Dona Dora e as recordações de Lorde Manga, o rei do samba
CARATINGA- Só saudade! As recordações de Antônio Pereira Magalhães ainda permanecem vivas na memória, no coração e nos versos entoados por Maria Auxiliadora Soares Pereira, a dona Dora.
Antônio era dedicação ao verde e rosa, Antônio era ‘Lorde Manga’, o rei do samba. Saiu de Caratinga para brilhar no Rio de Janeiro entre a década de 60 e o início da década de 70. Quando se fala em Carnaval, impossível não se recordar daquele que fez história inclusive no Programa do Chacrinha, em que ficou em 1º lugar entre oito passistas.
Dona Dora, viúva de Lorde Manga, recebeu o DIÁRIO em sua residência, na Rua Francisco Victor de Assis, Bairro Vale do Sol. Ela se orgulha em falar sobre a história do sambista.
A história do caratinguense começa quando ele se muda para o Rio de Janeiro e desfila pela escola Unidos do Morro do Pinto, bloco do bairro onde morava, no ano de 1960. Após uma breve passagem pela Acadêmicos do Salgueiro, passou a desfilar pela Mangueira, sua verdadeira paixão. “Quando ele foi desfilar no Salgueiro, eles falaram assim: ‘Você é mineiro. Mineiro não tem samba no pé’. Ele falou que queria ensaiar, levaram ele para lá. E de lá foi para a Mangueira. Já chegou mesmo sendo o melhor passista”, declara dona Dora.
Com o samba no pé, carisma e alegria, não teve para ninguém: Manga recebeu o título de Lorde. Seu sucesso foi tamanho que uma foto sua ilustra a capa do LP ‘Carnaval Copacabana 70’, que reúne samba enredo de diversas escolas. O LP foi exibido à reportagem com entusiasmo por dona Dora. “Na Mangueira ele foi batizado de Lorde Manga, entrou, disputou com um e ganhou em primeiro lugar. Ele era apaixonado com a Mangueira, trabalhava de dia e de noite só Deus sabe para onde ele ia. Aqui ele já tinha o apelido de Manga na escola, na escola sai tanta coisa. Mas, era apaixonado com a Mangueira, só falava na Mangueira, acabou que o apelido deu certo”.
A trajetória no samba começou antes do relacionamento com dona Dora. No retorno à terra natal, além da paixão pelo samba, ele descobriu sua outra paixão e constituiu família. A união rendeu três filhos, Fabiana, Flaviana e Fabrício. “Quando ele veio embora pra cá, a irmã dele falou: ‘Por que você não namora com o Antônio?’ Falei: ‘Que isso! O homem dorme o dia inteiro, não tem hora para levantar (risos)’. Por uma brincadeira a gente começou a namorar, com um ano casamos”.
No ano de 1984, ele fundou o grêmio Recreativo Escola de Samba João Caetano do Nascimento em Caratinga, que recebeu as mesmas cores da amada Mangueira. A viúva do sambista se recorda que ele também se dedicou à sua terra natal até falecer, em 1995, mas, ficou de certa forma esquecido por aqui. “A religião dele era o samba. Ele era popular demais, não foi muito valorizado aqui, no Rio ele era mais. Esse troféu de Santos, eles foram fazer uma excursão lá e disputar, ele ainda era solteiro. Chegou lá, ele tirou em primeiro lugar. Veio para cá, o Fabinho (Anselmo Bonifácio, ex-prefeito) naquele ânimo dele, ele (Manga) pegou para o Carnaval reviver em Caratinga, porque não tinha nada mesmo. Igual agora, não existe nada mais. Depois que ele adoeceu acabou tudo. Gozado, o Manga não bebia e nem fumava. Só não ganhou mais (valorização) porque o pessoal de Caratinga, não tinha jeito a João Caetano do Nascimento ir pra frente. Mesmo assim, foi muito gratificante o que eles fizeram para ele”.
Questionada se acredita que o Carnaval poderia ser resgatado na cidade, dona Dora acredita que não é possível repetir o que viveu naquele tempo. “Tenho muitas recordações, já mandaram o CD do Carnaval do Rio, o dia que vou ouvir choro (risos). Nessa salinha aqui tinha cinco máquinas no carnaval, essa casa parece que esticava para caber o pessoal. Era muito bom. Acho que não volta igual era”.
Na casa dos ‘Mangas’, como são conhecidos, a tradição carnavalesca segue com força total. Seja acompanhando de perto ou até mesmo pela TV, eles não perdem a passagem da Mangueira pela avenida e contagiam a vizinhança. “O Fabrício todo ano ele vai, agora ele saiu de férias com a esposa, foram para a Bahia, quis conhecer um lugar que ele não conhecia. E nós também acompanhamos o desfile, ficamos acordados a noite inteira esperando a Mangueira desfilar pra gente ver. Agradeço muito a Deus, aqui em casa é união perfeita. A paixão continua. E com isso, nessa rua todo mundo é da Mangueira, foram crescendo, ele ainda fez Carnaval uns três anos. Depois além de adoecer, ele foi fracassando também. Ficou muito conhecido, foi muito bom, agora é só recordação”.
Para finalizar, dona Dora fez questão de cantar o samba que escreveu para o marido. Intitulada ‘Só Saudade’, a canção demonstra a admiração e o carinho ao ilustre caratinguense. “Tudo ficou tristemente/Depois que você partiu, sim/Lorde Manga, estou te chamando e te procurando ao som de um tamborim/ Lorde Manga, estou te chamando e te procurando ao som de um tamborim. Você partiu tristemente/Só a saudade ficou/ Está ao lado de Cristo/Porque no céu não tem preconceito de cor. Está ao lado de Cristo/Porque no céu não tem preconceito de cor. Só saudade!”.