Eu tinha apenas 29 anos de idade. Estava começando a me estabilizar profissionalmente e me sentindo mais forte para colocar fim nas intensas brigas que travávamos.
Era uma manhã trivial e em silêncio eu pensava. Havia meses que buscava coragem para falar com ele sobre nosso divórcio. Nas brigas intensas eu me sentia pequena e sem voz todas as vezes que ele apontava meus defeitos, o que era costumeiro, mas naquela manhã eu estava decidida! Iria colocar um fim no relacionamento.
Ele trabalhava até o fim da tarde, por isso, achei adequado enviar uma mensagem. Logo tive uma resposta, pedindo que nos encontrássemos num bar. Prontamente aceitei, pois teria mais tempo para ensaiar o que falaria, afinal, em contraponto, nutria grande carinho por todos os anos que passamos juntos. Ensaiei frente ao espelho e pedi conselhos às amigas.
Ao cair da tarde nos encontramos em frente ao bar. Percebi que ele estava furioso, com olhar distante e gestos frios. Decidimos beber para que ele pudesse relaxar. Começamos a conversar e eu disse tudo que pretendia. Ele relembrou todos os nossos momentos juntos, disse que não viveria sem mim. Acrescentou que o amor é realmente assim, com brigas, ciúmes, mas que tudo sofre e tudo suporta. Finalizou afirmando que eu não encontraria ninguém melhor que ele. Pediu para me levar à casa.
Caminhamos até ao carro. Seus olhos, que no altar eram tão brilhantes, nutriam, agora, um ódio implacável. Toda coragem que juntei foi dissipada e sentia apenas medo. Nunca imaginei sentir medo de alguém que tanto amei. Discutimos. Ele me agrediu. Machucada, fui colocada no carro e ele dirigiu até ao prédio do nosso apartamento. Ao chegar, ele me carregou ao colo, pois minha perna sangrava onde ele havia chutado. Os pingos vermelhos de sangue estavam estancados pela bota de cano alto, mas ainda na escada da entrada ela caiu.
No elevador, mesmo bêbada eu me debatia. Nisso, perdi um brinco e os pingos vermelhos Marsala realçavam no chão branco do apartamento. Eu estava bêbada, fraca e triste. Ele gritava. Eu chorava apoiada ao parapeito da sacada. Queria somente sair daquela situação. Em meu último segundo reuni forças para gritar por socorro.
Minha voz já não era somente minha. Sentia em mim Maria da Penha, Eliza e Eloá. Sentia todas as mulheres que se submetem às situações de violência física e psicológica que, por um ideário culturalmente enraizado na sociedade brasileira, têm de dizer que tropeçaram e bateram na maçaneta. Minha voz ecoou, mas ninguém ouviu, ou fingiu não ouvir. Naquele instante as mesmas mãos que um dia me arrepiaram de paixão me empurraram para a morte.
Eu sou Tatiane, sou Joana e Maria. Eu sou uma estatística que cresce continuamente na sociedade brasileira. Sou mais uma vítima do feminicídio, uma mulher silenciada!
Feminicídio é o assassinato de mulheres em um contexto de diferença de gênero.
O Brasil é o quinto país que mais mata mulheres no mundo. O número de mulheres que morrem ou são violentadas nesta situação é alarmante e demanda conscientização sobre os direitos e liberdades de cada um.
No período de 1 ano, entre março de 2016 e 2017, o país registrou 8 casos do crime por dia, sem contar os casos de violência contra a mulher que não vêm a público!
*Phâmella Paula da Silva, 18 anos.
Cursa o 3º ano do Ensino Médio na Escola Estadual “Monsenhor Rocha”, em Santa Bárbara do Leste. Foi finalista da 5ª Edição da Olímpiada Nacional de Língua Portuguesa de 2016 – medalhas de bronze e prata.