de amigos que cada um tem. Amigo é relação de cumplicidade, verdade e confiança. A um amigo nos revelamos e revelamos nossos segredos; e, se estamos simulando um “eu” que gostaríamos de ser, como poderemos estabelecer uma relação honesta e profunda nesse ambiente se o outro não consegue me conhecer? E se essas relações saíssem do campo virtual e passassem para o campo da realidade? Como eu seria na realidade, tête-a-tête com o outro? Ou o outro comigo? Simplesmente constataríamos que eram outras pessoas e que aquela pessoa que é tão sua amiga nas redes sociais, na realidade não existe? As máscaras das redes sociais estariam colocando em questão a essência e a existência das relações interpessoais? Ou seria ainda possível tirar as máscaras, reconhecer gente de verdade e descobrir um sentido no rosto que está para além das aparências?
(…) “Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o
dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no
vestiário.”
Álvaro de Campos – in TABACARIA
* Marta Miranda, Pós-Graduada “Lato Sensu” em Língua Inglesa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PREPES), Graduada em Letras (Portugûes/Inglês) pela FAFIC (Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Caratinga –UNEC- Centro Universitário de Caratinga), Curso Científico pela E.E:”José Augusto Ferreira” (rede pública). Curso de Magistério de 1º grau pelo Colégio Caratinga. Professora da Escola Professor Jairo Grossi e Centro Universitário de Caratinga – UNEC.
Mais informações sobre o autor(a), acesse: http://lattes.cnpq.br/2976357418940182