O suspense e a ficção científica costumam ser tratados como gênero de nicho em relação à comédia e ao drama, que são mais comuns no cinema mundial. É comum inclusive algumas pessoas associarem estes gêneros a temas rasos, lotados de cenas de ação e efeitos especiais. O que se percebe nas premiações mundiais é que tanto o suspense quanto a ficção científica ainda são quase ignorados e não tem o reconhecimento que deveriam ter. São muitos os exemplos de tramas destes gêneros que entregam não só filmes que divertem mas também histórias que fazem o espectador refletir sobre a vida e a sociedade. Segue abaixo alguns exemplos de filmes recentes que valem a pena assistir.
UMA NOITE DE CRIME
(The Purge)
EUA-França/2013
De James DeMonaco
Com Ethan Hawke, Lena Headey, Max Burkholder, Adelaide Kane, Edwin Hodge
No futuro, a criminalidade é próxima de zero, com exceção de um dia no ano, determinado “Expurgo”, no qual assassinatos e outros crimes são permitidos por 12 horas. A família Sandin, que vive de vendas de artigos de segurança, é uma das ricas famílias que precisam se proteger na noite do Expurgo. Porém, imprevistos começam a acontecer.
O filme, que já é cultuado, ganhou uma continuação em 2014 e uma terceira parte em 2016. A premissa é tipicamente de filme independente, muito criativa e até mesmo filosófica, rodado com baixo orçamento, porém com uma dupla de protagonistas de respeito: Ethan Hawke (indicado ao Oscar por “Boyhood”) e Lena Headey (a Cersei de “Game of Thrones”), além de fazer parte dos estúdios da Universal.
A ideia central da trama, na qual os personagens têm um dia no ano para se livrarem de toda a crueldade existente nelas, dá margem para se discutir vários conceitos como desigualdade social, questão étnica, individualidade da sociedade e descaso dos governos com parte da população.
O dilema da família Sandin é assustadoramente real, por mais que a premissa seja pura ficção científica e a princípio, seja mais difícil do espectador aceitar. De qualquer forma, os fatos que desencadeiam através dessa ideia central é bastante atual e ao mesmo tempo faz com que se reflita perante toda a situação vivida pelos protagonistas e também faz com que o espectador se encha de curiosidade para saber qual vai ser o destino da família Sandin.
“Uma Noite de Crime” consegue, através de uma ficção, estabelecer uma trama de suspense e ainda dialogar com elementos sociais, políticos e raciais que são fundamentais para qualquer sociedade atual refletir para onde a humanidade pode estar se dirigindo.
OBLIVION
(Oblivion)
EUA/2013
De Joseph Kosinski
Com Tom Cruise, Morgan Freeman, Olga Kurylenko, Nikolaj Coster-Waldau, Melissa Leo
Um sujeito cuja missão é extrair recursos de uma Terra devastada e inabitada começa a questionar sobre os motivos de sua missão e sua identidade.
Nesta ficção científica, temos novamente um cenário pós-apocalíptico, só que desta vez a trama não apenas foca nas cenas de ação e sim em várias camadas de mistério que vão se revelando ao espectador aos poucos. De início, temos apenas uma dupla de “mineradores” de recursos, a mando de uma organização, para colher recursos do planeta, cujos habitantes já estão em outro lugar.
O serviço da dupla parece monótono, salvo as ameaças dos inimigos, que vez ou outra atacam. O ritmo muda quando uma misteriosa mulher aparece e o personagem de Tom Cruise logicamente vai ajudar e aos poucos vai descobrindo que as pessoas ao seu redor não são o que parece ser e ele mesmo se questiona sobre seu passado e sua missão no planeta.
O novato diretor Joseph Kosinski mostra que tem potencial e apresenta uma história com duração na medida, com reviravoltas e suspense que nem toda ficção científica recente parece seguir. Vale a pena acompanhar até o final e descobrir que segredos guarda cada grupo de personagens que aparecem ao longo da história.
PERDIDO EM MARTE
(The Martian)
EUA/2015
De Ridley Scott
Com Matt Damon, Jessica Chastain, Kate Mara, Jeff Daniels, Michael Peña, Sean Bean, Sebastian Stan, Chiwetel Ejiofor, Donald Glover
Durante uma missão em Marte, o astronauta Mark Watney é dado como morto depois de uma tempestade. A nave com o restante dos tripulantes abandona o planeta vermelho rumo à Terra, sem saber que na verdade Mark continua vivo. Agora, ele precisa conseguir sobreviver em um planeta hostil, enquanto surge a oportunidade de um resgate.
O filme, baseado no livro de Andy Weir, é uma espécie de junção de dois estudos: o do instinto de sobrevivência, mostrado em “Gravidade”, e o realismo científico, presente em “Interstelar”. Pegando as melhores características destes dois filmes, e adicionando a química na medida certa do diretor Ridley Scott e o ator Matt Damon, surge um dos melhores filmes de 2015.
A trama, devido a sua premissa, poderia perigosamente cair no marasmo, com cenas desnecessariamente longas ou monólogos pouco inspiradores. Porém, vemos logo de início um personagem muito interessante, com humor peculiar, enfrentando uma crise sem precedentes. A alternância entre as ideias espertas de Mark com as cenas de uma desesperada NASA fazem com que o espectador fique muito curioso pra saber como tudo isso vai terminar.
E se não fosse só isso, temos ainda cenas já antológicas, como a menção à trilogia Senhor dos Anéis, com o próprio Sean Bean presente (ator que interpretou o personagem Boromir na saga). O elenco estelar, que tem nomes como Donald Glover (Community) e Kate Mara (House of Cards) é mais um destaque.
“Perdido em Marte”, ao longo de suas duas horas e vinte de duração, mantém aquela mistura entre diversão e reflexão que é sinônimo de um ótimo filme. Um exemplo de como fazer um blockbuster com jeito de cinema de autor.
Warny Marçano é blogueiro do WCinema (www.wcinema.blogspot.com), composto por resenhas de filmes e notícias em geral da sétima arte.
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