Mãe Admirável comemora 22 anos. Confira relatos de acolhidos
CARATINGA– A Associação Mãe Admirável (AMA) celebra 22 anos de serviços prestados à comunidade, oferecendo tratamento para usuários de álcool e outras drogas.
O tratamento é baseado na trilogia: espiritualidade, disciplina e terapia ocupacional, onde acontece o processo de desintoxicação, reeducação e reinserção social. São sete meses de dedicação para que o assistido possa retomar bons hábitos, reconquistar a alegria de viver com a esperança de um novo tempo.
O fundador Aluísio Palhares faz um balanço positivo deste período de atividades, que tive início no ano 2000. “É um tempo muito importante, fecundo, porque mexe com nossa memória e nosso coração. Falo como fundador, que está aqui desde a inspiração e posso testemunhar que se trata de uma obra de Deus. Se não fosse, não permanecia tamanha as dificuldades e provações que enfrentamos para realizar um serviço como este. O que fica mesmo vivo na memória é o que está acontecendo, obstante às dificuldades do passando quando tudo precisava ser construído, hoje as necessidades continuam porque tudo precisa ser reformado e mantido. Mas, são muitos frutos, muitas vidas que tiveram a experiência do reencontrar-se, adquirir novamente sua autoestima, compreender o valor que tem, porque a vida lá fora usando e abusando dessas substâncias perde o sentido”. Aluísio relata que muitas pessoas já tiveram suas vidas transformadas ao passar pela AMA. “Essa experiência de passar por esse programa terapêutico que nossa comunidade oferece, temos oportunidade depois de reencontrar muitos que estão lá fora, reinseridos na sociedade, no mercado de trabalho, nas igrejas, é muito gratificante. Temos uma equipe preparada, capacitada, multidisciplinar, desde psicólogo, nutricionista, enfermeiro, assistente social, nossos monitores todos têm formação, tratamento de dependência química. Trabalhamos tudo com muita responsabilidade. Temos aqui para que possamos funcionar todos os alvarás e sermos merecedores das parcerias, oferendo o melhor para os que vêm”.
A Associação Mãe Admirável tem capacidade para 36 acolhidos. Aluísio explica toda a estrutura ofertada no local. “Ficamos sempre em torno de 30, portanto, sempre tem vaga. Ainda encontro pessoas que ouviram dizer que é muito difícil e cobra. Mas, é de graça. A pessoa para ser acolhida precisa ter 18 anos acima e querer. O acolhimento é voluntário, querendo serão passados alguns exames, todos feitos através da rede pública em parceria com o município e tudo é providenciado. Começa a cuidar da saúde, perceber se tem alguma necessidade de tomar um remédio. O período de acolhimento aqui na comunidade hoje tem sido de sete meses”.
O nutricionista Leandro Campos acrescenta o suporte que é ofertado aos acolhidos, contribuindo também para a inserção no mercado de trabalho. “Sou o responsável técnico na parte alimentar. Trabalhamos todo cuidado na qualidade e prevenção à saúde dos nossos acolhidos. Oferecemos também cursos de culinária, onde preparamos nossos acolhidos profissionalmente para inserção ao mercado de trabalho. São muitos acolhidos com habilidades na culinária e demonstram interesse. Vão adquirindo conhecimento e querem aprimorar cada vez mais”.
“MEUS AMIGOS ESTAVAM TODOS CONSTRUINDO SUAS VIDAS E EU NÃO TINHA NADA”
De Taparuba, Kaleby Gonçalves da Silva, 20 anos, está acolhido há cinco meses na Mãe Admirável. Ele se recorda que começou a usar drogas aos 14 anos de idade. “Por um tempo eu não tinha vontade nenhuma de ter essa mudança de vida. Quando a gente é jovem, não tem essa visão. Mas, com o decorrer do tempo fui percebendo que meus amigos estavam todos construindo suas vidas já e eu não tinha nada. Fui percebendo as coisas que eu estava fazendo, o sofrimento que eu estava trazendo para a minha família. Isso doeu em mim, principalmente quando cheguei em casa um dia e minha mãe estava ajoelhada, chorando e orando. Eu escutei um pouco do que ela falava, ela dizia que queria que eu me libertasse dessa vida. A partir daí resolvi tomar um rumo na minha vida, tentei parar sozinho, mas, quando eu vi que eu não conseguia, resolvi que eu precisava de ajuda e pedi ela para que procurasse um lugar para me internar”.
No mundo das drogas, Kaleby acabou perdendo o emprego e percebeu que já não tinha mais controle. “Principalmente cocaína e crack, maconha também, mas, eu tinha contato com outras drogas, tipo LSD, cogumelo, essas mais em festa. Meu último emprego, por exemplo, fui mandado embora porque eu estava faltando muito, um dia meu patrão chegou e eu estava até dormindo no serviço, que eu tinha virado a noite usando droga. Também já não tinha mais a segurança das pessoas, elas tinham medo de eu roubar, porque querendo ou não já estava nesse ponto”.
Ele é categórico ao afirmar que sua mudança agora é 100%. “Quando cheguei aqui mesmo não tinha tanta certeza de que eu ia mudar, mas, com o passar do tempo aqui eu percebi, minha memória voltou, minha preocupação com as outras pessoas, tudo na minha vida melhorou, até minha disposição”.
Outro ponto que Kaleby ressalta é que também está tratando sua espiritualidade e se preparando para retornar ao mercado de trabalho. “Não tratamos só o vício da gente, eles tratam a gente como pessoa, voltamos a ter valores, já saímos daqui aptos a voltar para o convívio social. A gente sabe que a luta verdadeira é lá fora, mas, aqui tem uma grande ajuda. Uma parte boa daqui também é que saímos com um ótimo currículo, vários cursos, por exemplo, aprendi a cozinhar, roçadeira, a mexer com gado um pouco também”.
Todo mês Kaleby recebe visita da família e afirma que está restabelecendo vínculos familiares. “Eu achava que meu pai não tinha tanta importância pra mim, mas, depois que vim pra cá percebi o quanto faz a diferença ele estar na minha vida. Aquele Kaleby que fez minha família chorar, já não existe mais. A partir de agora, tudo que eu fizer daqui pra frente vai ser para recuperar o tempo perdido e para mudar a forma que a minha família me vê”.
“PRETENDO VOLTAR E RECONSTITUIR TUDO QUE PERDI”
Rychard Fialho, 23 anos é de Santo Amaro de Minas, em Manhuaçu. Acolhido há quatro meses, ele explica como acabou se envolvendo com as drogas. “Vim parar aqui na Mãe Admirável através de uma experiência não muito positiva com as drogas, onde tive um percurso de um trauma mílico no Exército. Assim dei entrada no mundo da drogadição, por meio disso contatei a minha família que eu já estava numa situação, porque geralmente a gente que é adicto tem uma certa dificuldade em aceitar que não é mais somente a bebida do final de semana e sim uma doença. Então, quando me dei conta dessa doença, procurei minha família e vimos que era uma situação favorável procurar uma clínica de recuperação e tomamos as necessárias decisões”.
O período de drogadição foi curto e começou na pandemia. O jovem decidiu procurar ajuda, pois, percebeu que além do uso abusivo de bebidas alcoólicas, estava iniciando o vício em drogas. “Passei um período no exército e assim que saí do Exército, tive esse trauma e ingressei na faculdade de Odontologia. Fiz até o quinto período, quando eu ia para o sexto, começou a pandemia, foi quando comecei meu período de drogadição que durou cerca de oito a nove meses. Comecei no uso de álcool, mais da cerveja, passou para uísque e quando vi que o álcool já não estava mais me satisfazendo, dei entrada na cocaína, que era uma substância a qual cortava um pouco do efeito do meu álcool e me dava uma resistência maior para esse período de exposição à minha droga de preferência, que no caso era a bebida”.
Conforme Rychard, os meses na Mãe Admirável têm sido de novas experiências e de esperança. “Até então eu estava na Clínica Nova Vida, em Ipatinga, passei por lá um período de três meses, porém, algumas normas e regimentos da clínica não foram de acordo com o que a gente estava procurando e a gente decidiu trocar essa clínica. Quando cheguei na Mãe Admirável foi totalmente diferente, desde o acolhimento que eles fazem no escritório, até a recepção aqui dos monitores. Toda a equipe foi muito receptiva. As dificuldades que vamos encontrando no dia a dia, o acolhimento nos ajuda a enfrentar e não desistir do tratamento”.
Quando sair da AMA, ele pretende retomar os estudos e dar novos rumos à vida. “Tracei meus objetivos, com ajuda da psicóloga. Direcionei meus propósitos, vi o que vai ser melhor para meu futuro e vi que aquilo que perdi no meu período de drogadição é o que realmente quero para minha vida. Pretendo voltar e reconstituir tudo que perdi, além de começar uma nova batalha, tanto no mundo o qual estamos, como o espiritual que eu já tinha deixado um pouco de lado”.
Rychard finaliza deixando uma mensagem para sua família. “Quero mandar um abraço para toda minha família, especialmente, minha mãe e minha tia, que mais me deram força até aqui e dizer que logo estarei de volta para conquistarmos tudo que sonhamos pra nós”.